domingo, 29 de outubro de 2017

CHINA FAZ MELHOR FICÇÃO CIENTÍFICA DA ATUALIDADE

Ronaldo Lemos

Em tempos de crise, um dos grandes riscos é a perda da capacidade de imaginação. Crises produzem pessoas neuróticas, que por sua vez, desenvolvem a chamada "visão em túnel", só conseguindo enxergar o que está imediatamente à sua frente. Mais do que isso, prisioneiras de visões simplistas da realidade e reféns de sentimentos primais, como raiva e medo. Incapazes de transformar desafios em oportunidades, como no ideograma chinês.

Um excelente antídoto para a falta de imaginação vem, aliás, diretamente da China. Trata-se do impressionante livro de ficção científica "A Floresta Negra" (The Dark Forest), escrito por Liu Cixin.

Cixin, vale lembrar, já foi chamado de "o Arthur C. Clark" da China e já recebeu o prêmio Hugo, considerado o Nobel da ficção científica (o primeiro asiático a vencer a honraria). Antes de se tornar escritor, trabalhou como engenheiro em uma usina termoelétrica.

A "Floresta Negra" é um espetáculo de imaginação. É a segunda parte de uma trilogia que teve início com "O Problema dos Três Corpos", sobre o qual já escrevi aqui na coluna. Sua trama é justamente sobre a maior crise que a humanidade poderia viver: a iminência da destruição total por causa da invasão de uma civilização tecnologicamente mais avançada, que por sua vez está condenada à extinção por orbitar um sistema solar composto por três diferentes sóis.

O livro concentra-se especificamente na dimensão política dessa situação. Que estratégias a humanidade deve adotar para sobreviver?

Como lidar com o derrotismo e a neurose típicas de qualquer crise (inclusive a brasileira)? Mais ainda: como lidar com a parcela da população que passa a desejar a invasão, isto é, que as forças militares extraterrestres assumam logo o planeta, já que humanidade teria sido incapaz de resolver seus problemas por conta própria (talvez a forma mais perversa de derrotismo)?

É com essa premissa que Cixin constrói as bases para sua "cosmopolítica", esquadrinhando as difíceis decisões que a descoberta de outra civilização imporia à humanidade. A questão tem similaridade com a détente nuclear. Por exemplo, a possibilidade de aniquilação mútua funcionaria para impedir um conflito cósmico?

Semelhanças com o embate atual entre EUA e Coreia do Norte não serão mera coincidência.

A obra de Cixin é também uma crônica do momento atual da China. Após sobreviver a mútuas crises ao longo de mais de um século, o país conseguiu saltar da pobreza agrária para se tornar o celeiro industrial do planeta.

A fase mais recente, que vem se desdobrando nos últimos anos, é o país se convertendo em potência de inovação tecnológica.

Para isso acontecer, a China apostou em ciência e tecnologia, com foco e planejamento. O fato de produzir hoje a melhor ficção científica do planeta não é um acaso. É a cereja que coroa um bolo forjado pela conjugação entre ciência e capacidade de imaginação. Dois elementos que estão em falta no Brasil atual.

Fonte: Folha de S. Paulo

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