O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel. (Jerome Lawrence)
terça-feira, 31 de dezembro de 2019
segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
O BRASIL NÃO ERA ASSIM
Charge do Lane |
O Brasil não era assim e nossa tragédia não foi herdada de Portugal…
Percival Puggina
Se você ainda não está naquela fase da vida em que a gente começa a ser chamado de tio ou de tia, talvez não saiba o que vou lhe contar: o Brasil não era assim. É muito possível que professores lhe tenham dito que o Brasil é uma zona desde que os portugueses fizeram um loteamento no litoral brasileiro. Mas isso é falso. Nossa tragédia federal, estadual, municipal, fiscal, educacional, judicial, eleitoral, familial e moral não a herdamos de Portugal.
O que você vê e denuncia é deliberada construção da corrente política que se assenhoreou da consciência do povo brasileiro. Para alcançar esse objetivo incutiu-lhe o que de pior se pode coletar na filosofia e no pensamento político contemporâneo. Não, não se chega ao ponto em que estamos sem que isso seja produto de deliberadas ações políticas e culturais.
LUTA DE CLASSES – Senão, vejamos. Estímulo a toda possibilidade de conflito entre classes sociais, entre masculino e feminino, entre brancos e negros, entre homossexuais e heterossexuais, entre filhos e pais. Deliberada confusão entre autoritarismo e exercício da autoridade. Contenção da polícia e proteção ao bandido; vitimização deste e culpabilização de sua vítima. Redução da autoridade paterna, demasias do ECA, diluição do sentido de família num caleidoscópio de variantes afetivas.
Laicismo e interdição à religiosidade e à moral cristã. Incentivo político e jurídico a ações violentas contra a propriedade privada. Desumanização do humano e “humanização” dos animais. Justa proteção à flora e à fauna, às reservas naturais, aos santuários de procriação e desova, em berrante paradoxo com o estímulo ao aborto. Recursos públicos para a marcha das vadias, parada gay e marcha pela maconha.
Hipertrofia do Estado, corporativismo e aparelhamento da máquina pública. Escola com partido, kit gay, ideologia de gênero. Desvio de recursos das atividades essenciais do Estado para abastecer os fazedores de cabeças no ambiente cultural, tendo como resultado a degradação da arte e do senso estético. Combate sistemático ao bem e ao belo.
INSEGURANÇA – O consequente crescimento da criminalidade, da insegurança e das muitas formas de lesão à vida e ao patrimônio das pessoas é respondido com desencarceramento, abrandamento das penas, abandono do sistema carcerário e desarmamento da população ordeira.
Ter posição adversa aos itens listados acima é obrigação cívica, dever moral. É uma justificada repulsa que não atinge diretamente quem quer que seja, mas atitudes e condutas que, estas sim, afetam a vida das pessoas, suas famílias e a sociedade. Portanto, são males políticos e morais e, por motivos que saltam aos olhos de todo observador, provêm da mesma banda do leque ideológico. Qualquer exceção é ponto fora da curva e como tal deve ser visto. As naturezas são diversas, mas bebem água na mesma fonte.
XINGAMENTOS – No entanto, se você os denunciar, se mostrar a malícia de sua natureza e a necessidade de mudar diretrizes na vida social e política, surgem os xingamentos: Discurso de ódio! Preconceito! Censura! Fascismo! Direita raivosa! Quem perambula, ainda que eventualmente, nas redes sociais, por certo se depara com esses adjetivos sendo despejados sobre quem cumpre o dever cívico de se opor ao intolerável.
A situação e os problemas descritos decorrem da sistemática destruição dos valores que a eles se opunham, quando o Brasil não era assim. Para os destruir, investiu-se contra a família como instituição fundamental da sociedade e se combateu a Igreja até a anulação de sua influência.
Fonte: Tribuna da Internet
Fonte: Tribuna da Internet
domingo, 29 de dezembro de 2019
sábado, 28 de dezembro de 2019
OS NOVOS ANALFABETOS
OS NOVOS ANALFABETOS
A alfabetização foi um ideal reivindicado pelos movimentos progressistas e iluministas. Na medida em que para viver no mundo foi necessário, cada vez mais, acercar-se dos textos, saber ler e escrever foi considerado como algo diverso de uma ferramenta: começou a ser uma condição de possibilidade da experiência; para saber o que sucedia havia que ler nos livros. Assim foi crescendo uma cultura letrada e foi se configurando uma marginalidade de analfabetos.
A Galáxia Gutenberg – que equivale a falar em modernidade – requereu a universalização em todos os planos. Se antes o ler e escrever era uma tarefa de especialistas e não constituía uma condição de possibilidade da experiência, com o aparecimento da imprensa e da escola positivista, a educação se converteu em obrigatória, gratuita e popular e, com ela, o surgimento de uma nova sensibilidade. A democratização veio de mãos dadas com a alfabetização; as chaves do mundo já não eram secretas.
No ocidente foi crescendo durante os últimos trezentos anos uma classe média de profissionais que, através da alfabetização qualificada, passou a ter acesso ao manejo especializado do mundo. O conhecimento dava conta dos diferentes modos de acesso a uma realidade segmentada. A fragmentação do saber coincidia com a fragmentação da realidade. Porém tudo isto está mudando.
Hoje nos encontramos com uma situação muito complexa onde uma profunda mudança de paradigma está se manifestando no aparecimento de um novo analfabetismo. Efetivamente, a informática e, sobretudo, a abertura da Internet, é o começo de uma nova constelação que vai começando a desbancar a Galáxia Gutenberg. Porém isto não pode ser compreendido como uma mera transformação de instrumentos que deixa intacto o sentido das coisas e do ser humano. Hoje está aparecendo um novo tipo de analfabetismo que não consiste apenas em desconhecer computação senão que também fala de uma diferente sensibilidade.
Assim como em “sede Gutenberg” o sentido de mundo se lia nos livros (para o que nos preparava a escola), atualmente o sentido do que ocorre começa a “ser lido” em outro registro, no registro virtual de ordem telemática. Porém o aparecimento desta ordem é a nova condição de possibilidade da experiência e, como não se trata de um problema instrumental senão de uma paralela transformação do sentido do ser, do acontecer, nos encontramos em uma situação delicada. Diria que nós os alfabetizados tradicionais estamos cada vez mais inermes: somos os novos analfabetos.
A nova sensibilidade experimenta o mundo de modo vertiginoso, sem afirmação da verdade, com outro sentido para a ética (que em vez de dever-ser vai se transformando em poder-ser). Por isso a tradicional idéia de poder pensado a partir de algum centro esta se convertendo em fluídos (de informação, de produção de bens, de transações financeiras, da política, de propostas múltiplas, etc). A nova alfabetização deixa uma marginalização de um diferente tipo de analfabetos. Advertir é o único meio que pode evitar que fiquemos fora do novo mundo.
JALFEN, Luiz J. Globalización y Lógica Virtual. Ediciones Corregidor, 1998, Buenos Aires, p. 139)
sexta-feira, 27 de dezembro de 2019
quinta-feira, 26 de dezembro de 2019
NÃO TROPECE NA LÍNGUA
LÍTERO-MUSICAL, INFANTO- JUVENIL E ESPAÇO-TEMPORAL
--- A senhora diz que se escreve lítero-musical. Permita-me discordar: a grafia certa é literomusical, como registram Aurélio e o Vocabulário da ABL. Ocorre que lítero- é um elemento de composição, e não um adjetivo, como esclarece o Houaiss. Por isso, literofobia, literomaníaco, literomusical e, por analogia, literorrecreativo. S. S., Recife/PE
Eis uma boa discussão para quem gosta dos detalhes da língua portuguesa. Acrescentei-lhe mais duas palavras compostas cuja grafia tem sido objeto de dúvida e hesitação, como evidencia a variação de registro encontrada.
Literatura e música. Na prática, temos três formas em voga para significar algo que engloba os sentidos de literário e ao mesmo tempo musical, como um sarau, um encontro, um evento, uma realização: lítero-musical, literário-musical e literomusical.
Lítero-musical – adjetivo composto da forma reduzida (que vem a ser um elemento de composição) do adjetivo literário mais o adjetivo musical. Conquanto seja uma grafia usada há séculos, não vi nenhum registro de lítero-musical nos dicionários editados entre 1957 e 2002, mas isso porque eles trazem poucos adjetivos compostos: encontra-se econômico-financeiro, porém não se vê técnico-financeiro e nem econômico-ecológico, por exemplo.
Literário-musical – é o mesmo adjetivo composto sem a redução do primeiro elemento. Aparece no Houaiss, edição de 2001, mas não nos dicionários Aurélio e Houaiss lançados depois do Acordo Ortográfico. No entanto, ambos trazem literário-editorial (relativo à edição de obras literárias).
Literomusical – a grafia sem hífen e sem acentuação é a registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e no Aurélio de 1999 e de 2009 (as edições de 1985 e 1986 a omitem). A pronúncia deveria ser liTEromusical, pois se trata de palavra oxítona, isto é, há um acento subtônico na segunda sílaba e tônico na última, pois em princípio não existe na língua portuguesa palavra com duas sílabas tônicas. Esta grafia confirma uma tendência à eliminação do hífen, como se dá em “socioeconômico”, mas não é a melhor.
Elemento de composição. O Houaiss 2009 não apresenta nem uma forma nem outra: esquecimento ou discordância? No mínimo, coerência com o que consta no seu rol de elementos mórficos. Ali se informa que “lítero” é elemento de composição, com o sentido de “letra”; entretanto é preciso notar o tracinho na frente [ -lítero], a mostrar que é pospositivo, ou seja, que ajuda a formar uma palavra como segundo elemento, por exemplo: unilítero, bilítero. O elemento de composição antepositivo é “liter-”, correspondente ao popular “letr-”, que se encontra nas palavras literal, literatura, iliteratrice etc., e também nas novas formações como literomania, “obsessão por escrever, por ser literato”, e literofobia, “aversão às letras, à instrução” – nestes dois casos não se trata de uma soma (cf. Não Tropece na Língua 300), como se dá com lítero-musical, lítero-poético, lítero-recreativo (literário E recreativo).
Para reforçar isso com outros exemplos: em anglo-saxão e afro-brasileiro vê-se o resumo de inglês E saxão, africano E brasileiro. Já em anglomania e afrodescendente temos: mania de inglês, descendente de africano.
Infância e juventude. O VOLP 2009 traz infantojuvenil sob o argumento de que infanto é falso prefixo. Desconheço tabela de falsos prefixos ou pseudoprefixos que contenha infanto e litero, que sempre foram considerados redução dos adjetivos infantil e literário. Até o final de 2012 não constituirá erro escrever infanto-juvenil. Creio que mesmo depois disso continuaremos a ver delitos infanto-juvenis e literatura infanto-juvenil, por exemplo, ao lado das formas sem hífen.
Espaço e tempo. O adjetivo relacionado a espaço-tempo (na física, redução de “contínuo espaço-tempo”) já foi espaço-temporal, espácio-temporal e espaciotemporal. Em 2009 a grafia oficial, registrada no VOLP e no Houaiss, passa a ser espaçotemporal. O Aurélio omite o termo. E eu novamente tenho de discordar, recomendando que se adote o adjetivo composto espaço-temporal.
Fonte: www.linguabrasil.com.br
quarta-feira, 25 de dezembro de 2019
TUDO ISSO E MAIS UM FELIZ NATAL
TUDO ISSO E MAIS UM FELIZ NATAL
Que você consiga desgrudar das redes sociais, que dê uma longa caminhada sem que seus joelhos incomodem, que o sol apareça no dia que você tanto aguarda, que sair da dieta não interfira na sua silhueta, que você tenha a oportunidade de ajudar alguém que está precisando, que ouça agora mesmo a música que você mais gosta, que os amigos que se sentiram magoados façam a gentileza de colocar uma pedra no assunto, que o vinho branco esteja indecentemente gelado, que o livro que você está lendo mantenha-se interessante até o final, que você encontre um presente baratinho, que por alguns minutos você esqueça os problemas do país, que você reconheça bonito ao se olhar no espelho e que tenha um feliz Natal.
Que você encontre o anel dos seus sonhos numa feira de rua, que pegue o último canapé do prato sem culpa, que reze mesmo sem crer o suficiente, que não dependa de companhia para viajar, que não perca muito tempo se arrependendo, que deixe a vida um pouco nas mãos do destino, que reveja fotos antigas, que tome um banho de mar inesquecível, que vá à luta por uma camiseta que seja a sua cara, que transe com alguém bem legal, que segure dentro da boca uma maldade, que chore sem ficar com o rosto inchado, que o check-up não acuse nada, que ganhe dois ingressos para o show do ano e que tenha um feliz Natal.
Que você pare de reclamar, que em tudo perceba alguma graça, que resolva ir caminhando em vez de tirar o carro da garagem, que use de uma vez aquela camisa escandalosa ou doe para uma escola de samba, que escute ambos os lados antes de distribuir acusações, que um WhatsApp salve o seu dia, que encontre uma nota de 50 reais no bolso da caça que está indo para a lavanderia, que te convidem para passar o carnaval num lugar incomum, que tire bom proveito da insônia, que suma a espinha maldita que apareceu no nariz, que o dia termine sem nenhum contratempo e que tenha um feliz Natal.
Que você não leve um tombo na escada, que não fique preso no elevador, que não perca o chinelo de dedo na praia, que a chuva não estrague seu cabelo, que você mentalize que tudo pode ser simples, que pense duas vezes antes de fazer uma tatuagem no rosto, que vá para Londres sem mais nem menos, que sua barriga pare por aí, que consiga pagar dia seu seguro-saúde, que você descubra o prazer de uma lanchonete de beira de estrada, que quando pedirem uma opinião sincera você não caia nessa, que entre fazer a coisa certa e a coisa errada você escolha fazer a coisa certa, que não subestime a importância das trivialidades e que tenha um feliz Natal.
É tudo o que desejo pra você dentro do espírito de generosidade abundante que a data inspira.
O Globo - 13/12/2015
CARANGUEJEIRA
CARANGUEJEIRA
Sérgio Jockymann
Pois, coitado do seu Rubinho até que era boa pessoa. Mas nascer de pai bêbado e de mãe sem vergonha é mais do que a sorte que um vivente pode aguentar. Seu Rubinho já veio com um desfastio de nascença. No princípio ainda tentou tirar o pé do barro, mas depois pegou um cansaço daquela luta e quando bateu uma peste na criação enterrou o último boi e disse para a mulher:
- Nasci pra Cristo.
Começou então a vender o campo, palmo a palmo, enquanto os filhos cresciam e a mulher minguava. Ficou cinco anos nisso, até que um dia sentou no alpendre e ficou lá bem contadinhos três sóis e três luas, sem ouvir ninguém, mergulhado num pensamento de légua e meia para dentro da desgraça. Quando acordou, pegou o mate, chamou a mulher e após um silêncio de meia hora declarou:
- Tem de haver um revertério nessa nossa vida, senão, não sei o que vai ser da piazada.
Dona Marcolina espremeu um suspiro e não disse nada, porque existem verdades que nem precisam de confirmação.
- Olhe, continuou seu Rubinho, tenho um sentimento que vai haver qualquer coisa meio diferente na minha vida.
No dia seguinte se mandou para Vila Velha e passou um mês inteiro bebendo cachaça no Café Central, com um jeito de onça esperando cabrito. Enquanto o cabrito não vinha, seu Rubinho foi fazendo amizades, metendo o nariz curtinho nas prosas do café, até que virou pessoa da casa. Já isso ia lá para o segundo mês, quando o dr. Aristides inventou de discutir aranha, porque havia corrido de uma na noite anterior. A conversa se alastrou como fogo em capim seco, até que, coroando a nojeira toda, o dr. Aristides declarou:
- Agora, não tem veneno pior do que caranguejeira.
Todas as cabeças estavam concordando, quando seu Rubinho cuspiu pelo meio dos dentes e disse que não concordava. Houve um estarrecimento geral, porque o dr. Aristides era tido e sabido como o mais bem informado do município todo, mas nem por isso seu Rubinho se intimidou. Muito pelo contrário, quando o dr. Aristides disse que ele "elaborava em engano", seu Rubinho meio que desaforadamente insistiu:
- O engano é seu, doutor. Caranguejeira morde, mas não tem veneno.
Ora, Vila Velha sentia no ar, quando a tragédia se instalava na vida. Foi seu Rubinho dizer aquilo e logo todo mundo espichou o olhar para o dr. Aristides, sabendo que a cidade estava vivendo mais um de seus grandes momentos. O dr. Aristides tomou aquele ar de enciclopédia Jackson encadernada em marroquim e com o mais puro desprezo atirou:
- Prove!
Seu Rubinho já ia escapar por um sorriso, quando também teve um súbito sentimento da gravidade do momento e para seu próprio espanto se ouviu dizer com uma voz rouca como cova de cemitério:
- Provo e aposto.
Até cachorro entrou no Café Central atrás do desfecho do confronto. O dr. Aristides mandou servir uma cerveja para todos os presentes e após o primeiro copo, quando o pessoal lambia os bigodes de espuma com a ponta da língua, tripudiou:
- Vale cem contos, seu Rubinho.
Houve gente que gemeu, seu Matias que estava louco da vida para desaguar enfiou a mão no bolso e apelou para a pressão manual a fim de não perder um segundo do duelo e o velho Riva ameaçou um enfarte, que naquele tempo se chamava angina do peito. Só seu Rubinho não falava, branco como cera, com os músculos da face esperneando de um lado para outro. Quando falou, a voz saiu primeiro como fio de navalha e, só depois de um pigarro, pegou a grossura que o momento exigia:
- Tá aceito.
O velho Riva caiu de borco e seu Matias saiu pingando pelo corredor. O resto do pessoal roncou como porco embaixo de faca. Só quem saiu voando foi o Guajuvira, o tipo mais cafajeste de capanga que já pisou na face da terra. A aposta nem estava feita e o desgraçado já pensava naquela caranguejeira medonha que vivia atrás da igreja, metida numa raiz de figueira. Saiu aos berros de "deixa-que-eu-trago", enquanto o dr. Aristides, meio intimidado pela decisão do seu Rubinho, tomava ares de protetor das famílias.
- Olhe, seu Rubinho, o senhor é maior de idade, mas não quero responsabilidade. Vou lhe pedir que assine uma declaração, dizendo que se deixou picar por livre e espontânea vontade, assumindo inteira responsabilidade pelo seu ato.
Seu Rubinho nem conseguiu falar. Fez que sim com a cabeça e ajudou a levar seu Riva para outra sala. Quando voltou, o Guajuvira despejava uma caranguejeira de palmo em cima da mesa. Foi olhar para o bicho e seu Rubinho puxou um sorriso que não conseguiu mais desfazer por mais que tentasse. Caminhou para a mesa com a cara repuxada e estendeu a mão para a desgraçada da aranha. A caranguejeira, já danada da vida com as provocações do Guajuvira, tocou os dois ferrões na polpa da mão do seu Rubinho com toda a gana que tinha. Nem mesmo assim ele deixou de sorrir. E continuou sorridente quando o sangue negro brotou dos dois furinhos. Metade da sala ficou de cabelo em pé e quando uma mosquinha de nada pousou no cabelo do seu Gustavo, ele esqueceu que estava com uma garrafa de cerveja na mão e bateu nela. Levou bem um minuto o horror geral, desfeito pelo seu Matias que deu três tiros na peçonhenta. O Guajuvira então riu daquele jeito cretino que ele tinha e anunciou:
- Uma hora e o homem morre!
Seu Rubinho balançou a cabeça cheio de superioridade e continuou a sorrir. Seu Schmidt trouxe um como d'água e pôs na frente da vítima que não aceitou. Aí bateu um medo em todo mundo que seu Rubinho morresse e ninguém mais conseguiu falar. Três horas depois, quando o Rapadura entrou e começou a dar boa tarde, levou um bofetão do Seu Matias e calou a boca. Lá pelas cinco começou a vir gente e gente até que às oito da noite não havia mais lugar no café. E seu Rubinho sentado com um sorriso nos lábios. O dr. Aristides então começou a desejar furiosamente que a vítima tivesse um desmaio e, uma hora depois, não tinha nem mais vergonha de querer que seu Rubinho caísse morto. Só que seu Rubinho continuava não apenas vivo como também sorridente.
- Tá sentindo alguma coisa?
Seu Rubinho balançou a cabeça.
- Febre?
Seu Matias tocou na testa do Rubinho e disse que estava fresquinha. Meia noite, o dr. Aristides ensaiou uma esportividade amarela e assinou o cheque.
- Pago os cem pela satisfação de ver o senhor vivo.
O café inteiro explodiu. Seu Rubinho foi abraçado, beijado, bebido e discursado. Às duas da manhã, depois de tentar meia hora, conseguiu desfazer o sorriso e disse:
- Me dão licença, mas a patroa me espera.
Foi levado em comitiva até à estância. Bateram por lá ao nascer do sol. Dona Marcolina estava de pé e quando recebeu a notícia não sabia se ria ou se chorava. Mandou servir café para todo mundo e levou o marido para o quarto. Mal fechou a porta e seu Rubinho pôs até as tripas para fora. Ela quis pedir socorro mas ele não deixou:
- Perco o dinheiro, minha filha.
Teve uma tontura e se agarrou na mulher.
- Me leva pra cama.
Ficou na metade do caminho, emborcado em cima de um pelego. Durante três dias não se mexeu, ora fervendo como uma chaleira, ora gelando como uma geada. Só voltou a si no segundo dia, quando olhou a mulher e meio num ronco de bicho disse:
- Se não morri lá, não morro mais. E não morreu mesmo. Uma semana depois estava de pé e pronto a jurar que a caranguejeira não tinha veneno. No mês seguinte, vendeu as terras e se mandou com a família para a capital com cento e poucos contos no bolso, o que era um dinheirão que não acabava mais. E nunca soube que, três anos depois, o Guajuvira fez a mesma aposta e morreu preto, de uma mistura de veneno, medo, coração fraco e cafajestice. (JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 44)
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
O NATAL NO FOLCLORE BRASILEIRO
O NATAL NO FOLCLORE BRASILEIRO
Paulo Peres
Imunes à parafernália dos símbolos natalinos europeus de neves, Papai Noel, trenós, renas e pinheiros, algumas regiões brasileiras ainda conseguem fazer um Natal adequado a nossa cultura popular, sob o verão dos trópicos. A tradição natalina dos brasileiros manifesta-se, autenticamente, nos cantos e danças inventados pela imaginação criadora do povo para acrescentar novas informações ao legado de nossos antepassados índios, negros, portugueses.
Bois de pano e couro, cangaceiros, reis, rainhas, palhaços, embaixadoras e pastoras saúdam o nascimento do Menino com fé, ingenuidade e a peculiar alegria brasileira. Uma festa bem diferente das realizadas nos grandes centros de consumo.
Há vários folguedos no ciclo natalino, que se inicia em 24 de dezembro e se estende até 6 de janeiro, com a Festa de Reis. Cerimônias, rituais e coletivas, resultantes da trocas culturais entre os indígenas, africanos e portugueses, são encenadadas em todo o país, sempre com peculiaridades locais: reisado, guerreiro, bumba-meu-boi, pastoris e folia de reis ou santos reis.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
AS COISAS NÃO MUDAM
AS COISAS NÃO MUDAM
As coisas não mudam. Nós mudamos.
A frase acima é de Henry David Thoreau.
O texto, abaixo, de Aldo Novak.
Talvez o mundo mude amanhã. Mas isso não é provável. As mudanças no mundo são lentas, apesar de toda a corrida que alguns de nós enfrentamos todos os dias.
Ainda assim, seu mundo pode mudar de modo impressionante, nas próximas 24 horas. Na verdade, pode mudar na próxima hora. Porque tudo o que você está vendo, sentindo e tudo ao que você está reagindo, o faz porque existe um mundo real e um mundo "filtrado".
A forma como vemos o mundo é chamada de "paradigma", palavra grega que foi "reapresentada" ao mundo científico por Thomas Kuhn em seu livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", que mostrou que todas as grandes revoluções aconteceram devido a mudanças na forma de ver o mundo, na ruptura com o modo como estávamos olhando para o universo. A ciência não mudou, depois de Kuhn, nós mudamos.
Essa é a parte curiosa. Todos nós filtramos o universo de acordo com nossas próprias expectativas, crenças e princípios de vida. Por isso, uma mesma cena pode comover uma pessoa e não causar absolutamente nada em outra, cada uma delas teve uma diferente reação àquilo que viu com um filtro mental diferente.
Stephen R. Covey, conta uma história que viveu no metrô de Nova York. Veja o que quero dizer:
“Eu me recordo de uma mudança de paradigma que me aconteceu em uma manhã de domingo, no metrô de Nova York. As pessoas estavam calmamente sentadas, lendo jornais, divagando, descansando com os olhos semicerrados. Era uma cena calma, tranqüila”.
Subitamente um homem entrou no vagão do metrô com os filhos. As crianças faziam algazarra e se comportavam mal, de modo que o clima mudou instantaneamente.
O homem sentou-se a meu lado e fechou os olhos, aparentemente ignorando a situação. As crianças corriam de um lado para o outro, atiravam coisas e chegavam até a puxar os jornais dos passageiros, incomodando a todos. Mesmo assim o homem a meu lado não fazia nada.
Ficou impossível evitar a irritação. Eu não conseguia acreditar que ele pudesse ser tão insensível a ponto de deixar que seus filhos incomodassem os outros daquele jeito sem tomar uma atitude. Dava para perceber facilmente que as demais pessoas estavam irritadas também. A certa altura, enquanto ainda conseguia manter a calma e o controle, virei para ele e disse:
- Senhor, seus filhos estão perturbando muitas pessoas. Será que não poderia dar um jeito neles?
O homem olhou para mim, como se estivesse tomando consciência da situação naquele exato momento, e disse calmamente:
- Sim, creio que o senhor tem razão. Acho que deveria fazer alguma coisa. Acabamos de sair do hospital, onde a mãe deles morreu há uma hora. Eu não sei o que pensar, e parece que eles também não conseguem lidar com isso.
Podem imaginar o que senti naquele momento? Meu paradigma mudou. De repente, eu vi as coisas de um modo diferente, e como eu estava vendo as coisas de outro modo, eu pensava, sentia e agia de um jeito diferente. Minha irritação desapareceu. Não precisava mais controlar minha atitude ou meu comportamento, meu coração ficou inundado com o sofrimento daquele homem. Os sentimentos de compaixão e solidariedade fluíram livremente.
O mundo não mudou, não é? Mas você mudou, ao ler o texto. Mudou de paradigma, e isso causou uma diferente reação em seu corpo. Você e eu nunca vemos a realidade total. Vemos apenas uma parcela dela, que selecionamos, em grande parte inconscientemente.
A única prisão real que você tem está em cima dos seus ombros. E só você tem a chave mestra. Como afirmava Henry David Thoreau: "as coisas não mudam; nós mudamos".
domingo, 22 de dezembro de 2019
DESCANSO FÍSICO E ESPIRITUAL
Ao longo de qualquer viagem acabamos visitando igrejas, catedrais, mosteiros, Santuários, etc. Há verdadeiras obras de arte, revelando o poderio econômico de quem patrocinou a construção. A época em que foram construídas proporciona outras revelações. O estilo arquitetônico também pode se revelar uma excelente fonte de pesquisa. Particularmente gosto de esculturas e muitas catedrais são pródigas neste item. Também me interessam as construções por elas mesmas. Meu pai era pedreiro e durante a minha infância o acompanhei muitas vezes até o local das obras onde ele empregou o seu conhecimento. A facilidade, ou melhor, a destreza que ele tinha para movimentar aquelas pedras enormes, edificando altas paredes, sempre me fascinou. Especialmente o conhecimento empírico de equilibrar as pedras no alto das portas, sem argamassa ou apoio transversal, para mim era um verdadeiro mistério. Agora, com a compreensão de como tudo isso é possível, ao visitar as catedrais sempre fico imaginando as dificuldades enfrentadas pelos antigos construtores, principalmente no que diz respeito à necessidade de andaimes para alçar as pedras às alturas. As coberturas com seus imensos vãos a desafiar a lei da gravidade também incitam a imaginação. Mas tem um outro motivo para tantas e reiteradas visitas a igrejas e catedrais: o bem estar físico. Isto mesmo, o bem estar físico. Geralmente viajamos na primavera ou no verão. Para conhecer os lugares é preciso caminhar, e muito. Quando estamos cansados e o dia está quente, entrar numa igreja é recarregar as baterias. De um modo geral são ambientes bem fresquinhos e sempre há lugares disponíveis para sentar. Descansar no interior de uma igreja, com silêncio quase total, é um prazer reconfortante. É quando corpo e mente se fundem e se harmonizam. É o melhor momento para agradecer. Pela vida, principalmente.
TURÍBULO
O MAIOR TURÍBULO DO MUNDO
A partir do Século IV, a tradição cristã adotou o incenso em seus rituais de consagração e ainda hoje o queima para honrar o altar, as relíquias, os objetos sagrados, os sacerdotes e os próprios fiéis, e para propiciar a subida ao céu das almas dos falecidos no momento das Exéquias.
Desde o século IX, instaurou-se o uso do incenso no início da Missa e desde o século XI o altar se transformou no centro da incensação.O turíbulo era também levado na procissão junto com o evangeliário. Em seguida, a incensação estendeu-se às oferendas do pão e do vinho, que são incensadas três vezes em forma de cruz, da mesma maneira como se procede com o altar e a comunidade litúrgica.
O agitar do turíbulo em forma de cruz recorda principalmente a morte de Cristo e seu movimento em forma de círculo revela a intenção de envolver os dons sagrados e de consagrá-los a Deus. (www.coroinhassaomiguel.com.br)
A catedral de Santiago é superlativa até nos detalhes. O incensório, por exemplo, é o maior do mundo. Preso na cúpula, pesa mais de 50 quilos e precisa da força de oito homens para ser balançado sobre o altar principal, de uma ponta à outra das duas naves laterais. Hoje em dia, o turíbulo é usado só em ocasiões especiais, como em 25 de julho, dia de Santiago, mas na Idade Média o bota-fumeiro tinha utilização frequente.
Sem uma grande quantidade de incenso, o ar na catedral se tornava irrespirável devido à presença de centenas de peregrinos que lá chegavam depois de caminhadas de até dois anos sem se lavar, como era o costume. Para saber mais sobre a Catedral de Santiago de Compostella clique aqui.
sábado, 21 de dezembro de 2019
CAÇADORES E OBRAS PRIMAS
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
SÃO PAULO, 13 Fev (Reuters) - Em 1943, quando a 2ª Guerra Mundial entrava na reta final, um grupo de especialistas em arte, em boa parte norte-americanos, recebeu uma missão inusitada: descobrir os esconderijos de milhões de obras de arte roubadas pelos nazistas, impedindo sua destruição, agora que a derrota alemã começava a mostrar-se iminente.
O trabalho desse insólito esquadrão é retratado na aventura de época "Caçadores de Obras-Primas", dirigido e interpretado por George Clooney. Ele também assina, com seu habitual parceiro, Grant Heslov, o roteiro, que adapta o livro homônimo de Robert M. Edsel e Bret Witter.
Na história real, estes especialistas foram mais de 300, alguns deles mulheres. Na tela, por uma questão logística, eles são reduzidos a um pequeno grupo de sete homens, cujos nomes são, em geral, fictícios e não raro incorporam características de mais de um personagem verídico.
O líder é Frank Stokes (Clooney), que convence o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt da importância de salvamento das obras de arte e dele recebe autorização para formar uma equipe e viajar para a Europa.
Stokes convoca o seu time: o curador de museu James Granger (Matt Damon), o escultor Walter Garfield (John Goodman), os arquitetos Preston Savitz (Bob Balaban) e Richard Campbell (Bill Murray), todos americanos. Também entram na roda o inglês Donald Jeffries (Hugh Bonneville, da série "Downton Abbey") e o francês Jean-Claude Clermont (Jean Dujardin).
Recebendo um precário treinamento militar prévio, eles se deslocam até os fronts de batalha, colocando a pele em risco para localizar as preciosas obras-primas europeias que os nazistas vinham saqueando, de instituições ou de coleções particulares - especialmente de judeus -, tendo em vista o sonho de Hitler de formar um imenso museu na Alemanha com o produto dessas apropriações.
Quando os alemães começam a sofrer derrotas dos Aliados, muitas dessas obras foram escondidas - algumas, destruídas. A ideia, então, é localizar os esconderijos e chegar a eles antes dos aliados russos - que, segundo o filme, pretendiam vender as obras para angariar recursos para pagar indenizações a suas próprias vítimas de guerra.
Enquanto isso, os experts do grupo americano tinham por missão devolver as obras a seus legítimos donos - um esforço que, na vida real, foi realizado no pós-guerra, já que o grupo funcionou até meados de 1951. Sem, no entanto, esgotar a missão. Ainda hoje, há diversas obras-primas desaparecidas, entre elas, trabalhos de mestres como Rafael, Monet e Rodin.
Sem pretender fixar-se demais na lição de história, "Caçadores de Obras-Primas" toma liberdades e injeta humor sempre que possível - como nas relações interpessoais entre os protagonistas. Nem por isso, perde de vista a ideia central da história, de que havia aqui uma série de pessoas que arriscava a própria vida para salvar a arte, um objetivo que não era inteiramente compreendido, ou mesmo bem-visto, pelo resto das tropas de seus próprios países. Nem todos os integrantes do esquadrão, aliás, sobreviveram.
Única mulher do elenco, a australiana Cate Blanchett interpreta a francesa Claire Simone, uma militante da Resistência que vigiou atentamente os saques nazistas no museu onde trabalhava, o Jeu de Paume, em Paris, organizando um detalhado registro das obras que dali foram levadas. Este registro, numa determinada altura, mostra-se indispensável para o trabalho dos comandados de Stokes.
sexta-feira, 20 de dezembro de 2019
quinta-feira, 19 de dezembro de 2019
NÃO TROPECE NA LÍNGUA
DESSUMIR, CONSOANTE (A), PÔDE, SUB
--- Aproveito a oportunidade para perguntar se o correto é dessume-se ou dessome-se. No CD do Aurélio encontrei a segunda forma. Achei estranho. É isso mesmo? G. M. P., Florianópolis/SC
O verbo dessumir significa “deduzir, inferir, concluir por ilação, depreender” e é mais usado pronominalmente no tempo presente:
Dessume-se que o acusado já sabia dos fatos na ocasião do delito.
O dicionário Aurélio manda ver a conjugação do verbo “sumir”, o que não procede. O Houaiss traz a conjugação toda, que no presente do indicativo fica “dessumo, dessumes, dessume, dessumimos, dessumem”. Para reter a forma certa na memória, melhor é pensar em “presume-se”.
--- Gostaria de saber qual é a regência correta: consoante o disposto ou ao disposto...? P. T., Osasco/SP
As duas formas podem ser corretas dependendo do contexto. Como adjetivo, com o sentido de “que consoa, está em consonância e harmonia”, usa-se a preposição a ou com: prática consoante à teoria; o tema está consoante com o público infantil. Entretanto, o emprego mais comum de consoante é como preposição, à maneira de conforme (de acordo com, segundo), neste caso sem o uso de outra preposição:
Consoante Cesar Luiz Pasold, pode haver função sem poder, mas nunca poder sem função.
A cláusula de eleição de foro, consoante disposição do art. 55, § 2º, da Lei 8.666/93, deverá constar da competência do foro da sede da Administração para dirimir questões contratuais.
Consoante o disposto no art. 175 da CRFB, incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos.
--- Gostaria de saber se a grafia de "pôde" é correta. Caso negativo, como fazer para distinguir o pode do pôde? Obrigado. L. S., Brasília/DF
É correta, sim, quando se refere ao tempo passado. O acento gráfico é usado justamente para distinguir o presente do pretérito. É um dos casos raros de acento diferencial de timbre e que permaneceu no Acordo Ortográfico:
A testemunha diz que não pode enxergar a arma. [agora, neste momento em que lhe mostram a arma do crime]
A testemunha diz que não pôde enxergar a arma. [anteriormente, na ocasião em que testemunhou o delito, por exemplo]
--- Qual o correto: sub-item ou sub item? S. C., Curitiba/PR
Nem um, nem outro. A grafia correta é sem espaço e sem hífen: subitem, assim como subirrigação, subintendente, subaluguel, subemprego, subequatorial, subagência, subalimentação, subagudo, isso porque diante de um substantivo ou adjetivo iniciado por vogal não se usa o hífen depois do prefixo sub (já que não ocorre alteração da pronúncia), mesmo que pareça estranho.
O hífen, no caso de sub, deve ser empregado diante de R ou B, por isso escrevemos sub-reitor, sub-reptício, sub-rogar, sub-rotina, sub-repasse (se fosse escrito junto, a pronúncia ficaria com o mesmo som de ‘sobre’) e sub-base, sub-bloco, sub-bosque, sub-bibliotecário, neste caso para separar as duas consoantes iguais. Diante de H também se usa hífen, conforme Acordo Ortográfico: sub-hepático, sub-hirsuto, sub-habitação. E a 5ª edição do VOLP (2009) traz as variantes subumano e subumanidade para sub-humano e sub-humanidade.
Quando há outras consoantes no início da palavra-base, escreve-se tudo junto: subtotal, subdesenvolvimento, subteto, subsalário, subsecretariado, subseção.
Fonte: www.linguabrasil.com.br
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
O MÉDICO
O MÉDICO
Por Sérgio Jockymann
Pois, nisso de montar a cavalo, cair do cavalo, subir no cavalo, há sempre um certo perigo, pelo que um terço da população de Vila Velha vivia recompondo os ossos. O dr. Wurtemberg ficou com tanta pratica, que só pelo gemido do paciente já sabia onde era a fratura. Isso naturalmente valia apenas para os casos comuns, porque duas ou três vezes por ano alguém conseguia descobrir um modo novo de partir os ossos e aí o dr. Wurtemburg se desesperava folheando os dois livros que possuía sobre o assunto. Essa demora para os casos graves abalou um pouco o prestígio do doutor, que passou a ser considerado perigoso para fraturas sérias. Justamente quando o prestígio do médico andava na fase mais crítica, o capitão Miltinho despencou do cavalo e foi de cabeça num tronco de árvore. Como caiu foi levado para a cidade, onde durante uma semana os dois médicos existentes procuraram em vão uma fratura. Não havia nem uma visível, mas nem por isso o paciente se dignava a falar. Ficava lançando olhares desesperados à família e a soltar uns roncos pavorosos que faziam a mulher e as filhas se persignarem arrepiadas. Essa situação durou um mês inteiro, com o dr. Wurtemburg opinando que o paciente estava definitivamente abobalhado e o dr. Galo insistindo que se tratava de lesão cerebral irrecuperável, o que afinal dava maios ou menos na mesma miséria. A coisa já estava virando folclore, quando seu Oliveira, do Hotel dos Viajantes, entrou como um furacão pela casa da família anunciando a novidade:
- Está na cidade o maior especialista argentino.
Cinco minutos depois era a vez da família invadir o quarto do dr. Morales, que recebeu os visitantes com um cavanhaque erguido e irritado.
- Que quiéren ustedes?
Dona Pérola chorou a história do marido e nem bem contou o último detalhe se jogou no chão e pediu de joelhos que o médico salvasse a vida do coitado.
- Pago o que o senhor pedir.
O cavanhaque estremeceu por alguns segundos e disse que desejava ver o paciente. Foi uma festa e a alegria da família era tão grande que o dr. Morales mal conseguiu examinar o capitão Miltinho, enquanto uma enxurrada de doces desabava sobre ele. Uma hora depois, ainda mastigando um doce de abóbora, disse que o caso era grave e que antes de mais nada, precisava conferenciar o com os outros médicos. A conferência foi muito difícil de acertar, porque o dr. Wurtemburg se sentiu ofendido e o dr. Galo se sentiu insultado. Finalmente saiu, mas durou apenas trinta segundos, porque o dr. Galo mal abriu a boca e já pôs em dúvida a qualidade de todas as Faculdades de Medicina do Prata e o dr. Morales respondeu com um comentário em castelhano que falava em mãe e quase que a história termina em tragédia. Isso no entanto fez com que o dr. Wurtemburg encarasse o dr. Morales com muita simpatia e convidasse o colega argentino para um jantar. Durante o jantar, o caso do capitão Miltinho foi discutido e a conclusão do dr. Wurtemberg foi uma só:
- O homem está em choque e na minha opinião precisa de outro choque para melhorar.
O dr. Morales perguntou porquê o segundo choque não havia sido dado e o dr. Wurtemburg contou:
- Andei errando muito nos últimos meses. Não estou em condições de falhar outra vez.
O dr. Morales pediu para examinar alguns livros de medicina e ficou nisso durante o dia inteiro. Na quinta-feira, percorreu os arredores da cidade e na sexta, estabeleceu suas condições:
- Veinte contos!
Houve um horror generalizado, alguns genros opinaram que mudo o sogro era mais barato, mas dona Pérola disse que a recuperação do seu marido não tinha preço e concordou:
- Tá pago.
Na manhã seguinte, o capitão Miltinho foi levado para a Cascatinha do Bode, amarrado numa espécie de cruz sem cabeça e o dr. Morales ordenou que o doente fosse mergulhado de golpe na água da cachoeirinha. Dona Pérola teve um desmaio, porque era agosto e fazia um frio de pelar a alma. Mas como o cavanhaque do doutor Morales não admitia palpites, os genros lançaram a cruz com o doente, com doze laços, seis de cada lado, puseram em cada ponta do laço dois homens e mal o dr. Morales deu o sinal, mergulharam o doente no jato d´água. No terceiro mergulho, o berro que o capitão Miltinho deu dava para se ouvir a três léguas de distância. E antes que o quarto fosse feito, ele começou a injuriar toda a descendência do pessoal, pelo que todo mundo caiu de joelhos e agradeceu a Deus pelo milagre. O dr. Morales recebeu os vinte pacotes e teve a mão beijada por três gerações. Dois dias depois, a cidade ainda comemorava o grande feito médico, quando o delegado recebeu um pedido de prisão e correu à casa do coronel.
- Hernandes ou Muñoz ou Varga ou Rivera ou Morales, procurado por roubo, vigarice, estelionato e mais um negócio aqui que não sei o que é.
- É o homem?
- É o homem.
O coronel pensou um minuto e deu o veredito.
- Olhe, delegado, um homem é o que faz e não o que fez. Deixe que siga a vida dele.
E foi assim que o dr. Morales foi homenageado com um banquete, onde falou sobre os milagres da medicina, sobre a competência do dr. Wurtemburg e finalmente, olhando para o lado do dr. Galo, sobre a alta qualidade dos cursos da Faculdade de Medicina de Buenos Aires... E cinco anos depois, quando o delegado, demitido do posto quis contar a verdade, foi preso por agitação política, porque um homem de valor como o capitão Miltinho, candidato a vice-prefeito, não podia ter sido curado por um vigarista. (JOCKYMANN, Sérgio. Vila Velha, Porto Alegre : Editora Garatuja, 1975, p. 40)
terça-feira, 17 de dezembro de 2019
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
SORVETE, IGUAL A SEXO
Há 30 dias despedi-me dos leitores dizendo que partiria para uma expedição em San Gimignano, perto de Florença, Itália, a fim de dirimir uma dúvida que, dizem, só se resolve dentro de suas muralhas -descobrir qual é o melhor sorvete do mundo. San Gimignano é famosa também por suas torres erguidas há 800 ou 900 anos pelas famílias que mandavam no lugar.
Essas famílias já desapareceram, mas a guerra de torres continua, só que na forma de torres de sorvete que se equilibram nas casquinhas portadas pelos milhares de turistas. Os exércitos ficam agora atrás dos balcões, armados de pás e colheres, e usam como munição tanto os sabores clássicos como os decididamente exóticos -sorvetes de alecrim, tiramisù, tanajura e do que você imaginar.
Bem, como veterano sorvetólogo, saí por San Gimignano a fim de inspecionar as tropas -as dezenas de sorveterias que se espremem numa cidade pouco maior que o Leblon. Uma delas, a Dondoli, na Piazza della Cisterna, anuncia-se como a "campeã mundial do sorvete". Deve haver uma Copa do Mundo da categoria para ratificar essa conquista, mas, na mesma piazza, ergue-se a Gelateria dell' Olmo, que toca a trombeta e se diz "a melhor do mundo". Em que ficamos? E, na Via San Giovanni, está a I Combattenti, "a melhor da cidade" -apreciação nada modesta quando a cidade é San Gimignano.
Para não dizerem que só me concentrei nas grifes, lambi também casquinhas de estabelecimentos modestos, que se poderiam dizer da segunda divisão. Pois quer saber? Todas eram igualmente cremosas, consistentes, perfeitas, insuperáveis.
Esse negócio de melhor sorvete do mundo é bobagem. O melhor é aquele que você está tomando. E, mais do que nunca, concordei com a frase de que sorvete é que nem sexo. Quando é bom, é ótimo. Quando não é bom, ainda é muito bom.
Fonte: Folha de S. Paulo
domingo, 15 de dezembro de 2019
ARENA DI VERONA
Verona é uma dessas cidades que conquista as pessoas ao primeiro contato. Quando lá estive pela vez primeira era verão. Ao lado da Arena estavam depositadas peças típicas de cenários teatrais. A minha curiosidade foi saciada ao saber que era a época do Festival de Óperas que acontece todos os anos na Arena. Visitando o interior daquela magnífica construção foi possível imaginar a grandiosidade dos espetáculos ali apresentados. De pronto elegi o festival como um dos meus sonhos de consumo, cuja concretização só aconteceu anos depois quando deixei de viajar com excursões e seus pacotes fechados. Como primeira ópera elegi AIDA de Verdi. A temperatura estava agradável e a organização estava impecável. A platéia, segundo as estimativas, girava em torno de vinte (20) mil pessoas. O espetáculo foi magnífico. A acústica era perfeita. A Marcha Triunfal se mostrou de uma beleza indescritível. Foi uma das experiências mais fascinantes da minha vida. Noutra temporada fui assistir NABUCO, também de Verdi. A principal motivação para eleger aquela ópera é que a mesma não era encenada todos os anos. Mas foi especialmente preparada para o sesquicentenário da unificação italiana. Abro um parêntesis. Vá Pensiero ou o Coro dos Escravos Hebreus, é considerado o segundo hino nacional italiano, mas para muitos é o verdadeiro hino nacional. Então, aquela seria uma ocasião especial. E foi. A Arena estava lotada. Ao término de Vá Pensiero, por uns momentos o silêncio foi total até a explosão de aplausos que não findava nunca. Emocionante. Uma senhora sentada ao meu lado, francesa, ao que pareceu-me, simplesmente chorava. O maestro aguardava pacientemente pelo término dos aplausos e como a manifestação do público continuasse vibrante, gesticulou para os cantores e interpretou tais manifestações como um pedido de bis. E assim foi feito. Jamais esquecerei daquela noite. A última experiência, ao menos até este momento, foi Carmen de Bizet, uma apresentação prejudicada pelo mau tempo. Choveu bastante até a hora prevista para o início do espetáculo. Aquela era a última apresentação da temporada de óperas, sem possibilidades, portanto, de retornar dias depois. Afora isto, dias depois, lendo a crítica especializadas, tomei conhecimento de que aquela foi uma das mais pobres montagens daquela ópera. Para empanar ainda mais o brilho daquela noite, eu havia assistido partes de apresentações de outros anos, via internet. Uma delas, inclusive, na noite de encerramento do festival, com uma grandiosidade fantástica. Em tais ocasiões, o público recebe umas velas que são acesas no final do espetáculo proporcionando um visual muito bonito. Clique aqui. Naquela noite, porém, em razão das chuvas, as velas não foram distribuídas como de hábito. Mesmo assim foi um belo espetáculo.
sábado, 14 de dezembro de 2019
A JUSTIÇA É CEGA
A justiça é cega... mas o juiz não é.
Sentença de um magistrado:
Num inquérito pela contravenção de vadiagem, que ocorreu na 5ª Vara Criminal de Porto Alegre, o juiz Moacir Danilo Rodrigues proferiu a seguinte decisão:
"Marco Antônio Dornelles de Araújo, com 29 anos, brasileiro, solteiro, operário, foi indiciado pelo inquérito policial pela contravenção de vadiagem, prevista no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais.
Requer o Ministério Público a expedição de Portaria contravencional. O que é vadiagem? A resposta é dada pelo artigo supramencionado:
"Trata-se de uma norma legal draconiana, injusta e parcial. Destina-se apenas ao pobre, ao miserável, ao farrapo humano, curtido vencido pela vida. O pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho do pobre que pobre é, sujeito está à penalização. O filho do rico, que rico é, não precisa trabalhar, porque tem renda paterna para lhe assegurar os meios de subsistência. Depois se diz que a lei é igual para todos! Máxima sonora na boca de um orador, frase mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de Direito. Realidade dura e crua para quem enfrenta, diariamente, filas e mais filas na busca de um emprego. Constatação cruel para quem, diplomado, incursiona pelos caminhos da justiça e sente que os pratos da balança não têm o mesmo peso.
Marco Antônio mora na Ilha das Flores (?) no estuário do Guaíba. Carrega sacos. Trabalha "em nome" de um irmão. Seu mal foi estar em um bar na Voluntários da Pátria, às 22 horas. Mas se haveria de querer que estivesse numa uisqueria ou choperia do centro, ou num restaurante de Petrópolis, ou ainda numa boate de Ipanema?
Na escala de valores utilizada para valorar as pessoas, quem toma um trago de cana, num bolicho da Volunta, às 22 horas e não tem documento, nem um cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira recheada de "cheques especiais", é um burguês. Este, se é pego ao cometer uma infração de trânsito, constatada a embriaguez, paga a fiança e se livra solto. Aquele, se não tem emprego é preso por vadiagem. Não tem fiança (e mesmo que houvesse, não teria dinheiro para pagá-la) e fica preso.
De outro lado, na luta para encontrar um lugar ao sol, ficará sempre de fora o mais fraco. É sabido que existe desemprego flagrante. O zé-ninguém (já está dito), não tem amigos influentes. Não há apresentação, não há padrinho. Não tem referências, não tem nome, nem tradição. É sempre preterido. É o Nico Bondade, já imortalizado no humorismo (mais tragédia que humor) do Chico Anísio. As mãos que produzem força, que carregam sacos, que produzem argamassa, que se agarram na picareta, nos andaimes, que trazem calos, unhas arrancadas, não podem se dar bem com a caneta (veja-se a assinatura do indiciado à fls. 5v.) nem com a vida. E hoje, para qualquer emprego, exige-se no mínimo o primeiro grau.
Aliás, grau acena para graúdo. E deles é o reino da terra.
Marco Antônio, apesar da imponência do nome, é miúdo. E sempre será.
Sua esperança? Talvez o Reino do Céu.
A lei é injusta. Claro que é. Mas a Justiça não é cega? Sim, mas o juiz não é.
Por isso:
Determino o arquivamento do processo deste inquérito.
Porto Alegre, 27 de setembro de 1979."
Moacir Danilo Rodrigues
Juiz de Direito - 5ª Vara Criminal.
(Transcrito do Suplemento Jurídico: DER/SP no 108 de 1982)
sexta-feira, 13 de dezembro de 2019
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
NÃO TROPECE NA LÍNGUA
CONSTITUIR, CATARSE E SUBSÍDIO
--- Gostaria de saber se posso usar, indistintamente, as formas verbais constituir e constituir-se. Obrigada. S.C., Brasília/DF
O mais exato seria dizer que no lugar de “constituir-se” pode-se usar “constituir”. O verbo constituir é muito amplo, tem todos aqueles significados que você já deve ter visto no dicionário (ser, estabelecer, instituir, nomear, eleger, formar, compor, produzir, ser a base ou parte essencial, organizar(-se), apoiar, basear). Podemos dizer que constituir-se em (não estamos falando deconstituir-se de, que significa ser composto, ser formado) é uma de suas vertentes, uma derivação da construção originária que veio a ser usada com o sentido específico de passar a ser, tornar-se, talvez por analogia com transformar-se. Quer dizer, o pronome átono (se, me, nos) e a preposição não se fazem necessários na frase, mas assim são usados como ênfase, para reforçar a ideia do ser, do vir a ser, da transformação:
Nós jovens nos constituímos na esperança da nação.
Este texto se constitui em breve reflexão sobre o terceiro setor.
O Instituto de Educação tornou-se mais do que simples local para a formação de professores: constituiu-se sobretudo num locus da intelectualidade.
O diploma deixou de se constituir num bem raro.
Em todas essas frases pode-se suprimir o pronome oblíquo e a preposição. Além da concisão, consegue-se até maior elegância:
Nós jovens constituímos a esperança da nação.
Este texto constitui breve reflexão sobre o Terceiro Setor.
O Instituto de Educação tornou-se mais do que simples local para a formação de professores: constituiu sobretudo um locus da intelectualidade.
O diploma deixou de constituir bem raro.
Em suma: você pode usar a construção “constituir-se em”, mas com critério.
--- Qual é a pronúncia certa de catarse? J. Silva, São José/SC
Em princípio, pronuncia-se katársi, porque na palavra catarse temos um s surdo (som de ss), e não sonoro (som de z). Por norma, a letra s depois de consoante aponta para esse valor surdo, contudo há exceções: obséquio e trans – trânsito, transe, transido (cf. Não Tropece na Língua 253).
O caso de obséquio, em que bs = [bz], tende a estender-se a outros vocábulos, como subsistir e subsídio (cf. Mural de Consultas 12). Segundo Celso Luft, “o dilema- explicação é este: ou salvamos o [s], ou salvamos o [b]. Se salvamos o surdo [s], ensurdecemos o [b]”, isto é, ou se pronuncia [supsídio] ou [subzídio]. É uma questão de convivência harmoniosa; um fonema toma os traços de outro, geralmente vizinho, o que em línguística e gramática se chama de assimilação: sonoro-surdo pode dar em surdo-surdo ou em sonoro-sonoro.
Isso “evidencia que a forma ortográfica subsídio representa uma irrealidade do ponto de vista da pronúncia”, continua Luft. “E vale mais uma vez alertar os professores: é um erro querer pautar a pronúncia pela escrita. A língua real manifesta-se através da fala. A escrita é uma representação secundária, sinalização de sinalização, extremamente imperfeita” (No Mundo das Palavras, s/d).
Fonte: www.linguabrasil.com.br
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