Com muitos planos na cabeça — que ora desculpa-se em não revelar — nosso correspondente britânico diz estar "feliz, ingerindo os perfumes da primavera". Ele sugere aos leitores que façam o mesmo e lembra que o outono tem outros aromas a explorar.
A seguir, a carta da semana:
Caro Mr. Miles.
Li neste caderno de viagem uma reportagem sobre o Marrocos. Amei e penso conhecer. Uma maravilha para encher meu coração. But, I'm a woman e aos meus olhos, bateu um desejo louco por todos aqueles lenços de seda coloridos. Como o senhor já viajou tanto, ainda existe esse desejo ir aos mercados e feiras comprar "coisinhas"? Um lorde pode pensar em supérfluo?
Um grande abraço.
Maria Lúcia Paganelli, por email
Well, my dear: obrigado pelo Lord, mas não possuo esse título e tenho a impressão de que a aristocracia não me faria bem e, provavelmente, inibiria parte dos amigos que tenho ao redor do mundo, de todas as origens e todas as culturas.
Respondendo à sua questão, tenho a opinião de que nada é supérfluo se, apesar de sua desnecessidade, satisfizer a quem o compra — ou ganha. Veja, por exemplo, o caso de Trashie, minha mascote inteligente. Há excelentes uísques com 8 anos de maturação, mas ela só aceita a superfluidade de garrafas que tenham 12 anos ou single malts. Cheguei a considerar que fosse esnobismo, talvez em virtude de sua origem siberiana. Mas hoje estou convencido de que Trashie tem, apenas, um bom fígado e um ótimo gosto.
Senão, vejamos: qualquer perfume é supérfluo para quem não emana odores. Mas todos têm em casa algum elixir desses. Qualquer bebida é supérflua, quando não se bebe. Mas vá à casa de um sóbrio convicto e ele terá um bar, por menor que seja. Há inúmeros exemplos desse tipo, mas entendo, darling, o teor de sua pergunta. Você quer saber se eu compro supérfluos. Well, a fortuna que herdei acabou faz tempo. Hoje sou um viajante contido no que diz respeito a gastar. Mas confesso que algumas coisas me fascinam. Lembranças especiais para mulheres especiais tiram-me do sério. Um camafeu bem torneado, um livro antigo ou um quadro que me evoca lembranças apaixonadas. Lenços coloridos, patchminas, pequenos objetos exóticos. Deliciosos supérfluos que fazem bem a mim e, I hope, a quem os recebe.
Livros, vinhos e uísques são, of course, itens obrigatórios. Também os compro moderadamente.
Ana, my dear friend e sua nora Paula são exemplos de consumidores para as quais não existem supérfluos. Tudo é absolutamente necessário, especialmente se o preço ajudar. Não há, no caso delas e de tantas outras mulheres, qualquer problema de redundância: não basta ter um tênis vermelho com cadarço vermelho no armário: é impossível não adquirir a versão em amarelo, nem que seja apenas para decorar seu closet.
However, nem por isso é preciso considerá-las consumidoras compulsivas. Basta existir e fazer bem a quem o compra, que qualquer item torna-se não apenas fundamental, mas até valioso.
Você se refere ao Marrocos, um dos lindos países do Levante. Lindo e difícil, especialmente para uma mulher sozinha que não pratica artes marciais. O país é rico em diversidade, têm povos distintos vivendo em harmonia e é, também, um paraiso de bugigangas. Por bugiganga entenda-se, of course, artigos típicamente locais que são fabricados na China, por seres que, probably, jamais visitarão o Marrocos. And so what? Por que não adquirir uma bugiganga, se você a considerou bonita?
Confesso que não tenho entrado com frequência nos bazares das lindas cidades que visito. É sempre impossível deixar de encontrar uma surpresa pela qual eu pagaria cinco ou dez vezes o valor real.
Besides, minhas roupas revelam minha nacionalidade, o que produz certa hostilidade em lugares que foram nossas colônias.
Therefore, dear Mary, não sou um assíduo visitante de feiras e nem olho muito para as lojinhas que eventualmente apareçam no meu caminho. Porque, oh, my God, não resisto a supérfluos que tornam-se imperiosamente imprescindíveis.
Fonte: Facebook
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