segunda-feira, 9 de março de 2020

SEM OS DENTES DA FRENTE

Fabrício CarpinejarFabrício Carpinejar

Perder um amor é o equivalente a arrancar dentes. 

Suspenderá a mastigação da vida. E a dor é igual: de osso, impactante, torturante. 

Óbvio que nem todos fins doem. Há os amores dentes de leite da infância, que abrem espaço para dentes melhores. Pertencem à esfera onírica dos primeiros arrebatamentos, idealizados, feitos da recompensa da amizade e das bitocas inocentes e puras. 

O equilíbrio começa a ruir pelos amores sisos, os quatro dentes que despontam no auge da adolescência e acavalam o rosto. Representam as paixões proibidas e que enfrentam clara resistência social e familiar. 

Todos passam pela natureza clandestina e selvagem desses encontros-conflitos. São dentes escondidos na carne e que desorganizam o desenho da gengiva. São os amores cafajestes, loucos, passionais, que atravancam a carreira, a rotina, a paz, a dentição dos fatos, que competem com os amigos e prazeres. São os amores imprestáveis, provenientes de casos, rolos e aventuras. 

Os amores sisos não resistem, não se encaixam em papéis fixos, não perduram nas palavras. Raramente viram relacionamentos estáveis e longevos. Têm uma duração curta e intempestiva. Acabam habitualmente extraídos da forma mais dolorosa possível, sem anestesia. 

A experiência não traz boas recordações, as rupturas violentas sufocam qualquer evocação anterior de ternura da língua. 

Aqueles que sobrevivem não apresentam condições de falar de romance por um largo tempo. É natural optar por um jejum sentimental, adotar o isolamento e a abstinência, buscar cicatrizar as suturas nas terapias, conviver com o medo diante de novos laços. 

Quanto maior a intensidade maior será o prejuízo - é a lei da gravidade do coração. Nos amores sisos, você conhecerá o céu da boca mas também o inferno da infecção. 

Mas nada dói como perder mais adiante um amor dente da frente. Um amor raiz. Um amor casamento. Um amor construção de intimidade. Um amor adulto. Um amor definitivo. Perdê-lo é não mais sorrir com liberdade. É sorrir constrangido fechando os lábios. Nenhuma porcelana poderá restaurar a mordida, quiçá o beijo.

Fonte: Facebook

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