O mapa, a vida pendurada na parede
Logo após o equinócio, nasceu a primeira flor no minúsculo jardim da casa de Mr.Miles, no Condado de Essex. O grande viajante e sua Trashie, a raposa das estepes siberianas, abriram mais uma garrafa de single-malt para comemorar a ressurreição das flores. Tendo recebido suas roupas cerzidas e sua mochila de couro renovada por uma camada de óleo de coco, Miles decidiu, paradoxalmente, viajar para a Sibéria. Sua intenção era rever a linda Yuliana Petrova, que foi agente dupla até a queda do muro e, nesse período, teve um caso rápido mas ardoroso com nosso correspondente. Mas também foi um agrado à Trashie, que só não sofre com o calor em lugares de temperatura negativa.
A seguir a pergunta da semana:
Caro Mr. Miles: tenho vários mapas em casa; acho que sou mesmo um colecionador. O senhor também gosta de atlas ou mapas-mundi?
Sinésio Abranches, por email
Well, my friend: eu também gosto muito de cartografia. Observar o mundo reduzido a um pedaço de papel, seja grande ou pequeno, é um prazer que me acompanha desde pequeno. Esse hábito, I guess, foi muito relevante para moldar minha vida de viajante. Do pequeno e sempre chuvoso condado de Essex aprendi a ver o planisfério e sempre alimentei o desejo de conhecê-lo em suas fronteiras mais distantes. Minha querida tia Gwineth, que ainda mora em Leicester, possuía um antigo mapa da National Geographic Society pendurado em sua sala. Era, indeed, o destaque do pequeno ambiente, porque tinha medidas colossais. Ainda garoto, lembro-me de subir em uma pequena escada de cozinha para ler nomes mágicos como Katmandu, Zanzibar, Bombaim, Mandalay e Timbuctu, for instance. Eram palavras que, believe me, transportavam-me para histórias longínquas, com seres vestindo trajes antigos, falando dialetos remotos e enfunando velas encardidas nos mais diversos tipos de embarcação. Eu chegava a sentir aromas que nunca respirei e a ver mulheres imaginárias pelas quais nutri amores platônicos.
Via as cores nos mapas e supunha que os países pintados em verde eram cobertos de florestas, que os vermelhos ardiam em chamas, os azuis serviam como imensas piscinas e os amarelos tinham poeira por toda a parte — com ouro aqui e acolá.
Só mais tarde, my friend, vim a entender que aqueles eram mapas políticos e registravam fronteiras semoventes; que aqueles traços envolviam nacionalidades, religiões, ideologias — e toda essa foolery que ainda hoje desgraça nosso planeta. Foi assim, by the way, que aprendi a me encantar com cartas geográficas e geomorfológicas. A ver rios, cordilheiras, desertos e áreas congeladas. A descobrir, por fim, que nem todos os países são parecidos e que, therefore, é nosso direito explorar lugares diferentes como se fossem nossos — sob a pena de passar a vida sem conhecer os sofás da própria sala. Don't you agree, Sinésio?
Aprendi, mais tarde, a ver as deformidades oriundas da projeção de Mercator, que fazem, por exemplo, a Groenlândia parecer tão grande quanto a América do Sul, embora ela seja, de fato, oito vezes menor. In other words: foram os mapas que me ensinaram também que nem tudo é o que parece e por isso é preciso viajar muito — para ter a real dimensão das coisas —, e sem ideias preconcebidas das culturas, dos hábitos e do modo de ser das pessoas.
Os mapas, enfim, servem para muito mais do que apenas ver aonde estamos e para onde queremos ir: eles são a vida pendurada em paredes ou nas páginas dos livros. Só não deviam servir para que neles sejam postos alfinetes, uma prática de pessoas que, in fact, nunca viajam, mas apenas colecionam destinos.
Fonte: Facebook
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