Por Sérgio Jockymann
Pois, o coronel não era muito flor de se cheirar, embora depois de certa idade ter melhorado muito. Entre os trinta e os quarenta, teve lá o seus ardores guerreiros e brigou por brigar em todas as revoluções que apareceram pela frente e em outras que apareceram por trás. Mas isso de andar brigando também tem os seus cansaços e um dia, chupando um chimarrão, o coronel se pôs a pensar em tudo que tinha feito e no que ainda tinha para fazer e achou que nem sempre tinha sido tão sabido como pensava nem tão burro quanto parecia. Claro que tinha medalhas, citações e até uma espada de prata, que segundo o Clarimundo, pouco avesso a essas honrarias, não servia nem para cortar costela. Mas tinha também muitos furos de bala pelo corpo, três balas metidas na carne só para doer quando o tempo estava para chuva e dinheiro muito minguado para tanta honra.
O chimarrão tem essas virtudes. É uma bebida sem pressa, que esquenta o corpo e esfria a cabeça, até que o pior toupeira do mundo a descobre que tem miolos e que sabe pensar. Ora, no coronel, que já tinha descoberto tudo isso há muito tempo, os pensamentos foram crescendo, crescendo, até que ele deu um murro no joelho, largou um palavrão e desabafou:
- Clarimundo, eu tenho sido uma besta.
O Clarimundo discordou com toda a sinceridade.
- Tenho, Clarimundo, Olha o infeliz do Libinho que entrou na última revolução com a roupa do corpo e hoje tem quatro fazendas. Olha o doutor Paulo que só fez discurso e hoje viaja até para a Europa.
E durante uma hora aumentou a lista, até que decidiu:
- Clarimundo, chega de revolução.
Mas o senhor governador do Estado, não tinha a mesma opinião e duas semanas depois, mandou chamar o coronel e deu a ordem:
- Coronel, me forme um corpo provisório dentro de um mês.
O coronel disse que tinha decidido acabar com aquela história de andar brigando, mas o governador não compreendeu. Pelo contrário, ficou cheio de suspeitas e lá pelas tantas chegou até a ameaçar:
- Coronel, como dizia Jesus Cristo, quem não está comigo está contra mim.
O coronel pensou e achou que um governador que recrutava até Jesus Cristo, não merecia sinceridade.
- Está bem. Vou formar um corpo. Três mil homens, chega?
- Chega.
- Pode me mandar o dinheiro na semana que vem.
E durante seis meses, o coronel recebeu o soldo e provisões para três mil homens, que passaram o tempo todo atrás do inimigo. De semana em semana havia um combate e o coronel telegrafava:
- Morreram cem. Mande a pensão para as viúvas.
E só morriam homens casados. Vez que outra morria um solteiro, mas no geral eram só homens casados e sempre com quatro ou cinco filhos. Quando o governador reclamou as pensões, o coronel respondeu:
- O pessoal daqui gosta de família.
E o governador não discutiu mais. Até que a revolução terminou com todo mundo abraçado, como era do feitio daquele governador. Um ano depois, um sobrinho do coronel foi a Vila Velha e soube que o tio havia comprado cinco fazendas e quis conhecer uma por uma. O coronel pôs o rapaz dento do Ford e foi mostrando.
- Essa é a fazenda dos Dois Mil Homens.
Chegou na outra.
- Essa é a fazenda das Viúvas.
E na terceira:
- Essa é a Fazenda dos Órfãos.
E na quarta:
- Essa é a Fazenda dos Feridos.
E na quinta:
- Essa é a Fazenda dos Defuntos.
O sobrinho não se aguentou mais e perguntou onde o coronel tinha arranjado aqueles nomes. O coronel deu um risinho safado e explicou:
- Formei um corpo de mil homens e com o soldo de dois mil que eu não tinha, comprei a primeira fazenda. Comprei a segunda com a pensão das viúvas, a terceira com a pensão dos órfãos, a quarta com a pensão dos feridos e a quinta com a indenização dos mortos.
O sobrinho fechou a cara e disse que era uma vergonha um homem roubar assim o dinheiro de órfãos, viúvas, feridos e defuntos. O coronel deu uma gargalhada e explicou:
- Meu filho, o único ferido que teve por aqui foi o Clodoaldo que caiu de uma mula cabrera. Não me meti em nenhum combate. De semana em semana, mandava um telegrama dizendo que uma força inimiga ameaçava Vila Velha e pronto. E te conto uma coisa, foi a primeira revolução que eu ganhei.
Mesmo assim o sobrinho não se conformou:
- Mas isso é roubo, tio.
- Roubo nada, meu filho, isso é indenização pelo que me fizeram. E olhe que ainda estão me devendo.
E estavam mesmo, tanto que cobrou mais duas vezes. Mas isso é outra história. (JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 144)
Nenhum comentário:
Postar um comentário