Martha Medeiros
Na calada da noite, quando o silêncio é tão denso que não se escuta nem o espirro de um guarda noturno, meus pensamentos delirantes despertam e meu cérebro começa a azucrinar.
Na calada da noite, quando o silêncio é tão denso que não se escuta nem o espirro de um guarda noturno, meus pensamentos delirantes despertam e meu cérebro começa a azucrinar.
Eu ordeno a ele: quieto! Estamos na calada da noite, essa expressão não te sugere nada?
Ele não me dá trela e passa a listar as preocupações que me aguardam no dia seguinte. Amanhã você precisa trocar o horário da aula de inglês com a Karin, será que ela estará livre na quarta? Amanhã você precisa acrescentar batata doce e creme de leite na lista de compras do supermercado. Amanhã você precisa checar que barulho estranho é aquele que seu carro está fazendo quando dá ré. Amanhã você precisa decidir aonde vai passar o réveillon, já é quase setembro, quase Natal. Amanhã você precisa adicionar mais 10 minutos de cenas no roteiro do filme que está escrevendo e dar uma sacudida na protagonista, ela ainda está muito desmaiada. Amanhã você precisa escrever mais duas crônicas inéditas de qualquer jeito, ou não conseguirá viajar tranquila para São Paulo. Amanhã você precisa checar se a camisa branca está limpa para a palestra.
São 3h30 da manhã e a noite segue calada, mas meu cérebro não fecha a matraca. E o pior está por vir: ele logo entrará em sessão de terapia. Adora fazer isso no meio da madrugada.
Tenho a impressão de que aquele texto que você publicou duas semanas atrás foi um recado para uma amiga sua. E não ter respondido aquele whatsapp de anteontem foi uma provocação estúpida. Se você tem vontade de largar tudo, por que não larga? Aliás, comece largando o pé da sua filha, deixe que ela viva do jeito que quiser. Não acredito que você vai falar de novo sobre aquela vez em que perdeu o avião porque ficou trancada no banheiro do Galeão. Óbvio que você não queria embarcar.
São 4h30 da manhã, nunca fiquei presa em banheiro de aeroporto, então é sinal de que a terapia desandou e agora estou entrando naquele período dramático em que recebo a visita dos meus demônios, sempre pontuais.
Essa mancha no seu braço. Está com a maior pinta de ser um melanoma. Trocar o nome de todo mundo está deixando de ser engraçado. Você precisava ter tomado três cálices de vinho no jantar? Marque uma hora no gastro se não quiser morrer de cirrose até a próxima sexta-feira. Você não vai viver muito, sabe disso. A dor no joelho é da idade, mas o aperto no peito é problema cardíaco grave, você tem um mês de vida, você tem duas semanas de vida, você tem que deixar um bilhete de despedida para seus entes queridos, tchau querida, acho que você não vai nem acordar.
São 6h00 da manhã, o guarda noturno espirra e eu acordo. Fim de mais uma tagarelice cerebral numa noite calada coisa nenhuma.
Fonte: Facebook
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