quarta-feira, 27 de setembro de 2017

DEMOCRACIA EM RISCO

Pablo Ortellado

Quando os protestos de junho de 2013 eclodiram, eles pediram também mais democracia. Naquele momento, as críticas contra a corrupção estavam entrelaçadas com a constatação de que o que pensava e o que queria a sociedade era muito diferente do que faziam os políticos. As ocupações de assembleias legislativas e de câmaras municipais, de um lado, e a forma auto-organizada e autoconvocada dos protestos, de outro, indicavam que a sociedade brasileira apostava num aprofundamento democrático como saída para a crise política que se instaurava ali.

Quatro anos depois, o cenário é completamente diferente. Desde 2014, a sociedade brasileira está cindida, a confiança na democracia está em níveis alarmantemente baixos e os principais atores políticos parecem não ter receio de colocar as instituições sob cada vez mais pressão. Parece que as acirradas disputas que assistimos desde 2014 corroeram a confiança dos atores a tal ponto que não é mais possível um pacto republicano para preservar as instituições.

Durante o ano de 2015, quando os protestos contra Dilma Rousseff ganharam força, a proposta de impeachment ainda poderia ser descartada por todas as forças relevantes como uma aventura irresponsável. Entidades empresariais, sindicatos, veículos de comunicação de massa e os principais partidos políticos condenaram a proposta, embora ela estivesse angariando um apoio popular crescente.

Quando Eduardo Cunha declarou guerra a Dilma e construiu uma maioria parlamentar capaz de derrubá-la, pouco a pouco, todos os que haviam se mostrado reticentes com a ideia, se comprometeram com o projeto de destituir uma presidente recém eleita, utilizando como pretexto uma tecnicalidade contábil.

O sucessor de Dilma, por sua vez, em vez de fazer um mandato-tampão, com uma administração de compromisso, mais ou menos como havia feito Itamar Franco, resolveu aproveitar a circunstância de não ter sido eleito e implementar uma ambiciosa e impopular agenda liberal que, como um colaborador explicitou, deveria ser imposta "na marra" e "sem mandato".

Enquanto isso, as investigações da Lava Jato mudaram de foco, deslocando a ênfase da investigação do PT para o PMDB e convenceram de vez a opinião pública de que o sistema político tinha sido comprometido por inteiro.

Temer, contra quem os investigadores obtiveram uma gravação constrangedora e um vídeo no qual um colaborador próximo recebia uma mala de dinheiro, teve o processo de investigação barrado no Congresso depois da distribuição de cargos e da liberação de verbas parlamentares. As principais forças do movimento anticorrupção, por um lado e os sindicatos e movimentos sociais tradicionais, de outro, simplesmente não convocaram manifestações e deixaram o governo Temer sobreviver, a despeito das flagrantes evidências e dos índices de apoio mais baixos da história da Nova República.

Agora, com uma crise de legitimidade que já é aguda, tucanos retomam de maneira intempestiva a ideia de converter nosso sistema em parlamentarista, o Congresso tenta emplacar uma reforma política que mantenha os atuais políticos no poder, militares de alta patente falam abertamente em intervenção e o PT ameaça boicotar as eleições se o ex-presidente Lula for preso.

Deslegitimados por sua desconexão com a sociedade, desmoralizados pelos escândalos de corrupção e divididos por uma polarização que não admite compromisso, nossas forças políticas seguem em guerra, ameaçando interromper nossos poucos anos de vida democrática. Ninguém parece se preocupar demais com os níveis muito baixos de confiança nos políticos, nas instituições e na própria democracia, nem nos movimentos que, em plena luz do dia, conspiram contra ela. Todos parecem achar que ainda é possível espremer a crise um pouco mais para conseguir uma posição de vantagem na próxima jogada.

Fonte: Folha de S. Paulo

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