SETECENTOS ANOS
Luiz Felipe Pondé
Obsessão pela originalidade é uma forma de pobreza de espírito da vida moderna
Uma das maiores formas de ignorância é a ideia de que os ancestrais e os idosos não servem para nada. A boçalidade ganhou ares de suposta sabedoria em meio a um mundo que se degrada, até mesmo pelas mãos daqueles que se dizem defensores de uma atitude progressista.
Vou contar uma pequena história que pode nos ajudar a sair dessa ignorância. Certa vez, uma mulher brasileira apaixonada por jardins, viajando pelo interior da Inglaterra, passou de carro por uma pequena cidade do interior e estacionou diante de um belíssimo jardim. Encantada com o que viu, e querendo saber o modo como a dona daquela casa teria sido capaz de criar tamanha beleza em seu jardim, parou o carro e correu até a casa, batendo à porta com o coração em saltos.
Uma pequena senhora abriu a porta sorridente. Nossa brasileira falava inglês perfeitamente. Ela tinha muitas perguntas para aquela pequena senhora, mas a primeira resposta já impactou nossa conterrânea cultivadora de jardins no Jardim Europa.
“Há quanto tempo a senhora cultiva esse jardim para que ele seja tão belo?” Nossa pequena senhora respondeu, de modo direto e simples: “Setecentos anos”.
Qual a moral dessa história? A vida de uma pessoa, de uma sociedade, de uma cultura, é como um jardim. Setecentos anos são necessários para você ver e cultivar a beleza, que aqui não representa apenas a beleza puramente estética, mas, acima de tudo, a harmonia das formas, construída pelo silêncio de quem dedica o cotidiano à beleza e à moral que tornam a vida algo de valor.
A verdade é que a beleza e a harmonia na vida (uma vida moral) nunca têm nada de original, ao contrário do que pensam os idiotas, que são fruto de rupturas trazidas por recém-nascidos ou adolescentes raivosos.
A beleza, assim como a vida moral, nunca teve nada de original. A obsessão pela originalidade é uma forma de pobreza de espírito típica da vida moderna. Mede-se a estupidez de uma cultura pela desvalorização do conhecimento dos idosos, dos ancestrais e dos mortos.
Uma das razões da bestialidade que assola nosso mundo é a crença infantil de que devemos dar todo o poder aos que acabaram de chegar ao mundo.
Mesmo que o capitalismo, na sua fúria pelo fetiche da inovação, nos enfie essa falácia goela abaixo, o futuro depende muito mais dos mais velhos do que dos mais jovens.
Eis a máxima que desaparece sob a poeira da boçalidade de muitos dos defensores de uma vida cheia de inovações: o futuro depende dos mais velhos e não dos mais jovens.
Isso em nada significa a adesão cega a formas de preconceitos ou superstições como pensam os inteligeninhos. Esse tipo de capacidade e percepção tem mais a ver com a habilidade de quem treinou tanto piano ao longo da vida que, ao ouvir as primeiras notas do “Noturno” de Chopin, é capaz de continuar a tocar a música sem ler nenhuma partitura. A vida é uma arte prática e não teórica.
A vida é como uma sinfonia na qual entramos depois que muitos já a tocaram e nos ensinaram a tocar com seus gestos delicados e discretos. A discrição é uma virtude dos que sabem ouvir e não dos que gritam por aí suas pequenas crenças em hashtags.
A burguesia, como classe social histórica, é presa natural dessa forma de estupidez: acreditar no novo como resposta é sempre uma forma gourmet de ignorância. É confundir uma nova geração de iPhones com o modo como se educa os mais jovens ou se conduz o cotidiano.
A ignorância da burguesia caminha passo a passo com o seu sucesso estrondoso. Toda forma de prosperidade carrega em si um risco de estupidez.
Os mais velhos, em meio a sua dor, seus fracassos, suas doenças e seus medos, sabem muito mais sobre a vida do que jovens barulhentos que confundem tecnologia com conhecimento. E a educação, na medida em que se faz workshops de algoritmos, anuncia a cegueira que caracteriza o mundo moderno acerca de si mesmo.
Quem ainda não entendeu que o futuro é dos mais velhos, não entendeu que “a sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”, como diria Edmundo Burke.
Fonte: Folha de S. Paulo -
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