Por Sérgio Jockymann
Pois, em Vila Velha, contavam essa história e, por sinal, quem andou contando pela primeira vez foi o coronel, num domingo que a mulher do Joãozinho fugiu com um agrimensor e o marido tinha querido beber veneno. O coronel foi um dos que impediu, o que "O Independente" chamou no dia seguinte de "tresloucado gesto", coisa que já naquele tempo só o vibrante semanário tinha a coragem de dizer de gestos tão desesperados. Ninguém conseguiu descobrir nenhuma razão para que o Joãozinho continuasse vivendo e nem as anedotas pornográficas do seu Aristides, conseguiram reanimar o marido enganado, mesmo porque todas elas tinham mulher no meio e no desfecho a vítima suspirava e concordava:
- Mulher não presta mesmo.
Assim, o coronel que tinha Joãozinho em muita conta, porque entre outras coisas ele fazia a contabilidade da Prefeitura, resolveu contar essa história que depois correu mundo.
- Essa é do Flores.
Pelo menos foi o que o coronel disse e portanto deve ser responsabilizado por todos os contratempos decorrentes. De qualquer modo, pondo a mão na consciência, não se vai encontrar nenhum outro governador que tivesse gostado tanto de pôquer e bendito sejam os governadores jogadores porque pelo menos só saíam fora do sério no pano verde. Mas o ilustre governador, seja lá quem for ele, jogava um pôquer muito animado com um paulista que tinha só Deus sabe quantos pés de café. O ilustre governador perdia e não era homem que encarasse uma coisa dessas com muita esportividade. Claro que poderia ter mandado dar quantos tiros quisesse no paulista, mas quem joga pôquer sabe que a graça está em ganhar na mesa. Foi assim, que numa das jogadas, o senhor governador resolveu passar um respeitável cachorro e o paulista, depois de duas piscadinhas nervosas, limpou a garganta e avisou:
- Paguei.
Contrariando todas as leis do jogo, o governador foi quem espichou o pescoço.
- O que é que o senhor tem?
O paulista abriu então um bravíssimo "full-hand" de ases com reis, que aqui ou em qualquer planeta só perde para "flush" ou para "four". O Senhor governador teve um segundo de profunda reflexão e depois se abriu num largo sorriso:
- É pouco.
E abriu as cartas na mesa.
- Farroupilha.
O paulista olhou as cartas, piscou, olhou para o governador, piscou, olhou para as cartas e olhou para o governador sem piscar:
- Farroupilha?
- Mas claro. Olha aqui, sete de paus, oito de copas, dez de ouro, valete de espada e dama de paus. Um farroupilha completo.
O paulista tornou a olhar as cartas, passou a língua pelos lábios e lembrou timidamente que não conhecia aquele jogo.
- É um jogo gaúcho, moço.
- E ganha de que?
- Ganha de tudo. Só perde para "four".
O paulista abriu as cartas com muito cuidado e pediu confirmação.
- Farroupilha?
- Farroupilha.
O paulista deu um suspiro e não discutiu. Depois dessa, a sorte do senhor governador se tornou mais amena e o jogo continuou, até que lá pelas tantas Sua Excelência fez uma aposta e o paulista respondeu:
- Paguei.
O governador com um ar muito seguro abriu as cartas em cima da mesa.
- "Full-hand" de valete com dama.
O paulista examinou o jogo e sorriu com muita satisfação.
- O senhor vai me desculpar, mas é pouco.
As sobrancelhas do governador subiram e desceram.
- Mostra o jogo, moço.
O paulista abriu as cartas em cima da mesa e desabafou:
- Farroupilha.
E foi apontando carta por carta.
- Sete de paus, oito de copas, dez de ouro, valete de espadas e dama de paus.
Deu um piparote nas cartas e completou:
- Há duas horas que ando atrás de um farroupilha e não havia jeito.
Foi então que o senhor governador mostrou quando merecia o posto e a confiança dos riograndenses. Balançou a cabeça com o ar mais penalizado do mundo e avisou:
- Foi pena, moço. Eu me esqueci de lhe avisar.
- Avisar de que, governador?
O governador suspirou compungido.
- Farroupilha, moço, só vale um em cada noite.
E recolheu as fichas com muita dignidade. E foi nesse ponto da história que o Joãoznho começou a rir e cinco minutos depois concordou que tinha se livrado de uma boa droga e propôs uma cervejada na casa da Zoé. (JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 136)
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