quinta-feira, 31 de outubro de 2019

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


INOBSTANTE, FACE A, FRENTE A E OUTRAS LOCUÇÕES

Por sugestão de M. P. Kern, de Pinhalzinho/SC, vamos tratar hoje do “uso de face a e inobstante, expressões muito usadas no meio jurídico”. O pedido sem dúvida decorre do fato de algumas pessoas condenarem a locução face a, que a seu ver deveria ser em face de.

O fato é que face a existe: é uma forma evoluída, reduzida e moderna da locução originária EM FACE DE, que a princípio comutava com À FACE DE. Ambas eram usadas com o sentido de diante, perante, defronte, na presença de. Mais tarde surgiu a variante com a preposição A no final: EM FACE A (por possível analogia com "junto a, próximo a"). Inovação mais recente é a redução para (EM) FACE A.

O mesmo se dá com "em frente a" e "em frente de" comutando com "frente a", locução cuja legitimidade não é questionada. São comuns frases como:
  • A advogada se rendeu frente aos argumentos da promotoria.
  • A cerimônia será na casa em frente à minha.
  • Houve um acidente em frente de casa.
Lembro, contudo, é preciso ter conhecimento da crase para poder usar as variantes que terminam com a preposição A:
  • face a o exposto => face ao exposto
  • face a a explicação => face à explicação
  • em face a o exposto => em face ao exposto
  • em face a as normas => em face às normas
Quem prefere não se arriscar com a crase deve se ater a locuções semelhantes que não terminem com a, como por exemplo:
  • Em face das normas adotadas...
  • À vista do exposto...
  • Ante os fatos apontados...
  • Diante das evidências...
  • Em vista da situação encontrada...
Aí estão várias opções. O que não se deve é eliminar uma delas por preconceito ou purismo. O maior gramático que o Brasil já teve, Ernesto Carneiro Ribeiro, termina as suas “Ligeiras Observações sobre as Emendas do Dr. Rui Barbosa feitas à redação do Projeto do Código Civil” com estas palavras: “Temos, logo, razão de dizer: o purismo exagerado, intransigente, é impossível, perante o estudo histórico das línguas”.

Quanto ao vocábulo inobstante, é forma evoluída e reduzida de não obstante [= nada obstante], com valor equivalente a “apesar de, a despeito de”, locuções que dão uma ideia oposta àquela expressa na outra parte do enunciado, contrariando uma provável expectativa. Exemplos de uso:
  • Inobstante as acusações, o réu foi liberado.
  • Não obstante as acusações por crime hediondo, ele conseguiu progressão da pena.
  • Isto nada obstante, a Procuradoria Jurídica desta autarquia entende que não compete ao Banco Central autorizar tal transação.
  • Apesar disso, a Procuradoria entendeu que a competência era da empresa.
  • Não obstante isso, coube ao Banco Central autorizar a transação.
Enfim, pode ainda não haver aceitação de inobstante pela Academia Brasileira de Letras, mas já há registro seu no Dicionário de Usos do Português do Brasil (Francisco Borba, 2002), que diz ser uma preposição que "expressa relação de concessão" [apesar de, não obstante] e também advérbio de concessão [apesar disso], apresentando vários exemplos nesse verbete.

Fonte: www.linguabrasil.com.br

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