Quanto mundo cabe na vida
Alvíssaras! Nosso adorável viajante promete, ainda para este ano, o lançamento do primeiro tomo de seu livro sobre viagens, lugares, reflexões e todos outros assuntos que costuma abordar em sua coluna semanal e na página do Facebook, ao qual aderiu recente e relutantemente.Mr. Miles, que andava sumido, confessa que fez um retiro em lugar sublime dos Himalaias e, após longa conversa com os picos nevados que entrevia de sua área de meditação, decidiu compartilhar seus escritos com um número ainda maior de pessoas, além daqueles que o seguem com frequência e dos milhares de associados dos fãs-clubes que possui ao redor do mundo.
O correspondente britânico, entretanto, não informa a data exata do lançamento nem a quantidade de idiomas em que ele será publicado. A redação, entusiasmada, presume que mr. Miles finalmente dará o ar de sua graça em São Paulo, ao menos para a tarde (noite?) de autógrafos. A seguir, a carta da semana:
Prezado Senhor Miles, seja quem for… Sou leitora fiel de suas crônicas, pois elas são o retrato de como se deve viajar. Desde que comecei a conhecer o mundo, viajo como o senhor descreve. E, por incrível que possa parecer, nos meus 80 anos e sozinha, continuo a viajar, pois só assim se adquire cultura e muito, muito conhecimento. Não apenas do universo, como de nós mesmos. Passei meus 70 anos no Egito e pretendo passar os 80 no Havaí. Canto, danço, converso com todas as pessoas, faço meu happy hour, janto onde quero, sou livre. O mais importante é que passo vida às pessoas que se achegam. Plantar flores no jardim da memória; é a melhor e mais poética definição que já li e ouvi, sobre os lugares que visitamos e nos marcaram. Abraços. (Dulce Bianchi, por e-mail).
“My sweet Dulce: ao escolher o seu nectáreo nome de batismo, oitenta primaveras atrás, seus pais, for sure, já previam que, no futuro, você fosse ganhar o mundo ‘passando vida às pessoas que se achegam’. Cumprimento-a por ser assim, como eu, uma lavradora ‘plantando flores no jardim da memória’ e armazenando conhecimentos sobre si própria e sobre o mundo que nos pertence.
Unfortunately, não a conheço pessoalmente, mas é como se isso não fizesse a menor diferença. Durante minha longa existência – que faz de seus 80 anos uma espécie de adolescência –, tive a oportunidade de cruzar, em meu caminho, com mulheres igualmente sábias e intimoratas.
Lembro-me da fantástica Grete Glass, uma robusta viúva alemã que, aos 90 anos e com problemas de mobilidade, não fazia caso de entrar, pela asa, em um monomotor, rumo a qualquer destino remoto. Também não posso deixar de mencionar a formidável Leslie Hamilton, de origem norte-americana, que aos 95 anos (e a bordo de um andador) decidiu passar dois anos em um navio de cruzeiro e jamais deixou de descer nos ports of call, ainda que tivesse notável dificuldade para embarcar em tenders (aqueles barcos que fazem a ligação entre o navio e o cais), sobretudo em dias de mar bravio.
You, my dear Dulce, com certeza faz parte dessa ainda diminuta estirpe de pessoas que não olham para o calendário para encerrar a vida. Existe, however, muita gente no gozo pleno de sua saúde, que abandona a vida e seus prazeres pela simples probabilidade aritmética de que ela esteja se findando. A essas, dedico o seu exemplo, o meu (why not?), o de Leslie e o de Grete, entre tantos outros. E incito-as a tirar o bolor de suas malas, porque se a vida é menor do que o mundo, quanto mundo cabe numa vida?”.
Fonte: O Estadão
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