quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O BRASIL ERROU

O BRASIL ERROU AO APOSTAR EM APENAS DUAS VACINAS
Hélio Schwartsman

Faria mais sentido assegurar que o país tivesse acesso ao máximo possível de doses do maior número possível de vacinas

Se há algo que une militares de direita a sanitaristas de esquerda é a preocupação, às vezes obsessiva, com a transferência de tecnologia. É claro que é melhor ser capaz de fabricar seus próprios imunizantes do que não ser, em especial se houver necessidade de revacinações periódicas como parece ser o caso da Covid-19. Mas eu receio que, ao buscar primariamente acordos que previssem a transferência de tecnologia, o Brasil tenha limitado demais suas apostas.

O governo federal jogou tudo no imunizante da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que deverá ter produção local pela Fiocruz, e o governo paulista investiu apenas na Coronavac, parceria entre chineses e o Instituto Butantan.

Na situação de emergência pandêmica que vivemos, teria feito mais sentido assegurar que o país tivesse acesso ao máximo possível de doses do maior número possível de vacinas, mesmo que sem previsão de autossuficiência.

E, para piorar, não tiramos a sorte grande em nossas apostas. A vacina Oxford apresentou 70% de eficácia (contra 95% do biofármaco da Pfizer) e atrasou. A Coronavac ainda não divulgou seus números, mas já sabemos que o braço brasileiro do estudo não apresentou eficácia superior a 90%.

Ficamos para trás em relação a outras nações, mas ainda não estamos no pior dos mundos. Quando falamos em eficácia, o “endpoint” (desfecho clínico) considerado é o desenvolvimento de doença. Significa, no caso da Oxford, que 70% dos voluntários que tomam a vacina ficam protegidos contra formas sintomáticas da moléstia. Mas esse não é o único “endpoint” relevante.

Outros desfechos de interesse são saber se as vacinas evitam a infecção propriamente dita (se o fizerem, fica bem mais fácil controlar a circulação do vírus) e se são capazes de prevenir os quadros graves e os óbitos. Se nossas vacinas transformarem uma doença potencialmente letal numa gripezinha, já estamos bem servidos.

Fonte: Folha de S. Paulo
O homem precisa desenvolver um método para resolver todos os conflitos humanos que rejeite a vingança, a agressão e a retaliação. A base de tal método é o amor. (Martin Luther King)

LUGARES

CONSTANÇA - ALEMANHA

NÃO TROPECE NA LÍNGUA




DESAPERCEBIDO, GARÇOM, INFLIGIR, IMINENTE, INEPTO, LISTRADO, LASER
  • Despercebido, desapercebido.
  • Podes crer, amigo, que tuas atitudes esquisitas não me passam despercebidas.
  • Foram acampar desapercebidos de fósforo.

Despercebido  = sem ser notado, não visto ou não ouvido, impercebido; desatento, distraído, desacautelado (o mesmo que "desapercebido", neste caso). 

Desapercebido = desprovido, desguarnecido; desatento, desacautelado.   

Garçom, garção
Deixamos 10% de gorjeta para o garçom / garção.

Adaptamos nossa escrita à pronúncia francesa e ficou mais bonito: garçom (plural: garçons). A forma garção existe mas é desusada no Brasil.

Infligir, infringir
  • Acho que se devem infligir penas maiores aos infratores reincidentes das normas de trânsito.
  • Com essa atitude, os dois países infringiram várias regras de conduta internacional.
O infrator infringe (transgride, desrespeita). Infligir é aplicar ou cominar pena, castigo, repreensão etc.

Iminente, eminente
  • Visitaram a cidade, embora a soubessem ameaçada pela iminente erupção de um vulcão.
  • Para defendê-lo, contratou um dos juristas mais eminentes do país.
Iminente = que ameaça acontecer breve, logo, de imediato. [para facilitar, associe esse i com o i de imediato ou de início: "que está para iniciar"

Eminente = elevado, alto, que excede os outros; sublime.

Inapto, inepto
  • Apesar do treino intensivo proporcionado pela empresa, Paulinho foi considerado inapto para exercer as funções de digitador.
  • Políticos ineptos não são uma raridade, infelizmente.

Inapto
quer dizer “não apto, incapaz, inabilitado”. Inepto, além de “sem nenhuma aptidão”, tem ainda o significado de “bobo, tolo, idiota”. Portanto, ser chamado de inepto pode ser realmente ofensivo. Os substantivos respectivos são: inaptidão e inépcia.

   Listradas, listadas
   Roupas listradas / listadas voltam à moda de vez em quando.

Listado é derivado de lista (relação, rol). Listrado é derivado de listra (linha, faixa, risco, traço). Na linguagem da moda, listrado comuta com listado. Mas não se pode fazer o contrário, pois uma coisa constante de um rol só pode ser listada.

Laser, lazer
  • Um sistema de computadores e raio laser guia a bomba a seu destino.
  • A heterogeneidade dos grupos sociais se encontra na praia, o lugar-comum do lazer.
A palavra laser (pronuncia-se “lêiser”) formou-se com as iniciais de “light amplification by stimulated emission of radiation”, ou seja, amplificação de luz pelo estímulo da emissão de radiação; em outras palavras: emissão de luz concentrada. O português lazer é o nosso descanso, o ócio criativo.

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS


quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

"FELIZ ANO VELHO"

"FELIZ ANO VELHO"
Cristina Serra 

O mundo todo enfrentou a mesma pandemia, mas não a mesma tragédia

A retrospectiva de 2020 pode ser escrita com as aspas expelidas de uma boca hedionda. O poder do vírus estava "superdimensionado", sem motivo para "histeria', "comoção" ou "pânico". Tudo poderia ser resolvido com um "dia de jejum" do povo brasileiro. Se fosse contaminado, por seu "histórico de atleta", o profeta da escuridão teria apenas um "resfriadinho" e seria curado por uma poção mágica, a cloroquina.

O vírus produziu um oceano de lágrimas, e o cronista do abismo arremessou palavras como pedras sobre a dor dos brasileiros: "Não sou coveiro", "E daí?", "Eu sou Messias, mas não faço milagre". Incentivou aglomerações e a contaminação porque o vírus é como uma "chuva", "vai atingir você" e "todos nós iremos morrer um dia". "Tem que deixar de ser um país de maricas".

Sob seu comando, o Ministério da Saúde foi incapaz de planejar ações preventivas ou campanhas educativas e alertar para a gravidade da doença. Desprezou o uso de máscara, não investiu na testagem em massa, fracassou na logística (quase 7 milhões de testes perderam a validade), sabotou os imensos esforços de cientistas, médicos e todos os profissionais de saúde, professores, mídia e autoridades locais para promover quarentenas que poderiam reduzir as infecções.

Não antecipou a compra de vacinas e fez vaticínios estapafúrdios sobre seus efeitos colaterais. Arrotou tanta ignorância que quase um quarto da população não quer se vacinar. Vamos fechar o ano perto dos 200 mil mortos, podendo ser até 230 mil, considerando a subnotificação.

O mundo todo enfrentou a mesma pandemia, mas não a mesma tragédia. A diferença está em como os governos lidaram com os instrumentos disponíveis para conter o vírus. Mas o semeador do caos e da desesperança não dá "bola" e nos arrasta para os confins da escala civilizatória. Nada indica que 2021 será diferente. Peço licença ao escritor Marcelo Rubens Paiva para receber o novo ano com a expressão pungente do título de um livro seu: "Feliz Ano Velho".

Fonte: Folha de S. Paulo
Quando, em um reino, existe mais vantagem em fazer sua corte do que em fazer seu dever, tudo está perdido. (Montesquieu, filósofo francês)

LUGARES

BUDAPESTE - HUNGRIA

PROFESSOR IRÔNICO

PROFESSOR IRÔNICO

" E se as crianças perderem o ano escolar 
E se em vez de aprender matemática aprenderem 
a cozinhar? 
Costurar suas roupas? Limpar? 
A cultivar uma horta no quintal? 
Se aprenderem a cantar músicas para seus avós ou seus irmãos mais meninos? 
Se aprenderem a cuidar dos seus animais de estimação e a tomar banho? 
Se desenvolverem sua imaginação e pintarem um quadro? 
Se aprenderem a ser mais responsáveis e conectados com toda a família em casa? 
Se nós os pais os ensinamos a ser boas pessoas? 
Se aprenderem e souberem que estando juntos e saudáveis é muito melhor do que ter o último celular de moda? 
Talvez isso nos falta, e se eles aprenderem, talvez não perdemos um ano, talvez ganhemos um tremendo futuro." 

Fonte: facebook

FRASES ILUSTRADAS


terça-feira, 29 de dezembro de 2020

E 2021, COMO É QUE FICA?

E 2021, COMO É QUE FICA?
José Horta Manzano

Cinco anos atrás, quando 2015 estava para terminar, escrevi um artigo aqui neste espaço. Falava das dificuldades que nos atormentavam. Eram tempos complicados. O Brasil atravessava período de turbulência braba, daqueles que, fosse avião, as asas estariam ondeando. Na economia, o ano tinha sido catastrófico, com inflação à solta e fuga de capitais. No Planalto, as coisas iam de mal a pior, com a doutora enfrentando processo de impeachment por gestão fraudulenta das finanças, subterfúgio contábil que ficaria conhecido como o das ‘pedaladas fiscais’ – uma quase ofensa aos amantes do ciclismo. Por seu lado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, respondia por corrupção e lavagem de capitais. Para coroar o trágico buquê, a taxa de desemprego corria em direção aos 10%.

Colei no ano de 2015 o rótulo de annus horribilis – por sinal, o título do artigo. Lembrei que a expressão, com seus ares latinos, tinha sido repaginada pela rainha Elisabeth II, quando do Discurso do Trono de 1992. Com sua série de querelas e escândalos, aquele ano tinha marcado o reino e atormentado a real família. Até incêndio num dos castelos da rainha houve. A expressão, fisgada no latim, arremedava annus mirabilis – ano maravilhoso, título de conhecido poema escrito 300 anos antes por autor inglês. A rainha (ou o cavalheiro encarregado de redigir seus discursos) foi feliz na referência. Certos anos, mais que outros, marcam uma nação.

Para nós, o ano que se acaba foi um sufoco. Milhões de brasileiros estão se arrastando, língua de fora, pra ver se alcançam, vivos e ilesos, a soleira da porta de 2021. O Brasil que chega ao novo ano é um país sofrido, abalado pela perda de 200 mil cidadãos, atazanado pelas privações, martirizado pelo malquerer que o presidente da República dedica às mazelas da população. E, como se fosse pouco, o brasileiro está angustiado diante das perspectivas sombrias. O descaso cruel e repetido com que o Planalto nos hostiliza só faz aumentar nossa sensação de desamparo. Com quem contar? De quem esperar bom senso?

Como 2015 parece longínquo! O desvario em que se atolam nossos dirigentes nos traz saudades daquele tempo. Desde que a pandemia se instalou entre nós, pulamos de incerteza em incerteza. A informação que valia ontem periga já ter perdido validade. Fronteiras, escolas, lojas são fechadas e reabertas. Ponha a máscara, tire a máscara, saia de casa, fique em casa, vacina vem, vacina vem não – o cidadão comum está dilacerado entre ordens e contraordens que se desdizem sem parar.

No meio desse pandemônio, uma voz clara e forte continua a nos dar o norte: é a voz presidencial, saída da garganta de um homem com histórico de atleta, segundo avaliação dele mesmo. Graças a essa voz, que nunca vacila nem retrocede, sabemos que a covid não passa de uma gripezinha. Temos a confirmação de que vamos todos morrer um dia. Fomos informados, já no longínquo 10 de abril, que o vírus estava indo embora – informe confirmado 8 meses depois, em dezembro, quando de novo o presidente preveniu estarmos no finalzinho da pandemia. Também por seu intermédio, estamos inteirados de que a Europa será bem mais atingida que nós. Fomos ainda avisados de que a hidroxicloroquina é remédio supimpa. E recebemos a informação suprema, o esclarecimento maior: de fonte oficial, sabemos que Sua Excelência não é coveiro.

Para infelicidade de todos os brasileiros, temos, na Presidência, um buraco negro que, além de não emitir luz, ainda engole o brilho e as luzes dos que se aproximam. Mas deixemos metáforas astronômicas e voltemos ao plano terrestre. O presidente é caso de escola sobre egoísmo exacerbado que, reforçado pela ignorância, resultou num indivíduo paralisado, que não faz nem deixa fazer.

Como será, para os brasileiros, o ano de 2021? Annus nefastus, annus mutandis, nefasto, cambiante? Não é fácil encontrar boa definição. Se bem que – vejam só – a resposta está às vezes bem à nossa frente, e basta abrir os olhos para enxergar. A realizar-se a escura profecia lançada por um presidente que tratou o próprio povo de maricas, 2021 será o annus crocodili, o ano em que todos nos transformaremos em jacaré. E daí?

Fonte: brasildelonge.com
A relação que existe entre os autores medíocres e a crítica medíocre é mais ou menos esta: nenhum confia no outro. (Hermann Hesse, escritor alemão, 1877-1962)

LUGARES

INNSBRUCK - ÁUSTRIA

ROMANCE FORENSE

 
O promotor pingófilo
Charge de Gerson Kauer

O intimorato promotor tinha um hábito, na comarca interiorana, todos os meio-dias, de segunda a sexta - no trajeto do foro para sua casa: passava no clube local e tomava um "martelinho" - sempre liso e transparente. Era - talvez - seu único defeito - se é que de defeito se tratava.

Nos dias de júri era diferente. O agente ministerial gostava de, no entremeio de suas brilhantes manifestações, discretamente sorver alguns goles do incolor produto destilado. Era a maneira como combatia a tensão e o estresse dos julgamentos. O recipiente ficava num vão, debaixo do tampo da mesa que ocupava na sala de julgamentos.

Mas esse discreto proceder não escapou da observação de advogados, do juiz e de jurados. Para estes, o promotor já era conhecido como o "parquet pingófilo".

Para evitar constrangimentos futuros, o promotor fez um trato com o oficial de justiça e passou a levar a aguardente acondicionada em garrafas (translúcidas) de meio litro, como se fosse água mineral. O disfarce se fazia mediante a colocação de uma tampinha igual às que são usadas para fechar os recipientes de água com gás.

Assim, toda a vez que o promotor precisava molhar a garganta, fazia um sinal ao meirinho. Este postava-se próximo a um microfone, junto à mesa onde ficavam os jurados. Ali, simultaneamente ao usar o abridor de garrafas, o meirinho – de costas para o público - disfarçava um rápido assobio. E discretamente exclamava de forma onomatopéica:

- Pooh!
 

Com o ruído característico do líquido gasoso, era uma quase perfeita imitação de que estava abrindo uma garrafa de água mineral para levar ao promotor.

Quatro dos sete jurados - muito atilados e que já conheciam a história na comarca - tinham, porém, bolado a estratégia gozadora. Foi assim que o quarteto, a um só tempo, fez gestos e ruídos ensaiados -  com os dedos e com as bochechas -  justo no momento em que o oficial de justiça abria a primeira "garrafa de água mineral" naquele julgamento.

Ocorreu, então, um coro ensaiado e gesticulado:

- Pooh, pooh, pooh!...

Depois, uma risada geral.

O juiz tocou a campainha, advertiu que em caso de repetição do fato mandaria evacuar a sala e dissolveria o júri.

E tirando um papel do bolso, o magistrado fez rápida leitura de uma prece de São Francisco de Assis: "onde há ódio, que eu leve o amor; onde há ofensa, que eu leve o perdão; onde há discórdia, que eu leve a união; onde há dúvida, que eu leve a fé; onde há erro, que eu leve a verdade; onde há desespero, que eu leve a esperança; onde há tristeza, que eu leve a alegria; onde há trevas, que eu leve a luz. Afinal, é perdoando que se é perdoado".

Naquele julgamento, o promotor não tomou mais "água mineral". E - coincidência ou não - o réu foi absolvido.

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

AS SEMENTES DO ABUSO

AS SEMENTES DO ABUSO
Hélio Schwartsman 

Desde que existem sistemas de Justiça, sabe-se que eles podem falhar

Desde que existem sistemas de Justiça, sabe-se que eles podem falhar. Não estamos falando apenas de erros materiais, que são em tese sanáveis por revisões feitas no âmbito do próprio Judiciário. O problema é mais sério. Muitas vezes, a aplicação fria da letra da lei é que causa a situação de injustiça —falha endógena que o sistema não consegue resolver bem.

Um dos remédios criados para lidar com isso é o poder de graça, pelo qual um corpo externo ao Judiciário, em geral o chefe do Executivo, é autorizado a reverter condenações impostas por magistrados. O instituto existe desde a Antiguidade e está presente hoje nas legislações de quase todos os países, ainda que seu alcance e os trâmites para implementá-lo variem bastante.

Todo princípio, porém, já traz as sementes de seu próprio abuso. Donald Trump, a poucos dias de deixar a Casa Branca, anunciou um trem da alegria de perdões presidenciais, que abarcam ex-auxiliares, aliados, contraparentes e até "protegés" de celebridades como Kim Kardashian. Pior, especula-se que, antes de sair, Trump poderá conceder a si mesmo um perdão preventivo, para que não precise responder por crimes federais que tenha cometido.

Mais imaginativo e mais eficiente, o presidente Vladimir Putin, que tem hegemonia completa sobre o Legislativo, sancionou um projeto de lei que dá imunidade jurídica a ex-presidentes do país e seus familiares, não apenas durante o período que ocuparam o cargo, mas por toda a vida. Operações de busca, prisões preventivas e intimações para interrogatórios policiais contra essas pessoas ficam terminantemente proibidas. Como sujeira pouca é bobagem, a norma também dá a ex-presidentes cadeira cativa no Senado.

Para que o leitor não termine o ano deprimido, vale destacar que há aí uma boa notícia. Ao editar a lei, Putin, que está no poder desde 2000, sugere que tem planos de um dia deixar a Presidência.

Fonte: Folha de S. Paulo
Quando o dinheiro fala, a verdade cala. (Provérbio chinês)

LUGARES

COIMBRA - PORTUGAL

HISTÓRIAS DE AMOR

Martha MedeirosMartha Medeiros

Você vive um amor ou uma história de amor?

Tem diferença, sim. Um amor é a realização plena de um sentimento recíproco. Passa por alguns ajustes, negociações, mas desliza. Pode perder velocidade aqui, ganhar ali, mas não é interrompido pelas dúvidas, não permite a entrada de terceiros, tem a consistência das coisas íntegras, duráveis. O amor, amor mesmo, é uma sorte que se honra, uma escolha em que se aposta diariamente, o amor é algo que nasce e frutifica.

Já uma história de amor é, como diz o termo, uma invenção. Algo para ser contado ao analista, desabafado para os amigos, uma narrativa chorosa e trágica, um acontecimento beirando o folclórico, um material bruto pedindo para ser transformado em obra de arte. Toda história de amor está impregnada de obstáculos que lhe conferem um status de ficção.

Amor proibido pela família, rejeitado pela sociedade, condenado por preconceitos, amor que exige fugir de casa, pegar em armas, trocar de identidade: virou história de amor. Perde-se um tempo enorme roteirizando o dia seguinte. Se fosse amor, simplesmente amor, o dia seguinte amanheceria pronto.

Amor que coleciona mais brigas que beijos, mais discussões que declarações, mais rendições que entrega: virou história de amor. Pode subir aos palcos, transformar-se em filme, faturar na bilheteria: tem enredo. Mas não tem continuidade. Sai de cartaz rapidinho.

Amor que sobrevive à distância, que se mantém através de cartas e telefonemas (permita-me a nostalgia, sobreviver pelo whattsapp não combina com literatura), o amor sem parceria, sem corpo presente, o amor que não se pratica, que não se lubrifica, que enferruja por falta de uso: virou história de amor. Sofrido como pedem os poemas, glorificado pela vitimização, até o dia em que a ausência do outro deixa de ser um ingrediente pitoresco e você descobre que cansou de dormir sozinha.

Amor que exige insistência, persistência, paciência: virou história de amor. Se fosse amor, nada além de amor, navegaria em águas mais tranquilas, não exigiria tanto de seus protagonistas, o entendimento seria instantâneo, sem exagero de empenho, desgaste, sofrimento. Aff. Histórias de amor são fantásticas na primeira parte, tiram o ar, movimentam a vida, mas da segunda parte em diante viram teimosia dos autores, que relutam em colocar o ponto final na saga que eles próprios criaram.

Amor ou história de amor, o que se prefere?

Aventureiros, notívagos, hereges, rabugentos, sedutores, inquietos, fetichistas, insaciáveis, pecadores, estrangeiros, narcisistas, intrépidos, dramáticos, agradecemos cada verso e cada noite mal dormida que vocês deixaram de lembrança, mas um dia a gente cresce e a fantasia cede lugar à sensatez: um amor está de bom tamanho.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS


domingo, 27 de dezembro de 2020

O PAÍS DAS CARTEIRADAS

O PAÍS DAS CARTEIRADAS
Hélio Schwartsman

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista. Em vez de as pessoas se pensarem como cidadãs de uma República de iguais, veem-se (e agem) como membros de corporações que se julgam detentoras de direitos especiais.

Tanto o STF como o STJ enviaram à Fiocruz ofícios em que pediam a "reserva" de alguns milhares de doses de vacinas contra a Covid-19 para aplicação em seus servidores.

Mais espertos do que o grupo de promotores paulistas que tentara uma despudorada carteirada para a categoria furar a fila da imunização, os responsáveis pelos tribunais evitaram o uso de termos como "prioridade" e "preferência". Escreveram os ofícios de um jeito que ficava parecendo que receber as vacinas era uma espécie de sacrifício que as cortes fariam em prol da coletividade.

Felizmente, a Fiocruz, num raro exemplo de espírito republicano, rejeitou ambos os pedidos, enfatizando que toda a produção de vacinas será destinada ao Ministério da Saúde e que a fundação não estava reservando doses nem para seus próprios funcionários.

Como já escrevi aqui, não há um critério único para organizar filas éticas. Pode-se dar a prioridade aos mais vulneráveis ou aos mais expostos ou ainda proceder a diferentes combinações dessas duas lógicas. Só o que não faz sentido, em termos éticos, é dar preferência a grupos específicos pelo fato de eles terem mais prestígio ou mais poder de influenciar. As duas mais altas cortes do país deveriam saber disso e dar o exemplo. Lamentavelmente, preferiram a carteirada envergonhada.

A crer nas ideias de economistas como Daron Acemoglu e James Robinson, o que distingue nações que fracassam das que dão certo é o desenho de suas instituições. Quando elas servem primordialmente a elites extrativistas, o país naufraga; quando são inclusivas, o desenvolvimento chega. O corporativismo está matando o Brasil.

Fonte: Folha de S. Paulo

WILHELM TELL OVERTURE - ROSSINI

MELTON TUBA QUARTETT

Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco. (Mia Couto)

LUGARES

LUCERNA - SUÍÇA

SOBRE LIVROS

SOBRE LIVROS

Quando o meu amigo Lauri resolveu devolver o Quarup de Antonio Callado, junto ele mandou um bilhete com a seguinte observação: "Existem duas classes de idiotas - os que emprestam livros e os que devolvem livros emprestados. Pertenço à segunda classe". Logo, segundo o tal critério, fiquei sabendo que eu pertencia à primeira classe de idiotas.

Então, para lembrar os tomadores de livros a devolvê-los, passei a identificar os meus pertences com um carimbo, constando o meu nome e profissão. Em algum tempo como advogado e em outros tempos como Juiz de Direito. 

Anos depois, mais precisamente em 2004, emprestei para ao Humberto o Grandes Iniciados. Decorridos tantos anos, nada de devolução, o que ratifica o conceito de que sou um idiota e o Meleca não.

Antes ainda, eu havia emprestado a um terceiro amigo, o muito comentado "Protocolos dos Sábios de Sião". Nunca dei muita importância ao fato de não ter ocorrido a devolução uma vez que não tenho muito interesse na temática daquele livro.

Para minha surpresa, muito tempo depois, um quarto amigo - o Bira - me proporcionou outras divagações acerca da classificação da idiotice. Disse-me que ao vasculhar livros num Sebo de nossa cidade, deparou-se com o "protocolos". A curiosidade levou-o a folhear as primeiras páginas, e logo no início visualizou a identificação: "Irineu Bianchi - advogado". Então, resolveu adquirir o livro para presentea-lo a mim.

Dito isto, penso que a classificação do Lauri merece um adendo, inserindo-se uma terceira classe de idiotas: os idiotas desligados.

FRASES ILUSTRADAS


sábado, 26 de dezembro de 2020

VERGONHA OU ORGULHO?

VERGONHA OU ORGULHO?
Ruy Castro

Que cidade ou estado do Brasil tem tantos ex-governantes efetivamente no xadrez como o Rio?

Aqui no Rio, modéstia à parte, votamos muito mal. Ano após ano, só elegemos pilantras para o Governo do Estado, a Prefeitura, a Assembleia Legislativa, a Câmara dos Vereadores. Temos fascinação por canalhas, caímos na conversa deles, somos uns bons otários. É verdade que, ao se apresentarem em busca do voto, eles prometem acabar com a corrupção, resolver o problema da segurança, salvar o Rio. E, como é isso que queremos, caímos de novo. Um dia, são levados de camburão para a grade e só então descobrimos o rombo nas nossas finanças.

Marcelo Crivella, o pior prefeito da história da cidade, foi engaiolado ontem a nove dias do fim de seu mandato. Nunca é cedo demais para aplicar creolina no ralo. Vai se juntar aos ex-governadores Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Wilson Witzel, Moreira Franco e o casal Garotinho e a uma corja de ex-secretários do estado e do município, membros dos tribunais de contas e demais nomeados por eles, todos despojados de seus mandatos e respondendo por assalto à coisa pública. 

É tanta gente implicada que, exceto por Sérgio Cabral, com direito a banho de sol, já não sabemos qual está em Bangu, Realengo ou Benfica —não há presídio que chegue—, em casa, de tornozeleira, ou de malas prontas, à espera da Polícia Federal. Por causa disto, o resto do país nos despreza. Que outro estado ou cidade tem tantos ex-governantes e políticos investigados, denunciados, condenados —e efetivamente no xadrez?

Esta é uma boa pergunta —mas deveria ser motivo de vergonha ou de orgulho? O Rio não detém o monopólio da corrupção no Brasil. É apenas o que, mesmo à custa de sua imagem, mais põe a cara para enfrentá-la. 

Este colunista se despede desde já de 2020 e promete estar de volta no dia 10 de janeiro. Ou antes, em edição extraordinária, se alguém morder o cachorro.

Fonte: Folha de S. Paulo
Querer ser de seu tempo é estar, já, ultrapassado. (Eugène Ionesco, Dramaturgo romeno).

LUGARES

COPENHAGEN - DINAMARCA

TARDE DEMAIS PARA SER TRISTE

TARDE DEMAIS PARA SER TRISTE
Erberth VêncioS

Quando voltar a chover. Quando a vacina chegar. Quando sair aquela promoção na empresa. Quando o amor vier. Quando a gente se casar. Quando fizermos neném e ele chutar a sua barriga. E se for uma menina? Quando der os primeiros passos. Quando tirarmos os pés da lama. Quando o Dalai Lama desencanar com a humanidade. Quando o preço do boi-em-pé disparar no mercado de commodities. Quando a sua mãe me entender. Quando tivermos casa própria. Quando o Palmeiras for campeão do mundo. Quando eu ficar fluente em inglês. Quando conhecermos Nova York. Quando a Receita depositar o último lote de restituição do imposto de renda pessoa física. Quando colocares silicone nas tetas. Quando pintares o teto de azul e os cabelos de vermelho. Quando eu operar a fimose. Quando pintar uma chance de ouro. Quando eu vender o fusca que recebi de herança. (Quando Nick morreu afogado, tudo ficou mais triste). Quando terminar o inventário. Quando entrar um dinheiro. Quando pagarmos as custas advocatícias. Quando eu tiver tempo. Quando nos mudarmos para uma casa de muro baixo, sem cacos de garrafa, cerca elétrica e concertina. Quando eu for demitido sem justa causa. Quando eu sacar o FGTS. Quando eu ler Herman Hesse. Quando eu ficar rico. Quando voarmos num voo charter. Quando abrirmos um negócio-da-China. Quando eu aprender o mandarim. Quando mais ninguém mandar em mim. Quando ligares as trompas. Quando eu mexer os pauzinhos. Quando as crianças crescerem e saírem de casa. Quando eu trocar de IPhone. Quando o PSA aumentar. Quando trocar esse governo. Quando descobrirem a cura do câncer. Quando a pandemia acabar. Quando o dólar cair. Quando eu receber alta hospitalar. Quando tirarem esta maldita sonda do meu corpo. (Quando eu chegar em casa mais tarde, a gente conversa sobre sermos felizes para sempre). Quando sempre for todos os dias. Quando chegar a hora. Quando tocar a valsa vienense. Quando a poesia de Drummond for declamada nos pátios das escolas em substituição ao hino nacional. Quando a escalada de fake news ruir. Quando tudo isso passar. Quando papai-do-céu tomar juízo. Quando Deus der bom tempo e já for tarde demais para ser triste.

Fonte: https://www.revistabula.com

FRASES ILUSTRADAS


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

PRIMEIRO NATAL

PRIMEIRO NATAL

O primeiro Natal foi comemorado em 336 d.C. 

A celebração do Natal antecede o cristianismo em cerca de 2000 anos. Tudo começou com um antigo festival mesopotâmico que simbolizava a passagem de um ano para outro, o Zagmuk. Para os mesopotâmios, o Ano Novo representava uma grande crise. Devido à chegada do inverno, eles acreditavam que os monstros do caos enfureciam-se e Marduk, seu principal deus, precisava derrotá-los para preservar a continuidade da vida na Terra. O festival de Ano Novo, que durava 12 dias, era realizado para ajudar Marduk em sua batalha. A tradição dizia que o rei devia morrer no fim do ano para, ao lado de Marduk, ajudá-lo em sua luta. Para poupar o rei, um criminoso era vestido com suas roupas e tratado com todos os privilégios do monarca, sendo morto e levando todos os pecados do povo consigo. Assim, a ordem era reestabelecida. 

Um ritual semelhante era realizado pelos persas e babilônios. Chamado de Sacae, a versão também contava com escravos tomando lugar de seus mestres. 

A Mesopotâmea, chamada de mãe da civilização, inspirou a cultura de muitos povos, como os gregos, que englobaram as raízes do festival, celebrando a luta de Zeus contra o titã Cronos. Mais tarde, através da Grécia, o custume alcançou os romanos, sendo absorvido pelo festival chamado Saturnalia (em homenagem a Saturno). A festa começava no dia 17 de dezembro e ia até o 1º de janeiro, comemorando o solstício do inverno. De acordo com seus cálculos, o dia 25 era a data em que o Sol se encontrava mais fraco, porém pronto para recomeçar a crescer e trazer vida às coisas da Terra. Durante a data, que acabou conhecida como o Dia do Nascimento do Sol Invicto, as escolas eram fechadas e ninguém trabalhava, eram realizadas festas nas ruas, grandes jantares eram oferecidos aos amigos e árvores verdes - ornamentadas com galhos de loureiros e iluminadas por muitas velas - enfeitavam as salas para espantar os maus espíritos da escuridão. Os mesmos objetos eram usados para presentear uns aos outros. 

Apenas após a cristianização do Império Romano, o 25 de dezembro passou a ser a celebração do nascimento de Cristo. Conta a Bíblia que um anjo, ao visitar Maria, disse que ela daria a luz ao filho de Deus e que seu nome seria Jesus. Quando Maria estava prestes a ter o bebê, o casal viajou de Nazaré, onde viviam, para Belém a fim de realizar um alistamento solicitado pelo imperador, chegando na cidade na noite de Natal. Como não encontraram nenhum lugar com vagas para passar a noite, eles tiveram de ficar no estábulo de uma estalagem. E ali mesmo, entre bois e cabras, Jesus nasceu, sendo enrolado com panos e deitado em uma manjedoura (objeto usado para alimentar os animais). 

Pastores que estavam com seus rebanhos próximo ao local foram avisados por um anjo e visitaram o bebê. Três reis magos que viajavam há dias seguindo a estrela guia igualmente encontraram o lugar e ofereceram presentes ao menino: ouro, mirra e incenso, voltando depois para seus reinos e espalhando a notícia de que havia nascido o fiho de Deus. 

A maior parte dos historiadores afirma que o primeiro Natal como conhecemos hoje foi celebrado no ano 336 d.C.. A troca de presentes passou a simbolizar as ofertas feitas pelos três reis magos ao menino Jesus, assim como outros rituais também foram adaptados. 

© Copyright 2001,Terra Networks, S.A 
O mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis. (Caio Cornélio Tácito, Historiador romano, 55-120)

LUGARES

HONFLEUR - FRANÇA

MR. MILES


O PIOR DE TODOS OS MALES

Nosso solerte viajante e sua mascote Trashie comemoraram, com o melhor single malt de sua adega, a decisão da Escócia em permanecer como parte da Grã-Bretanha. Mr. Miles considera os escoceses "um tanto estranhos, já que adoram usar saias". Mas saúda o bom senso de evitar-se mais uma subdivisão "nesse planeta já tão lacerado pela praga das fronteiras". A seguir, a correspondência da semana Mr. Miles, qual é o tipo de comportamento humano mais deplorável que o senhor identifica entre os diversos povos que visita? 
Marcelo Dantas, de Salvador (BA) 

"Well, my friend, o ser humano é profundamente complexo e contraditório em qualquer latitude e em qualquer cultura. Não sou um juiz do comportamento de meus pares, mas, como andarilho, observador e estudioso, não há nada que me surpreenda mais do que a existência dos preconceitos raciais ou religiosos. Surpreenda, I said, embora teria sido mais indicado usar a palavra 'repugna'. Nesse caso, porém, a repugnância tem menos força que a surpresa. E explico por quê. Lutar contra o preconceito é um dever. Mas surpreender-se com ele é o caminho para resolver a questão. Não conheço uma raça sequer. Somos todos o resultado de milênios de cruzamentos. Somos todos geneticamente próximos, mas únicos. Não é impossível que haja um etíope ou otomano entre meus antepassados; não é impossível que haja um índio ou um chinês entre os seus.

Essa estultice, como tantas outras, também tem um remédio que costumo indicar: viajar sempre e com interesse. Quanto mais você conhece outros povos, mais se reconhece entre eles. Preservar valores culturais não significa negar os demais, muito menos combatê-los. 

Tenho um amigo de pele morena que viaja muito pelo mundo. Nos Estados Unidos, chamam-no "chicano". Na Europa, tomam-no por argelino. Na Índia, consideram-no paquistanês. No Paquistão, tratam-no como hindu. Ele tem excelente humor. Quando menosprezado, tira o cartão do bolso e se apresenta: 'Barão Herbert von Rotkreuz', presidente de uma multinacional. É quando pequenos racistas se tornam grandes aduladores. 

O cartão, of course, é uma falácia, mas garante diversão instantânea e desmascara essa gente tacanha, irremediavelmente presa às suas pequenas certezas - que significam a negação das certezas alheias. E aqui não falo, only, dos preconceitos raciais, mas dos religiosos ou culturais. Veja, for instance, a questão das mulheres muçulmanas que cobrem a cabeça e, sometimes, o corpo inteiro. Tenho várias amigas ocidentais engajadas em movimentos contra o uso da burca ou do xador, que consideram uma 'violência' contra o sexo frágil. Ninguém perguntou, however, o que pensam as mulheres que se utilizam desses trajes. E posso assegurar, com a convicção de quem perambulou por décadas pelo Oriente, que essa não é uma preocupação que aflige as senhoras das terras do Islã. Elas, by the way, acham humilhante o fato de mulheres ocidentais serem 'obrigadas' a mostrar grande parte de seus corpos. 

Por fim, my friend, devo dizer que eu mesmo fui vítima de intolerável discriminação. Pior: por parte de cidadãs inglesas. Certa feita, em Barbados, fui a um night club repleto de turistas londrinas. Nenhuma delas aceitou meus polidos convites para dançar. And you know why? Ora, porque eu sou branco e inglês e elas queriam mesmo negros fortes e caribenhos. That's not fair, is it?"

Fonte: O Estadão

FRASES ILUSTRADAS


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

RÉVEILLON DE NATAL

RÉVEILLON DE NATAL
José Horta Manzano

Chegou o Natal de um ano pra lá de especial. Natal, temos todos os anos; mas o deste ano parece mais um filme de Fellini, com festa de mascarados e um balé de convidados racionados dançando ao passo da distanciação social. Não é muito alegre, mas é o que temos.

No fundo, até que temos sorte de ainda estar aqui – milhares ficaram pelo caminho. Não deve haver nenhum brasileiro que não conheça alguém que morreu de covid, um parente, um amigo, um vizinho, um colega, um conhecido.

O Natal é a festa maior da cristandade, tanto na Europa ocidental quanto nas antigas colônias, Brasil incluído. Mas este ano, além do significado religioso, o que estamos festejando mesmo são duas coisas: nossa sobrevivência à pandemia e a chegada da tão esperada vacina.

E vamos em frente, de bacalhau com batatas, ou o que lhe apetecer. Com rabanada pra arrematar.

Uma curiosidade vale ser mencionada. Franceses, belgas, suíços e canadenses se preparam hoje para o réveillon de Natal. Para nós, parece esquisito misturar Natal com réveillon, que nos parecem coisas distintas.

Em francês, até o século 19, se usava a palavra réveillon para designar uma refeição tomada tarde da noite, fosse em que dia fosse. Hoje essa acepção saiu de moda. Réveillon se especializou em dar nome aos festejos da véspera de Natal e também da passagem de ano. Pra distinguir, basta especificar: réveillon de Noël (de Natal) ou réveillon de la Saint-Sylvestre (de fim de ano).

Réveillon descende do verbo latino vigilo, que significa estar desperto. Em nossa língua, a parentela é extensa: vigia, vigiar, vigilante, velar, vigília(véspera de certas festas religiosas). Vela e velório fazem parte do clã. Todas essas palavras carregam o sentido de estar desperto para cuidar.

Feliz Natal a todos!

Fonte. brasildelonge.com

A ARROGÂNCIA DO LÍDER

General Rego Barros
A ARROGÂNCIA DO LÍDER
Otávio Santana do Rêgo Barros (*)

Os filmes de faroeste produzidos nos estúdios de Hollywood nos faziam torcer por muitos mocinhos e abominar alguns vilões. Na maioria das vezes retratavam a saga da colonização e a expansão americana rumo ao Oeste.

O “General” George Armstrong Custer foi um desses personagens, e desde já o escalo no time dos vilões, cuja ambição o tocava até no desejo de ser presidente americano, embora de sua história o que mais despertou meu interesse tenha sido seu perfil de liderança.

Custer (1839-1876) estudou na Academia Militar de West Point (equivalente aqui à Academia Militar das Agulhas Negras), formando-se em último lugar de sua classe. Não era nem aplicado nos estudos (limitado intelectualmente), nem muito rígido na observância das regras (indisciplinado).

Muito jovem, ainda como tenente, combateu na Guerra de Secessão, comissionado temporariamente no posto de general de brigada. Ao término do conflito, foi promovido a capitão e depois a tenente-coronel, assumindo o comando do lendário 7º Regimento de Cavalaria.

Antes da batalha do rio Little Bighorn, efeméride das Guerras Indígenas, batedores índios informaram ao “general cabelo comprido”, no comando de 647 homens, que estavam diante de um enorme acampamento indígena. Custer duvidou dos batedores. Como gente de uma sub-raça podia deduzir efetivos, baseando-se na profundidade das pegadas de cavalos? Ordenou o ataque. O vaidoso líder era obcecado, quase louco, por glória.

O 7º Regimento de Cavalaria atacou em várias direções, esperando provocar a dispersão dos inimigos, levando-os a uma fuga precipitada. Nesse dia, o General Custer incorreu em diversos erros. Acostumara-se a ver os índios entrarem em pânico diante de sua cavalaria. Imprudente, não valorizou as informações de seus batedores. Deparou-se com cerca de 15.000 índios de diversas tribos, liderados por Touro Sentado e Cavalo Louco. Usavam armas tradicionais e até modernos rifles de repetição.

Se fosse previdente, Custer teria estudado melhor o terreno e aguardado reforços. Ao sofrerem um contra-ataque, duas de suas colunas debandaram. Cercado numa pequena colina, pediu reforço a um subordinado, comandante de outro contingente, que recebeu a mensagem e a ignorou.

A batalha – uma carnificina – durou cerca de 20 minutos. Custer e seus comandados, incluindo seus dois irmãos, foram chacinados. Apenas um cavalo sobreviveu. Muitos estudiosos na arte da guerra o culparam pelo massacre, afirmando que ele cobiçava receber todo o prestígio pela vitória que lhe parecia destino.

A história de sua morte é plena de ensinamentos e deve ser considerada por aqueles que se encontram em posições de mando. Dela depreende-se que:

É impositivo planejar com segurança a hora do ataque;
é preciso ouvir assessores experientes;
não se divide forças contra inimigos poderosos;
é preciso cautela, mesmo que a ansiedade por fama fale mais alto;
há infiltrados que são mercenários e se vendem pelo melhor preço;
os inimigos não ficam inertes, fazem alianças e estudam os adversários e
os verdadeiros guias de uma nação chegam ao poder e passam à história por terem conduzido e superado com serenidade e determinação as crises e as catástrofes.

Arrematando, líderes que decidem de forma figadal podem fenecer, levando consigo seus subordinados e deixando apenas um trôpego cavalo para contar a história.

Oxalá esses ensinamentos ajudem nossos Custers contemporâneos a reverem seus conceitos de liderança, incorporando no seu alforje de atributos a humildade, a serenidade, a temperança, a maturidade, a empatia e, acima de tudo, a verdade.

Estamos ficando angustiados. Estamos chorando. Não queremos mais perdas. Nossa batalha de Little Bighorn é a da covid-19. É preciso mais ponderação e menos arrogância para enfrentá-la.

Índios ensandecidos, da temida e poderosa tribo coronavírus, desejam arrancar o nosso escalpo e demonstrar que erramos, mais uma vez, ao escolhermos esses atuais líderes.

Senhores políticos, provem que eles estão errados! É o presente de Natal que desejamos. Somos reféns de suas idiossincrasias.

Feliz Natal! E um ano novo com mais esperanças! Paz e bem!

(*) Otávio Santana do Rêgo Barros é general. Foi porta-voz da Presidência da República até 7 out° 2020.

Fonte: brasildelonge.com

CHARGES

Qualquer mulher que aspire a comportar-se como um homem com certeza carece de ambição. (Dorothy Parker, escritora americana, 1893-1967)

LUGARES

MORRETES - PARANÁ

NÃO TROPECE NA LÍNGUA



O CASO DO DIRETOR GERAL

Tendo lido os Casos Especiais no livro Só Palavras Compostas – manual de consulta e autoaprendizagem, em que defendo a não hifenização de diretor geral, o leitor Márcio Schiefler Fontes insiste: “Como devo me portar em relação à questão de Procurador-Geral, Diretor-Geral etc. Uso hífen ou não?”

Em primeiro lugar, o hífen aí não se justifica, porque se trata de uma sequência de substantivo (diretor) e adjetivo (geral) que não formam um substantivo composto, um novo vocábulo, com novo significado. Para que se forme um substantivo composto – e consequentemente se necessite do hífen – com a sequência de substantivo + adjetivo ou adjetivo + substantivo é preciso que o adjetivo perca seu sentido literal, passando os dois termos a transmitir um novo conceito – aí então se configura uma outra palavra, a palavra composta. Servem como exemplo: cachorro quente ≠ cachorro-quente; mesa redonda ≠ mesa-redonda; onça pintada ≠ onça-pintada; boa fé ≠ boa-fé.

Quando o adjetivo não adquire novo status nem transmite ideia diferente, portanto, não há razão para usar o hífen entre ele e o substantivo. É por isso que não são hifenizados: diretor administrativo, diretor adjunto, diretor executivo, gerente econômico, gerente financeiro, auxiliar técnico, assessor especial, juiz substituto, secretário geral etc. Não é “geral” um simples adjetivo como adjunto, financeiro, administrativo, técnico? Neste caso, por que só os cargos que utilizam o termo geral deveriam ser hifenizados? Afinal, geral aí continua a significar “geral, abrangente, global, que compreende um todo”.

E como o Manual de Redação da Presidência da República, editado em 1991, chancela o uso do hífen – embora ilogicamente – “nas palavras compostas em que o adjetivo geral é acoplado a substantivo que indica função, lugar de trabalho ou órgão” (p. 96), o que se pode fazer é manter o hífen nos documentos oficiais quando se está tratando dos tais cargos ou órgãos cuja lei de criação tenha assim estabelecido. No mais, a lógica manda suprimir o hífen: Inspetoria Geral, Secretaria Geral, ou diretora geral, consultor geral, inspetor geral etc.

De outra parte, o hífen é de lei em compostos como diretor-presidente, diretora- superintendente, diretor-gerente, redator-chefe, secretária-chefe etc. Por quê? Porque aí temos aí uma formação de substantivo + substantivo. É como se fossem “dois em um” – tomam-se dois substantivos para formar um novo. Ou seja, dois substantivos estão se unindo para formar um terceiro substantivo. Igualmente servem como exemplo: homem-aranha, papel-moeda, edifício-garagem, auxílio-maternidade, decreto-lei, carta-convite, licença-prêmio, vale-refeição, carro-pipa, banana-maçã, salário-família. Mas, veja bem, escreve-se salário mínimo, sem hífen, justamente porque mínimo é adjetivo e aí não muda de significado: quer dizer que o salário é pequeno mesmo, é o menor salário.

Embora  a quinta edição do VOLP (2009) registre o hífen nesses compostos, os dicionários não arrolam  todos os termos. Alguns não trazem diretor-geral, e corregedor geral  com hífen não se encontra em nenhum deles. Acho que não foi só esquecimento – pode ter sido falta de convencimento mesmo.

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

DESIGUALDADE VACINAL

DESIGUALDADE VACINAL
Hélio Schwartsman

Podemos e devemos fazer é afastar pelo voto ou outro meio legal dirigentes que falharam em proteger seus governados

Numa era que abomina desigualdades, nenhuma delas poderia ser mais vital do que a diferença no acesso a vacinas contra a Covid-19. Enquanto a União Europeia já contratou imunizantes para inocular toda a sua população duas vezes, o Reino Unido e os EUA, para quatro, e o Canadá, para seis, vários países pobres ou remediados ficaram chupando o dedo.

Não é a face mais nobre da humanidade, mas o fenômeno era esperado. Apenas repete em escala biofarmacológica o que já víramos acontecer na disputa por respiradores no início da pandemia.

Nem vejo muito como recriminar os governantes dos países que açambarcaram o mercado. Eles, afinal, não foram a uma gôndola de supermercado e levaram para casa muito mais víveres do que serão capazes de consumir. Só acumularam tantas doses porque, diante das incertezas que cercavam e ainda cercam as vacinas, diversificaram suas apostas —o que é bem básico.

Quando esses dirigentes firmaram seus acordos, ainda não se sabia quais imunizantes funcionariam e quais seriam descartados no meio do processo. Também não havia clareza em relação à eficácia de cada um deles e aos prazos de entrega.

O fato, porém, é que o Canadá não vai vacinar seus cidadãos seis vezes no próximo par de anos, de modo que há uma sobra de imunizantes contratados. O destino que o país dará a eles pode fazer a diferença entre uma atitude, digamos, fominha e uma posição ética. O ideal é que essas nações que adquiriram mais vacinas do que usarão doem o excedente a países pobres.

Embora sempre possamos sonhar com um mundo igualitário, em que os habitantes do Sudão receberiam vacinas no mesmo dia que canadenses, não devemos ver nada parecido tão cedo, e não me parece que devamos condenar os governantes que se mostraram capazes de proteger seus governados. O que podemos e devemos fazer é afastar pelo voto ou outro meio legal os dirigentes que falharam nessa missão.

Fonte: Folha de S. Paulo