quarta-feira, 8 de abril de 2020

A PAIXÃO

Por Sérgio Jockymann

Pois, a Terezinha, quando veio ao mundo, pegou o pai já de paternidade encerrada e a mãe de desespero iniciado porque já andava com quarenta e oito anos e, segundo a medicina do mundo inteiro, longe e distante de surpresas desse tipo. Mas nem a natureza se comportava bem em Vila Velha, pelo que a Terezinha veio ao mundo, enquanto sua mãe saía dele, pronunciando uma frase célebre:

- Eu sabia que tava muito velha pra essas coisas.

Donde bateu um remorso medonho no coronel Firmino, que ficou pai e mãe da Terezinha, pronto a saldar com ela todas as dívidas que havia contraído com a mulher. Era a Terezinha pedir e o coronel Firmino atendia, política educacional que não ajudou a nenhum dos dois. A Terezinha nem tinha dez anos e já pegava paixões malucas, como aquela de querer um camelo, o que obrigou o pai a uma conversa de cinco dias com o dono de um circo, que terminou com a entrada triunfal do bicho na estância. A Terezinha subiu, olhou o panorama, pediu para descer e declarou:

- Não gostei dele.

O coronel teve que sair com o camelo a reboque por meio Estado, atrás de um circo que quisesse o animal. Nem por isso deixou de atender os pedidos da filha. Muito pelo contrário, aí é que ficou mais bobalhão, ao ponto até de comprar um narguilé para a Terezinha, que enfiou limonada dentro da engenhoca no primeiro dia e, no segundo, já dizia ao pai que o aparelho havia nascido para fazer bolha de sabão. No terceiro dia, o coronel não sabia mais o que fazer com aquele narguilé no meio da sala e deu de presente para o mascate Salim. E nem ficou aí a Terezinha, fez mil e duzentas iguais até que na milésima ducentésima primeira, entrou numa capelinha do Forte e saiu de lá transtornada.

Pai, tou de paixão com o padre.

O coronel Firmino disse que aquilo era obra da finada e pediu que a filha desistisse da idéia, mas a Terezinha já começou a ter um ataque e a coisa foi indo, até que o pai não teve outro remédio senão bater na capela. O padre era um recruta recém passado a pronto, filho de colonos italianos e quando ouviu a notícia caiu de joelhos e se benzeu. O coronel Firmino ficou revoltado e se pôs a provar que a vida eclesiástica não tinha o menor futuro.

- A Papa tu não chega, meu filho. Casa com ela que mais de que bispo você ganha.

O padre ergueu a batina e saiu em disparada coxilha abaixo, mas isso tampouco mudou a idéia da Terezinha, que se aboletou na aranha e saiu atrás do coitado por onde ele rezasse missa. Sentava sempre na primeira fila, a danada, e ficava lá piscando os olhinhos moleques para o padre que passava por todas as cores do arco-íris. Mas nem era isso que deixava o padre Fiori mais doido. O pior era que na saída da missa lá vinha o coronel Firmino com seus argumentos financeiros.

- Não tem alma pecadora que valha vinte cabeças de gado, padre.

O padre Fiori fez um retiro de seis semanas e nem bem saiu do convento, já estava o coronel Firmino com seu Buick imenso à espera dele. E tanto fez, tanto insistiu, tanto argumentou, que um dia o padre pôs os olhos na Terezinha e começou a duvidar da própria vocação. Mais uma semana e lá estava ele na frente do bispo confessando suas fraquezas. O bispo que era muito velho e muito vivido, disse que se tinha que haver um desastre, que houvesse enquanto era pouco.

- Peça licença ao Papa.

Oito pedidos fez o padre Fiori antes de apelar para todos os seus parentes, contra-parentes e conhecidos italianos. Nos meses seguintes, onde houvesse um Fiori, lá estava uma carta do padre pedindo os seus bons ofícios. E tanto escreveu que um dia veio a tal licença comemorada com champanhe na estância do coronel Firmino. Em três dias saíram as proclamas e no quarto o Fiori, trajando uma pavorosa roupa azul-marinho estava diante do altar, tremendo dos pés a cabeça, ainda meio zonzo pela rapidez da transformação. Pela porta da Igreja entrou o coronel Firmino de braço com a Terezinha, muito linda no seu vestido branco. E veio vindo ela, até ficar ao lado do Fiori, quando se voltou e lhe deu um longo olhar. Depois piscou três vezes, deu um risinho afogado, chamou o pai com o dedinho e disse para que toda a igreja ouvisse:

- Não gostei dele sem batina.

Deu meia volta e saiu da Igreja num passinho saltitante, enquanto o coronel Firmino levava a mão ao peito e se estendia de comprido no corredor. No meio da correria, só o Fiori não se movia, de olhos pregados no crucifixo, que havia em cima do altar. O coronel Firmino já chegou morto em casa. A Terezinha um ano depois casou com um primo e sentou a cabeça. Vítima mesmo só foi o coitado do padre Fiori, que se apresentou de joelhos ao bispo, que por mais vivo e velho que fosse, não agüentou a novidade.

- Cinco anos de penitência e quando terminar, vá salvar os índios do Mato Grosso.

O padre Fiori disse que faria a penitência com todo o prazer, mas que pedia humildemente ao bispo que não o enviasse para o Mato Grosso.

- Não é pelos índios, senhor, é pelas mulheres.

Pediu perdão a Deus e afirmou:

- Nunca mais quero pôr os olhos em cima de uma mulher na minha vida.

E não pôs. Foi ser capelão de uma penitenciária masculina, onde segundo o testemunho de alguns detentos, jamais citou, uma vez que fosse outra santa que não fosse Nossa Senhora. (JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 119)

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