O jornal "The New York Times" publicou no domingo uma longa e excelente reportagem mostrando como a indústria alimentícia global está centrando esforços para aumentar suas vendas no Brasil, ajudando assim a propalar a epidemia de obesidade que rasga o país.
O mesmo jornal, na edição de segunda, trouxe outra boa matéria em que revela que a epidemia de dependência em opioides que devasta os EUA teve como agentes causadores não apenas laboratórios e médicos, que ao longo de anos promoveram e prescreveram muito liberalmente essas drogas, mas também as seguradoras, que estimulam o uso dos analgésicos dessa classe por serem bem mais baratos do que os de outras categorias com menor poder de viciar.
Como já disse, são reportagens de tirar o chapéu: extensamente documentadas e informativas. A meu ver, porém, elas padecem de uma lacuna. Tratam as duas epidemias como se elas fossem resultado apenas da ação de empresas gananciosas e da omissão de autoridades. Não há dúvida de que isso contribuiu bastante, mas acho que ficou faltando um elemento importante da história: a responsabilidade do indivíduo.
Quanto mais a ciência cognitiva avança, maior se torna a lista dos fatores que afetam nossas decisões. Não estamos falando só de estímulos mercadológicos e publicitários num ambiente regulatório de baixa qualidade, mas também de elementos até há pouco insuspeitos, como vieses cognitivos, o nível de cansaço ou de fome na hora da escolha, e até a música ambiente que está tocando.
O fato é que, mesmo que o gradiente de ação do indivíduo seja menor que se supunha, ele não tem como escapar ao papel de condutor de sua própria história, que não pode ser inteiramente delegado a outros atores. Ao fim e ao cabo, é o indivíduo que tem a palavra final sobre os alimentos e substâncias que ingere e, mais importante, é ele que fica com os ônus do que deu errado.
Fonte: Folha de S. Paulo
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