sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O SISTEMA SE PROTEGE

Bernardo Mello Franco

A reação ao afastamento de Aécio Neves é muito mais do que uma tentativa de salvar a pele do tucano. O Congresso vê o caso como uma chance de ouro para medir forças com o Judiciário e impor algum tipo de freio à Lava Jato.

Além de suspender o mandato do mineiro, a primeira turma do Supremo determinou seu recolhimento noturno. A medida inflamou os parlamentares que acusam o tribunal de extrapolar na interpretação da lei.

Eles argumentam que a Constituição só permite a prisão de congressistas em flagrante de crime inafiançável. Mesmo assim, a decisão precisa do aval do plenário da Câmara ou do Senado, como ocorreu no caso do ex-petista Delcídio do Amaral.

O problema é que o Código de Processo Penal define o recolhimento como medida "diversa da prisão". Por isso, os ministros que votaram pela punição entendem que não cabe consulta alguma aos senadores.

Por trás da polêmica jurídica, o que se discute é o futuro de dezenas de parlamentares sob suspeita de corrupção. Eles temem ser vítimas do "efeito Orloff": o castigo aplicado a Aécio hoje poderia ser estendido a qualquer um amanhã.

Isso explica a reação suprapartidária em defesa do senador, que quase chegou à Presidência e em menos de três anos se tornou um dos políticos mais impopulares do país.

A salvação de Aécio interessa em primeiro lugar ao PSDB e ao governo Temer, que conta com ele para arquivar mais uma denúncia contra o presidente. A novidade é a adesão do PT, que decidiu abraçar o inimigo em nome da cruzada contra a Lava Jato.

O partido chamou o tucano de hipócrita e golpista, mas defendeu que o Senado derrube a decisão do Supremo. É o que deve acontecer, sob risco de uma crise institucional.

Nada disso ocorreria se o Senado tivesse cumprido seu dever quando Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista. Em vez de puni-lo, o Conselho de Ética arquivou o caso sem nem sequer abrir investigação.

Fonte: Folha de S. Paulo

DOS MEUS LIVROS

A Pastoral Americana - Philip Roth

Comentário:
Decadência: eis a palavra-chave desta obra; a decadência do ser humano, a decadência de um povo e a decadência de um país.

Antes de mais nada, a crítica; a visão crítica dos Estados Unidos da América a que Roth já nos habituou em quase todos os seus livros: está aqui tudo: a criminalidade, mesmo jovem, o absentismo, o moralismo, o conservadorismo, etc. Até no aspeto económico: a necessidade de mão-de-obra barata, com a deslocalização para a Ásia de muitas indústrias.

Num plano mais pessoal, fica bem patente a nostalgia e a saudade nas recordações de infância. A vida de Seymour Levov (heróica na juventude e trágica no final) exprime a visão negativa do destino e da condição humana. É que por oposição a essa infância feliz há uma realidade grotesca, medonha, que atinge o Sueco Lvov: a sua filha que aos 16 anos se torna assassina, terrorista, é violada e adere a uma seita radical. Por detrás disto está um inevitável e dramático choque de gerações – “Você amou sua filha como se fosse a porra de uma coisa”; talvez a causa do conflito esteja nesse culto da posse, típico do sistema capitalista, mas também num excessivo zelo pelo cumprimento das normas; a geração antiga tende para o “certinho e direitinho”, nunca preparando os filhos para a quebra do protocolo, para a necessária e incontornável quebra das regras.

Mas, para além do conflito de gerações está também um terrível choque pessoal, um destino dramático e doloroso.

Por todo o livro é nítido um certo lamento do envelhecimento e, ao mesmo tempo uma visão romântica do passado a condizer com uma visão pessimista do futuro e uma leitura bem negra do presente. O cancro de que sofre o escritor /personagem/narrador é o símbolo dessa visão cinzenta da realidade do país e do mundo.

A Pastoral e a contrapastoral: “A filha que o transporta para fora da sonhada pastoral americana e para dentro de tudo o que representa a sua antítese e o seu inimigo, para a fúria, a violência e o desespero da contrapastoral — para a selvajaria nativa americana.” A vida certinha, feliz, perfeita do Sueco Levov representava a Pastoral americana – a cartilha do sucesso, em que cada geração é um aperfeiçoamento da anterior. Mas a filha, que representa a última geração corta com a Pastoral; ela e a sua geração são a sua antítese. Assim, neste aspeto, a obra assume uma feição algo catastrofista ou, pelo menos, pessimista em relação ao destino da América. Revoltada contra a guerra do Vietname e contra o comodismo, bem como a acomodação da geração dos pais, a juventude dos anos 60, aqui representada por Merry, torna-se contestatária. E o país não está preparado para a compreender.

Mas a revolta não era apenas contra a guerra. Esse foi apenas o ponto de partida; era contra todo o modelo de vida capitalista. Contra a pastoral burguesa. Em causa estava por exemplo a procura de mão de obra barata. A crise económica, da qual a ruína da indústria das luvas é símbolo, vai dando lugar à crise social. Multiplicam-se os movimentos de contestação e os atentados. O livro de Roth torna-se premonitório em relação à América atual.

Um ritmo narrativo por vezes muito lento torna o livro algo enfadonho, ao contrário de outras obras de Roth. Por exemplo, porquê tanto espaço para declarar a futilidade dos concursos de misses? E porquê tanto pormenor na descrição dos métodos de fabrico de luvas de couro? Não vejo como o leitor possa seriamente beneficiar disso… é certo que Roth traça um desenho aprimorado da realidade norte-americana, especialmente nas suas faces mais negras, mas o exagero de pormenores retira, em alguns capítulos, esse prazer da leitura que todos procuramos.

SINOPSE (in wook.pt)
Philip Roth aborda frequentemente a necessidade humana de demolir, desafiar, opor, separar. 

Neste livro, contudo, foca-se no oposto: a necessidade de viver uma vida calma e normal. 

Seymour «Sueco» Levov, um lendário atleta universitário, devotado homem de família, trabalhador esforçado e próspero herdeiro, envelhece na triunfante América do pós-guerra, vendo esfumar-se tudo o que ama quando o país começa a efervescer nos turbulentos anos 60. 

Nem o mais tranquilo e bem-intencionado cidadão consegue escapar à vassourada da história, nem o Sueco pode permanecer para sempre na felicidade da amada e velha quinta em que vive com a sua bela mulher e a filha, que se torna uma revolucionária terrorista apostada em destruir o paraíso de seu pai. A inocência do Sueco Levov é varrida pelos tempos - como tudo o que foi criado pela sua família, através de gerações, deitado por terra na violenta explosão de uma bomba no seu bucólico quintal.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

INSTITUIÇÕES ATRAPALHAM A DEMOCRACIA

INSTITUIÇÕES ATRAPALHAM A DEMOCRACIA
Matias Spektor

Instituições de controle funcionam mal e atrapalham a democracia

Reza a lenda que nossas instituições de controle estão funcionando. Segundo esse argumento, a melhor prova do vigor institucional da democracia brasileira seria a Operação Lava Jato, o processo que está levando a classe política a responder por seus atos.

Não é isso, no entanto, que a evidência mostra. Em meses recentes, as revelações de juízes e procuradores descortinaram um quadro mais completo.

Sem dúvida, houve enorme avanço institucional nos últimos 30 anos de vida democrática, mas o sistema brasileiro de pesos e contrapesos não funciona bem.

O Poder Executivo tem sua própria liderança na cúpula do Judiciário. Os Tribunais de Contas podem ser cooptados ou comprados. As comissões parlamentares de inquérito são inócuas, e os Tribunais Eleitorais que deveriam julgar as finanças de campanha são peças de ficção.

O trabalho do Ministério Público depende de quem ocupa a chefia da pasta e um ministro da Justiça empedernido pode afetar em cheio a capacidade investigativa da Polícia Federal. Congressistas podem pôr as leis do país à venda e, quando o fazem, operam em conluio com o Executivo, distribuindo orçamentos e oportunidades de negócio ilegais.

Tais mecanismos subvertem e enfraquecem a democracia brasileira. O resultado é uma situação na qual os cidadãos votam em eleições livres e competitivas, a imprensa reporta sem censura e, mesmo quando um general boquirroto expressa sua vocação golpista sem reprimenda do governo de plantão, não há motivo para alguém temer o retorno de uma ditadura. Mas, ao mesmo tempo, as regras do jogo democrático enfrentam volumes colossais de disfunção.

O problema é que, sem pesos e contrapesos, qualquer democracia definha. Quando faltam controles eficientes, o resultado é um governo de quadrilhas, sejam elas de esquerda, centro ou direita. É o império dos grupos de interesse.

As revelações mais recentes mostram que a democracia brasileira está mais longe do que se pensava de Portugal e Espanha, dois países que conseguiram abandonar seu passado de autoritarismo, corrupção alta e políticas públicas de qualidade baixa. Estamos mais perto do que achávamos de Rússia e Turquia, onde o entulho autoritário contamina o que lá existe de democracia.

É hora de reconhecer o problema de nossas instituições de controle. Frágeis, elas têm futuro incerto. A Operação Lava Jato não é regra, mas exceção. A impunidade continua sendo a moeda corrente da política brasileira.

Hoje, nada garante que o futuro será melhor. A coalizão do atraso —nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas indústrias e nos serviços— continua pisando forte para manter tudo como está.

Fonte: Folha de S. Paulo

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O COLAPSO DO RIO

Bernardo Mello Franco

Seis dias seguidos de tiroteios, uma comunidade de 70 mil moradores sob fogo cruzado, quase 3.000 crianças sem aulas. Os números do bangue-bangue na Rocinha são um novo atestado de colapso da segurança pública no Rio. Um ano depois de sediar os Jogos Olímpicos, a cidade volta a ficar de joelhos para o crime organizado.

A guerra na maior favela do país foi deflagrada por um racha entre traficantes de drogas. Mas a crise só tomou essas dimensões por causa da falência do Estado, da omissão das autoridades e do fracasso das UPPs, que foram vendidas como solução para conter a violência.

A promessa de "pacificar" as favelas sucumbiu à corrupção e à falta de planejamento. Relatos de abuso de poder e de cobrança de mesada do tráfico minaram a confiança no programa. Ao mesmo tempo, a concentração do efetivo policial em apenas 38 comunidades estimulou os bandidos a se alastrarem pela periferia da capital e pelo interior.

As UPPs foram virtualmente abandonadas no mês passado, com a retirada de 30% dos policiais. Foi um enterro sem velas. Com a criminalidade em alta, o governo alegou que precisava de homens para patrulhar as ruas e vias expressas.

Em julho, o governo apelou a um truque antigo: pediu socorro às Forças Armadas. Os militares desfilaram na orla e estacionaram tanques no gramado do Aterro e em praças da zona sul. Com apenas três dias de operação, o presidente Michel Temer anunciou uma redução "enorme" da criminalidade. Em poucas semanas, os blindados sumiram. Reapareceram nesta sexta, quando a situação já estava fora de controle.

Enquanto a Rocinha vivia dias de faroeste, Sérgio Cabral foi condenado a mais 45 anos de prisão por corrupção. Ele comandou um esquema que depenou o Estado e deixou como herança seu antigo vice, incapaz de comandar as polícias. O colapso da segurança é um crime pelo qual o ex-governador nunca pagará.

Fonte: Folha de S. Paulo

DEMOCRACIA EM RISCO

Pablo Ortellado

Quando os protestos de junho de 2013 eclodiram, eles pediram também mais democracia. Naquele momento, as críticas contra a corrupção estavam entrelaçadas com a constatação de que o que pensava e o que queria a sociedade era muito diferente do que faziam os políticos. As ocupações de assembleias legislativas e de câmaras municipais, de um lado, e a forma auto-organizada e autoconvocada dos protestos, de outro, indicavam que a sociedade brasileira apostava num aprofundamento democrático como saída para a crise política que se instaurava ali.

Quatro anos depois, o cenário é completamente diferente. Desde 2014, a sociedade brasileira está cindida, a confiança na democracia está em níveis alarmantemente baixos e os principais atores políticos parecem não ter receio de colocar as instituições sob cada vez mais pressão. Parece que as acirradas disputas que assistimos desde 2014 corroeram a confiança dos atores a tal ponto que não é mais possível um pacto republicano para preservar as instituições.

Durante o ano de 2015, quando os protestos contra Dilma Rousseff ganharam força, a proposta de impeachment ainda poderia ser descartada por todas as forças relevantes como uma aventura irresponsável. Entidades empresariais, sindicatos, veículos de comunicação de massa e os principais partidos políticos condenaram a proposta, embora ela estivesse angariando um apoio popular crescente.

Quando Eduardo Cunha declarou guerra a Dilma e construiu uma maioria parlamentar capaz de derrubá-la, pouco a pouco, todos os que haviam se mostrado reticentes com a ideia, se comprometeram com o projeto de destituir uma presidente recém eleita, utilizando como pretexto uma tecnicalidade contábil.

O sucessor de Dilma, por sua vez, em vez de fazer um mandato-tampão, com uma administração de compromisso, mais ou menos como havia feito Itamar Franco, resolveu aproveitar a circunstância de não ter sido eleito e implementar uma ambiciosa e impopular agenda liberal que, como um colaborador explicitou, deveria ser imposta "na marra" e "sem mandato".

Enquanto isso, as investigações da Lava Jato mudaram de foco, deslocando a ênfase da investigação do PT para o PMDB e convenceram de vez a opinião pública de que o sistema político tinha sido comprometido por inteiro.

Temer, contra quem os investigadores obtiveram uma gravação constrangedora e um vídeo no qual um colaborador próximo recebia uma mala de dinheiro, teve o processo de investigação barrado no Congresso depois da distribuição de cargos e da liberação de verbas parlamentares. As principais forças do movimento anticorrupção, por um lado e os sindicatos e movimentos sociais tradicionais, de outro, simplesmente não convocaram manifestações e deixaram o governo Temer sobreviver, a despeito das flagrantes evidências e dos índices de apoio mais baixos da história da Nova República.

Agora, com uma crise de legitimidade que já é aguda, tucanos retomam de maneira intempestiva a ideia de converter nosso sistema em parlamentarista, o Congresso tenta emplacar uma reforma política que mantenha os atuais políticos no poder, militares de alta patente falam abertamente em intervenção e o PT ameaça boicotar as eleições se o ex-presidente Lula for preso.

Deslegitimados por sua desconexão com a sociedade, desmoralizados pelos escândalos de corrupção e divididos por uma polarização que não admite compromisso, nossas forças políticas seguem em guerra, ameaçando interromper nossos poucos anos de vida democrática. Ninguém parece se preocupar demais com os níveis muito baixos de confiança nos políticos, nas instituições e na própria democracia, nem nos movimentos que, em plena luz do dia, conspiram contra ela. Todos parecem achar que ainda é possível espremer a crise um pouco mais para conseguir uma posição de vantagem na próxima jogada.

Fonte: Folha de S. Paulo

terça-feira, 26 de setembro de 2017

DOENÇA DA AVERSÃO AO TRABALHO

DOENÇA DA AVERSÃO AO TRABALHO
Eduardo Aquino - O Tempo

Já existe a doença da aversão ao trabalho, mas estar desempregado é pior

S.O.S para médicos, profissionais de saúde, professores, trabalhadores de telemarketing, bancários, motoristas de ônibus, enfim, todos aqueles que trabalham diretamente com o público. Num mundo onde imperam a intolerância, a agressividade, a impaciência e a falta de compreensão e de paciência, as relações de prestação de serviço se tornaram doentias.

Pois a chamada síndrome de Bournout está se tornado epidêmica e, pior, estraçalhando carreiras, dons e as saúdes física e psicológica dos trabalhadores.

Começa com pressões desumanas a que profissionais que lidam com o público estão sujeitos cotidianamente, além da precariedade dos equipamentos e da falta de treinamento e de preparo para lidar com o estresse que permeia a humanidade.

COMBUSTÍVEL – Vivemos num mundo onde o pavio curto, o nervo à flor da pele, a insatisfação generalizada são o combustível para que as pessoas se digladiem no trânsito, no trabalho, em casa, nas redes sociais.

Quem está na ponta desse processo, seja num posto de saúde lotado e sem condições básicas de atendimento humano, seja nas escolas públicas (uma verdadeira cloaca da sociedade), onde explodem todos os podres da decadente e desigual civilização – violência, drogas, sexualidade, ausência de limites e de respeito entre tantos outros – ou mesmo nos serviços de atendimentos ao consumidor, onde palavrões se multiplicam pelos péssimos produtos ou serviços e funcionários sem habilidades e mal remunerados são bombardeados pelos consumidores coléricos, vai acumulando tanto desconforto, desprazer, angústia e trauma no dia a dia que, literalmente, descompensa.

Afastamento médico, demissão, abandono de profissão, com sensação de aversão e quase fobia são consequência desse processo que tritura o corpo e a mente humana.

MATADOURO – Sintomas físicos como sono ruim, mal-estar, palpitação, tremores, aperto no peito, corpo pesado, desânimo, entre outros tantos, ampliam-se no ambiente de trabalho, prejudicando a produtividade e as relações interpessoais e pesando o ambiente. A antiga expressão de ir trabalhar é como “ir para o matadouro” é a síntese do Bournout.

A desfecho da síndrome é a robotização (o profissional entra no “piloto automático” e cumpre suas tarefas com indiferença, de forma autômata, sem prazer e motivação) ou adoece e precisa de tratamento médico e psicológico severos, numa solução radical, abandona sua profissão definitivamente.

Investir no patrimônio humano, que é o maior legado nas relações de trabalho, é fundamental. Qualquer hora escreverei sobre ecologia humana nas empresas, uma série de ações preventivas e de estímulo realizados nos ambientes de trabalho. Mas lembre-se: estar desempregado é ainda mais angustiante!

Fonte: Tribuna da Internet

sábado, 23 de setembro de 2017

DOS MEUS LIVROS

Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto

Comentário:
A quem lê este livro é impossível não recordar o imortal D. Quixote. Quaresma é, tal como o cavaleiro de La Mancha, o idealista ingénuo, o homem que cumpre um sonho se bem que singelo, inocente. Ele era funcionário. Mas, ao contrário de todos os outros (afundados na passividade rotineira) ele vai à procura de um ideal, neste caso a defesa intransigente dos valores da Pátria, que ele considera a melhor de todas. O Brasil é o seu valor supremo e ele pagará caro por esse sonho de mostrar aos seus concidadãos essa grandeza.

Este enredo tão peculiar e interessante é o ponto de partida para um livro cheio de interesse, pela beleza de uma linguagem simples, direta, como quem conversa com o leitor mas também e acima de tudo pela deliciosa crítica, sempre num tom bem-disposto, bem-humorado. Os alvos são vários; a mordacidade da crítica atravessa toda a vida social daquele Brasil de início de século, mas desses alvos sobressaem especialmente dois: os políticos e os funcionários públicos. Os políticos, apenas interessados no voto deixam-se levar por um populismo calculista e por um amor ao poder que os leva aos mais baixos “jogos” de influências; esses jogos são por sua vez conduzidos pela corrupção – tudo se decide mediante os pedidos e os favores. Os funcionários públicos, por sua vez, são criticados pela sua indolência, pela passividade, pela inutilidade e por uma cultura pedante, sem conteúdo.

Mas não fica por aqui a pena mordaz de Lima Barreto. São também seus alvos os costumes: por exemplo o casamento como único objetivo da mulher, o papel passivo do elemento feminino, como espécie de figura decorativa que, no entanto é vítima de um crónico machismo; a personagem Isménia, por exemplo, morre vítima dessa condição feminina. É ainda apontado o pedantismo e a ostentação dos licenciados e até dos escritores dados ao barroco. Os militares são inúteis e corruptos; as suas promoções são obtidas por influências e a sua competência é nula. Mas nem o povo escapa; o desleixo e a indolência são os seus principais defeitos, a par do diletantismo e ignorância das classes altas – “Aquele Quaresma podia estar bem, mas foi meter-se com livros... É isto! Eu, há bem quarenta anos, que não pego em livro...” (fala do general amigo de Quaresma). Mais interessados no poder do que no progresso do país, militares e políticos controlam o povo, conduzindo-o a revoltas e a conflitos dos quais só eles beneficiam.

Em suma, estamos perante um livro que marcou o início do modernismo literário no Brasil, um livro marcante em termos históricos e que podia e devia ser mais divulgado, pelo menos em Portugal.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

SEGURANÇA NO TRÂNSITO

SEGURANÇA NO TRÂNSITO
Nabil Bonduki

O país merece um debate aprofundado sobre segurança no trânsito 

O país merece debates consistentes para superar esse ambiente polarizado e empobrecedor, com disputas partidárias vazias que não contribuem para as políticas públicas.

Por isso, prefiro me referir ao artigo do líder do governo na Câmara, Aurélio Nomura, sem rebater seu discurso vago, aprofundando, nesta Semana da Mobilidade, a reflexão sobre segurança no trânsito.

Na coluna de 12/9, defendi que a "anticultura" da velocidade deve ser combatida pelos gestores públicos, ainda mais pelo prefeito da maior cidade brasileira, pré-candidato à Presidência.

O Brasil ocupa a quarta posição mundial em mortes no trânsito e a sexta em mortes por cem mil habitantes. Em dez anos, 450 mil pessoas morreram em acidentes no país.

Em São Paulo, esse número atingiu 12,5 mil vítimas (45% pedestres e 35% motociclistas). No entanto, são alentadores os avanços alcançados em gestões de diferentes partidos. O número de mortes no trânsito paulistano caiu de 1.463, em 2008, para 950, em 2016, uma redução de 35%.

A queda se acentuou em 2015, quando os limites de velocidade das vias e das marginais foram reduzidos. Nos últimos seis meses, entretanto, as mortes no trânsito da cidade cresceram 6,7% em relação ao mesmo período de 2016.

Reduzir a velocidade não foi uma medida isolada. Integrava a estratégia do Plano Diretor, que objetiva alterar o modelo de mobilidade do século 20, baseado no automóvel. Inclui iniciativas como corredores ou faixas exclusivas de ônibus, ciclovias, parklets, ruas abertas e a regulamentação de aplicativos (tipo Uber), estimulando o transporte público, a mobilidade ativa e a racionalização do uso do automóvel.

A redução de velocidade aumenta a segurança (o risco de morte em uma colisão frontal com o veículo a 50 km/h é de 20%; a 80km/h, ele sobe para 60%) e melhora o trânsito, pois possibilita uma menor distância entre os veículos, aumentando a capacidade das vias.

Essas corajosas medidas, apoiadas por todos os técnicos em mobilidade, contrariam os motoristas, que sempre foram privilegiados no trânsito. Por isso, são utilizadas politicamente, como os candidatos de oposição fizeram em 2016.

Nesse contexto, o slogan "Acelera SP", adotado por Doria, relacionava-se diretamente à proposta eleitoral de aumentar as velocidades e de denunciar a suposta indústria de multas, que desagrada o cidadão. Discurso populista, que dá votos, mas que não contribui para a urbanidade.

Em momento algum atribui ao prefeito a responsabilidade por todas as mortes no trânsito da cidade, como afirma Nomura. Apenas ressaltei que seu discurso reforça uma "anticultura" que, embora tenha muitos adeptos, precisa ser combatida.

Fonte: Folha de S. Paulo

terça-feira, 19 de setembro de 2017

A FAMÍLIA AINDA É FUNDAMENTAL

ENTRE O TRÁGICO E O CÔMICO, A FAMÍLIA AINDA É FUNDAMENTAL
Eduardo Aquino - O Tempo

Quem não tem um drama ou um caso hilário para contar quando o assunto é família? Nas melhores ou piores, a vida se molda, transforma-se, apoia-se nos alicerces familiares. Para o bem ou para o mal. Afinal, a sociedade começa nas células familiares. O afeto reunia um grupo de seres humanos, criando vínculos fundamentais para a sobrevivência da espécie. De família para bando, de bando para comunidade. Quanto mais indivíduos, mais fortes os laços sociais, mais estruturada a civilização.

No entanto, família significa muitas coisas. Cultura é uma delas. Há famílias tão unidas que coitado daquele que se agregar, seja nora, seja genro. Viajam juntos, frequentam a mesma religião, têm suas manias e rituais, como, por exemplo, a obrigação de almoçar todo domingo na casa do patriarca ou da matriarca.

DE VÁRIOS TIPOS – Organizadas ou bagunceiras, silenciosas ou barulhentas, essas famílias “grudadas” têm vantagens e desvantagens. Empobrecem socialmente, enriquecem na solidez dos laços familiares. Vivem coletivamente, mas sacrificam o individual.

Há famílias briguentas, cheias de rivalidade, em que um não conversa com o outro, e competitivas, muitas vezes por conta de brigas por heranças. São também carentes de afeto, com pais secos ou distantes. Encontros são esporádicos, ocorrendo em velórios ou em casamentos. Gente emburrada, atritos constantes. Famílias doentes e que adoecem. Triste, mas costumam gerar exemplos contrários, e a segunda ou a terceira geração geralmente propõe novas formas, muito mais saudáveis e maduras, de formar família.

DESAGREGAÇÃO – Tem também a família “cada um cuida de si e Deus de todos”. Por falta de um elemento agregador, uma referência forte, costuma gerar um ambiente frio, individualista, em que cada um fica na sua. Cedo, filhos buscam seus destinos, e muito raramente se reúnem; em geral, em ocasiões formais. Normalmente, ligam-se à família de seus parceiros, carentes de um vínculo que sempre é forte e necessário. Isso é muito comum no norte europeu, onde o sistema de bem-estar social cumpre tão bem o papel de proteção que compete com o papel familiar.

Da mesma forma, as famílias de origens italiana, espanhola, portuguesa ou árabe são naturalmente muito apegadas, com fortes vínculos afetivos e muita passionalidade, dramas, ciúmes, brigas e conciliações, respeito aos pais e avós, a ponto de morarem próximo, em vilas ou “tendas”.

Algumas famílias que antes eram grandes, rurais e mexiam com a lavoura se urbanizaram, diminuíram de tamanho. Tornaram-se eletrônicas, são intermediadas por telas, redes sociais. Distantes, menos afetivas, quase não se falam.

NOVA FAMÍLIA – Em crise de identidade, a “nova família” ainda não se identifica. Não cabe no modelo tradicional, após séculos de culturas e normas que hoje nada representam. Valores, moral e ética não são temas discutidos em casa. Exemplos não servem no dia a dia.

Casais separados conflitam não apenas seus egos, ressentimentos mal resolvidos, mas transferem aos filhos os estilhaços de uma munição triste e dolorosa, que é falar mal da metade genética familiar, a qual, inexoravelmente, habitará coração, mente e alma dos filhos de casais separados. E o inevitável: “Igual ao pai (ou mãe ), a mesma praga!”

Enfim, família. Essa célula civilizatória. Aquele ninho onde, creia, se tudo der errado em sua vida, te acolherá, pois, acima dos desamores e das diferenças de personalidades, seremos sempre pais, mães, irmãos, filhos, netos. Abençoemos, perdoemos, agradeçamos por termos uma família!

Fonte: Tribuna da Internet

domingo, 17 de setembro de 2017

SER VELHO VIROU OFENSA

SER VELHO VIROU OFENSA
Mariliz Pereira Jorge

A lista de xingamentos que já enfrentei aqui e nas redes sociais é longa, porém clichê. Em geral são variações mais ofensivas de "chata e burra". Sou chamada de feminazi e de reaça, o que me faz ter certeza que estou no caminho certo. Felizmente tenho a sorte de ser paga para escrever e não para agradar. E desconfio que alguns detratores ao deitar à noite, abraçam o travesseiro e repetem "Mariliz, te amo", no escurinho do anonimato.

Ser xingada de velha, no entanto, é novidade. Não porque eu não seja. Na adolescência qualquer pessoa com mais de 30 era velha para mim. Por esse conceito, me encaixo na categoria faz tempo. O que é novidade é que chamar uma pessoa de velha seja considerado munição para ofender. Foi xingamento porque veio em letras garrafais e com pontos de exclamação suficientes para que a entonação fosse negativa.

SUA VELHA!!!

Preconceito? Desdém?

O que é ser velha para essas pessoas a ponto de elas considerarem uma ofensa?

É ter rugas na testa de tanto franzi-la ao longo da vida, por alegria, tristeza, preocupação, êxtase? Talvez sejam as manchas de sol que eu guardo de lembrança dos verões. Tem bigode chinês, sim. A pele está flácida e talvez eu pareça um buldogue sacolejando as pelancas do rosto quando corro.

Ser velha é sentir dores na lombar até quando durmo? Tenho. Tenho mais. Joelho operado, queda de cabelo e uma pancinha que tá osso perder, na academia. Tenho sono também. Sexta passada, nem 21h30 e já estava na cama. Felicidade de velho, não ter mais a obrigação de ficar no bar até o garçom erguer as cadeiras. Você venceu, mãe.

O que é ser velha? Ter amigos tão antigos que as fotos estão desbotadas, celebrar 20 anos de formada, ser chamada de tia pelos filhos dos colegas, sentir saudade de tantas coisas e também alívio por ter sobrevivido a elas e a mim mesma?

Sou velha.

É ter cicatrizes de amor no estômago e na alma, rugas de felicidade, marcas no corpo de paixão, remorsos por ter traído, magoado, deixado para trás? Casei, descasei, casei de novo. Morri por tantas histórias e ressuscitei apenas para morrer de novo.

Olho para trás e vejo, com otimismo, que talvez metade da vida já tenha passado. Talvez mais. Não sei se restam mais 40 ou mais quatro anos, penso com um pouco de melancolia. Deve ser coisa de velho.

Vale nessa contabilidade ter mais carimbos no passaporte do que na carteira de trabalho? Mais dívidas do que dinheiro no banco? Colecionar vitórias, promoções e acertos, chorar demissões e fracassos? Tudo anotadinho.

E histórias para contar, lembranças para celebrar, cagadas para se arrepender? Tudo no caderninho da vida. Aos montes.

Já nadei pelada num hotel famoso, saltei de paraquedas, viajei sozinha de mochila pela Europa, fugi de tarados no Nordeste, fiz trabalho voluntário, morei em tantas casas que já nem me lembro mais.

Isso é ser velha? Ok, sou velha. Que ótimo. Pode arranjar outro xingamento, esse não cola.

Fonte: Folha de S. Paulo

A ÉTICA DOS CARROS AUTÔNOMOS

A ÉTICA DOS CARROS AUTÔNOMOS
Ronaldo Lemos

O conceito de inteligência artificial faz 50 anos neste mês. O termo é creditado a John McCarthy, professor de matemática do Dartmouth College, nos Estados Unidos.

Ele adotou a expressão em 1956 em uma conferência para trabalhar "a conjectura de que todos os aspectos do aprendizado e outras características da inteligência podem em princípio ser precisamente descritas de modo que uma máquina seja capaz de simulá-las".

Para celebrar a data, vale voltar a 1942, quando o escritor de ficção científica Isaac Asimov criou suas três leis da robótica.

A primeira diz que "um robô não pode ferir um ser humano".

A segunda diz que o robô "deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos", exceto se houver conflito com a primeira lei.

A terceira diz que o robô "deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda lei".

Nessa época, a ideia de automação ainda pertencia ao território da ficção. Hoje, essa questão não só está entre nós de forma prática como gera questões que dão curto-circuito nas leis de Asimov. Criar princípios éticos para automação deixou de ser um exercício literário para se tornar uma questão prática urgente.

Basta perguntar à Alemanha. Em junho, o Ministério do Transporte e da Infraestrutura Digital daquele país publicou um relatório estabelecendo os princípios básicos que deverão ser aplicados pelos carros autônomos.

Como se sabe, estamos no limiar do momento em que esses carros começarão a tomar as ruas das cidades.

A questão é que inevitavelmente haverá situações em que a máquina (guiada por software) precisará tomar decisões "éticas" que terão impacto na vida e na integridade física de seres humanos. Em outras palavras, as leis da robótica clássicas são insuficientes para resolver essas situações.

Tanto é que o documento alemão traz não três, mas 20 princípios que deverão ser respeitados pelos carros autônomos.

A leitura do documento é fascinante. Há princípios gerais como a determinação de que "o propósito das modalidades autônomas de transporte é melhorar a segurança" e que "a proteção de indivíduos tem precedência sobre qualquer outra consideração utilitária".

No entanto, acidentes muitas vezes serão inevitáveis. Nesses casos, "os sistemas devem ser programados para aceitar danos a animais ou a propriedades se isso significar a segurança de pessoas".

Além disso, em tragédias iminentes, "é estritamente proibido fazer distinções com base em características pessoais (idade, gênero, estado mental etc.)" sobre quem será atingido. É também proibido por considerações utilitárias "sacrificar qualquer pessoa não envolvida na geração dos riscos de mobilidade".

Em outras palavras, vamos precisar ensinar às máquinas coisas que nós, humanos, nem sequer sabemos enunciar precisamente, como moralidade e bom senso. Se John McCarthy estivesse vivo, convocaria uma conferência para trabalhar com a "ética artificial".

Fonte: Folha de São Paulo, 31/7/2017

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

DOS MEUS LIVROS

O Homem que sabia Javanês e outros contos - Lima Barreto

Comentário:

Lima Barreto é considerado um dos mais importantes escritores brasileiros, embora pouco conhecido em Portugal. Viveu na transição do século XIX para o XX pelo que o seu estilo enquadra-se no realismo então em voga, essencialmente na ênfase que dá à crítica social e política.Mas esta obra vai mais além; o sentido de humor e a sátiratornam este livro delicioso de ler.

O seu estilo é leve, fluido, direto, colocando a narração dos factos acima de quaisquer considerações ou descrições exageradas. A sua linguagem é acessível e sempre bem-humorada.

Desta edição do Polo Editorial do Paraná constam 17 pequenas narrativas. O conto que dá título ao livro é uma pérola; uma preciosidade pela crítica deliciosa e bem-disposta à forma como algumas pessoas ascendem socialmente. O homem não sabia absolutamente nada de javanês. Mas fingiu que sabia e acabou ensinando essa estranha língua e daí à subida na escala política foi um pequeno passo. 
O homem não era inteligente; era esperto; e é essa esperteza saloia, tão típica dos políticos que aqui é retratada e satirizada.

Mas há muitos outros tipos sociais retratados e por vezes parodiados nestes contos e dos quais aponto alguns exemplos. 

Em Três Génios de Secretaria, a crítica ao funcionalismo público: negligente, incompetente, maledicente. Mas todos temos um pouco de funcionário público: “todos nós nascemos para empregado público”. A burocracia, bem kafkiana é a lógica do sistema – a lógica da idiotice em que todos, afinal, com o nosso espírito de funcionário público, nos enquadramos.

Em O Número da Sepultura conta-se a história de Zilda, esposa clássica, recatada e de bons costumes, a quem uma vez aconteceu algo de pouco habitual. Mas só uma vez… É a sátira à classe média, a pequena burguesia sem grandes aspirações, por isso mesmo conservadora nos costumes e reticente a qualquer risco.

Em O Falso Dom Henrique V, Lima Barreto constrói uma narrativa completamente diferente: cria um contexto histórico para o qual transpõe a acérrima crítica política às realidades do seu tempo, nomeadamente às políticas sociais injustas e às intrigas palacianas em que “vale tudo” para atingir o poder político.

O pequeno conto O Pecado constitui uma crítica brutal à igreja católica.

No conto O Filho de Gabriela, Lima Barreto explica de que forma a origem social e, principalmente, a consciência dessa origem social condicionam a vida de qualquer ser humano. Horácio nasceu pobre e enjeitado; os seus pais adotivos, no entanto, nunca deixaram de lhe fazer sentir a distância que a sua condição impunha; e seria o próprio Horácio a interiorizar a sua inferioridade. Com consequências terríveis.

Em jeito de conclusão podemos dizer que estamos perante um livro que consegue aliar de forma notável as mensagens que o autor quer transmitir a um formato de leitura muito agradável. E quando assim é, só se pode dizer que vale a pena ler!

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

FATO INÉDITO

FATO INÉDITO
Pedro do Coutto

Charge do Laerte
Fato inédito na História: a Polícia Federal demoliu o governo Michel Temer

Manchete principal nas edições desta terça-feira de O Estado de São Paulo e de O Globo, a Polícia Federal acusou frontalmente Michel Temer, Gedel Vieira Lima e Eduardo Cunha, além dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco de corrupção organizada e irrigada por um lance de propina no montante de 31 milhões de reais. No Estado de São Paulo a reportagem é de Beatriz Gulla, Fábio Serapião e Andreza Mataes, no Globo matéria de página inteira saiu sem assinatura. Mas assinada por Bruno Pires no Estadão, que destacou a versão de Joesley Batista a respeito de como subornava políticos do país.

A Polícia Federal disparou a reação provavelmente contra a iniciativa do ministro Torquato Jardim de substituir Leandro Daielo da direção geral da PF. Mas este aspecto, quanto à motivação, importa pouco. O essencial é que jamais na História do Brasil, até esta terça-feira, a Polícia Federal havia formulado denúncia tão frontal contra um presidente da República, em particular, e contra um governo de modo geral.

UM VENDAVAL – Causou assim um impacto da força de um vendaval que demoliu o esquema de poder, como comprova a falta de reação do Planalto a uma entidade de segundo escalão na hierarquia ministerial. O governo explodiu e a demolição tornou-se o cenário do poder. O Globo e O Estado de São Paulo que ontem circularam vão se tornar peças importantes de um triste período da vida brasileira. A Esplanada do Ministérios em Brasília foi varrida do mapa da moralidade pública.

A tal ponto que o único reflexo assinalado por Brasília foi o da indicação do deputado Carlos Marun para relator da CPMI para desinvestigar Joesley Batista e a atuação da JBS no panorama governamental. A reação descambou para o ridículo, na medida em que atribuiu a Marun uma reação impossível. Pois o deputado é o relator mas não é o único tradutor dos caminhos que a Comissão Parlamentar Mista, de Senado e Câmara, vai percorrer. A CPMI inevitavelmente terá que convocar Joesley Batista e Rodrigo Janot, sob pena de tornar-se uma tentativa frustrada, logo na decolagem para o reino da fantasia.

MANOBRA INÚTIL – A representação parlamentar do governo pode incluir a maioria de senadores e deputados, mas nunca a totalidade de seus integrantes. Assim o projeto de desviar as atenções da opinião pública e a busca de diluir as denúncias não surtirão efeito favorável ao sistema de poder. Pelo contrário. As sessões do reino fantástico vão esbarrar na cortina do irrealismo implantado pela verdade dos fatos e pela consciência da população brasileira.

A manobra saiu pela culatra. O Planalto esqueceu os jornais e as emissoras de televisão que vão acompanhar o desenrolar das cenas que ficarão gravadas na memória. A exemplo das gravações de Joesley Batista e Ricardo Saud, da filmagem de Rocha Loures, da gravação do encontro noturno do controlador da JBS com o presidente da República na residência oficial de Michel Temer, no Palácio Jaburu.

A soma dos fatores conduz a um resultado péssimo para o governo, que, nesta altura dramática do desabamento, está sendo exposto com luzes fortes ao julgamento popular. Do julgamento popular surgirão reflexos que vão emoldurar o episódio desencadeado pela Polícia Federal no mapa da História do Brasil para sempre.

Fonte: Tribuna da Internet

terça-feira, 12 de setembro de 2017

ACIDENTES ACONTECEM

ACIDENTES ACONTECEM
Ruy Castro

Uma conhecida minha levou o celular para o chuveiro —não consegue se desgrudar dele— e, em meio ao banho, usou-o sem querer como sabonete. Os celulares têm muitos usos, mas este não é um deles —por enquanto. Outro amigo distraído teve a gravata engolida pela impressora e esta já começava a estrangulá-lo. Foi salvo por sua secretária, que percebeu a iminência da tragédia, correu e apertou o botão de desligar. Acidentes acontecem.

Uma das histórias mais hilariantes contadas pela atriz Carrie Fisher em seu livro "Wishful Drinking" foi a de como seu pai, o cantor Eddie Fisher, já velho, mandou para dentro, com água, seu próprio aparelho para surdez, pensando que era a bolinha que tomava para dormir. Resultado: passou a noite em claro, mas escutando cada ruído de sua flora intestinal.

E minha amiga Ana Luiza Pinheiro, em adolescente, surpreendeu-se ao ver seu pai de gatinhas, no chão do quarto, tentando matar um inseto com o chinelo. "É uma aranha!", exclamou ele. Ana Luiza aproximou-se e constatou que a aranha vislumbrada por seu pai era apenas seu cílio postiço. Os cílios postiços dos anos 70 eram assim, exuberantes.

Mas nada supera a história que me juraram ter acontecido no velório do sambista João Nogueira, em 2000. Ele era um artista muito querido, daí as cenas de comoção na capela do São João Batista. Um dos mais inconformados era um fã tocado pelo álcool, que se debruçava, descontrolado, chorando sobre o caixão. Quando as pessoas tentaram consolá-lo –"Calma, meu senhor!"–, ele se debateu e sua dentadura escapou e caiu sobre o peito de João Nogueira.

Seguiu-se um momento de mal-estar. Ninguém parecia disposto a pescar aquele objeto. E o homem não se deu por achado. Sem parar de chorar, disse, embargado: "Vai, João! Leva contigo o meu último sorriso!".

Fonte: Folha de S. Paulo

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A HONRA E O CRIME

A HONRA E O CRIME
Carlos Heitor Cony

"Somos um povo honrado, governado por ladrões". A frase não é minha, é de Carlos Lacerda, na campanha que terminou com o suicídio de Getulio Vargas. De minha parte, não considero o povo brasileiro tão honrado assim. É um povo bom, capaz de fazer algumas maravilhas, inclusive nas duas pontas da moral política.

O exemplo mais evidente é a representação política que elege parlamentares de todos os níveis (senadores, deputados e vereadores), que se notabilizam pelas propinas, que incluem desde o dinheiro até a dança dos cargos públicos.

Até certo ponto, as exceções são poucas e nem sempre reconhecidas pelo voto popular. Pode-se dizer que outros países apresentam o mesmo perfil político. Quanto aos ladrões que nos governam, há exceções, mas poucas. Um dos mistérios que nunca decifrei foram os momentos de progresso que tivemos. Progresso que nem sempre foi isento de maracutaias, que não foram punidas pela opinião do povo, que insiste em votar em políticos notórios pela insensibilidade com os problemas nacionais e que eventualmente terminam nas grades da polícia.

A Operação Lava Jato procura, com muita dificuldade, punir os casos mais berrantes da improbidade pública. Os equívocos são muitos e até mesmo ridículos. Houve num país sul-americano a descoberta de que a primeira-dama tinha sapatos demais. Também a mulher de um ex-presidente comprava um milhão de roupas. Atualmente temos o caso de Sérgio Cabral Filho, que colecionava joias.

A frase de Lacerda, em 1954, continua valendo, mas é discutível a honradez do povo, que pratica a violência em vários níveis, até mesmo no futebol. O pior não é isso: a incapacidade de escolher representantes, insistindo em mandar para o Legislativo alguns políticos escandalosamente corruptos. 

Fonte: Folha de S. Paulo

LIVRAI-NOS DE TODO O MAL

Hélio Schwartsman

Sem capital político para aprovar a reforma da Previdência, o governo Temer busca comprar a confiança do mercado com uma agenda ambiciosa de privatizações.

Para os entusiastas do mercado, privatizações são uma espécie de pílula mágica, que resolve todos os problemas. Elas não apenas serviriam para tornar a economia mais eficiente (melhores produtos e serviços a preços mais baixos) e reduzir o tamanho do Estado como ainda permitem ao país fazer caixa para reduzir dívida e juros.

Já para a esquerda, privatizações são tóxicas. Seriam uma forma ardilosa de transferir patrimônio público para as mãos de particulares e ainda reduzir o poder do Estado de promover o bem comum. Mesmo quando recorrem a elas, governos que se dizem de esquerda se desdobram para nunca chamá-las pelo nome. Dilma, por exemplo, recorreu ao eufemismo "concessões", que nada mais são que privatizações por prazo fixo.

Obviamente, nenhuma dessas posições, que retratei de forma caricata, admito, para em pé. Há exemplos históricos de privatizações que deram certo, revertendo em maior eficiência e justa remuneração pela alienação patrimonial, e de transferências que são mais bem descritas como roubalheira descarada. O modo como o processo é conduzido importa mais do que os conceitos teóricos.

No caso do Brasil de hoje, vejo as privatizações como algo interessante. Não tanto por acreditar que obteremos grandes ganhos de eficiência ou atingiremos preços fantásticos, mas simplesmente porque reduziríamos a influência de políticos sobre setores importantes da economia.

No nosso presidencialismo de cooptação, a distribuição de cargos de empresas públicas segundo interesses políticos não só abre avenidas para a corrupção (como vimos com as diretorias da Petrobras) como ainda tende a resultar em chefias menos competentes que o possível. Só nos livrar disso já seria um bom negócio.

Fonte: Folha de S. Paulo

domingo, 10 de setembro de 2017

PROBLEMAS REAIS

Hélio Schwartsman

Estou curioso para ler "Só Mais um Esforço", livro que meu colega colunista Vladimir Safatle lança este mês, mas do qual a "Ilustríssima" já antecipou trechos.

Dentre as muitas ideias que o autor apresentou nessa prévia, destaco uma que gostaria de explorar melhor. Safatle faz uma crítica da tecnocracia que, segundo ele, procura transmutar "uma guerra civil contra setores pauperizados" num discurso de racionalidade econômica, no qual medidas como a reforma da Previdência são descritas como "remédio amargo, porém necessário". Para o autor, a tecnocracia tenta pintar os que criticam sua lógica "como uma criança que crê na onipotência do pensamento, incapaz de lidar com o princípio de realidade que ensina que só posso gastar o que ganho".

Não discordo da tese geral de que com frequência setores da sociedade procuram revestir suas opções políticas de uma suposta universalidade científica. Reconhecer isso, porém, não significa que não existam problemas técnicos de verdade que demandam solução. E a situação fiscal brasileira, eu receio, é um deles.

Proponho um experimento mental. O candidato do PSOL, ou mesmo Lula, venceu a eleição presidencial e, a partir do dia 1º de janeiro de 2019, terá um país e um orçamento para administrar. A situação não é das mais tranquilas. Nossas despesas aumentam num ritmo superior ao das receitas e há uma regra, a do teto, que limita o crescimento das despesas do governo aos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. O que ele vai fazer para lidar com isso?

Só vejo três caminhos, ou se cortam despesas, notadamente na Previdência, que é onde o crescimento dos gastos ocorre de forma vegetativa, ou se aumentam as receitas (via impostos ou dívida), ou se deixa a inflação subir até ajustar as contas.

Seria importante que todos os candidatos dissessem honestamente como pretendem lidar com o problema, que, infelizmente, não é imaginário.

Fonte: Folha de S. Paulo

ASCENSÃO E QUEDA DO "THE DAO"

ASCENSÃO E QUEDA DO "THE DAO"
Ronaldo Lemos 

Quem acha que a era dos grandes épicos já passou está redondamente enganado. Ou melhor, digitalmente enganado. Neste exato momento, está acontecendo uma das batalhas mais épicas dos nossos tempos. Não duvido de que no futuro vire filme ou até mesmo mito de criação.

Trata-se da disputa em torno do projeto "The DAO", que levantou US$ 160 milhões — o maior financiamento coletivo da história — com o propósito de construir uma "Organização Autônoma Descentralizada (Descentralized Autonomous Organization)".

O nome designa entidades que se autoadministram por meio de instruções pré-programadas, sem a necessidade de intervenção humana. Uma vez criadas, são imparáveis. Para desligá-las, é preciso desligar a internet como um todo.

Tudo ia bem até que um ataque hacker conseguiu desviar US$ 50 milhões dos fundos, seguindo as regras do próprio sistema. O ataque foi complexo: conseguiu criar divisões e subdivisões consecutivas do dinheiro, extraindo recursos a cada rodada.

O propósito do projeto "The DAO" era justamente financiar o desenvolvimento de outras DAOs, acelerando o advento desse tipo de organização. No entanto, o hacker conseguiu fazer com que o dinheiro estivesse pronto para ir ao seu próprio bolso. O que mostra o elemento "humano" que se manifesta até em face de uma fria organização técnica.

Até aqui já temos enredo para uma boa reflexão sobre a alma humana. Mas a história ganha níveis shakespearianos. Logo após o incidente, a comunidade que investiu no projeto se dividiu no melhor estilo "Rei Lear".

De um lado, um grupo propondo que todo o sistema voltasse atrás para devolver o recuso desviado, uma bomba atômica para própria essência dos DAOs. De outro, o grupo contrário a isso, defendendo medidas menos dramáticas, como banir endereços identificados com o ataque. Iniciou-se assim uma batalha fratricida, que continua até agora.

Enquanto isso, outro grupo deixou de lado o embate existencial e partiu para uma solução prática. Esse segmento, autodenominado "Robin Hood", decidiu fazer o hacker provar seu próprio remédio. Organizou-se para tomar de volta os recursos desviados pelo hacker, usando o mesmo método desenvolvido por ele. Até o presente momento, a iniciativa tem sido bem-sucedida e conseguiu recuperar parte da pilhagem, que será retornada ao "The DAO" original. Faz parte desse grupo "Robin Hood" o brasileiro Alex Van De Sande.

A genialidade por traz desses ataques e contra-ataques é de tirar o fôlego. Teve gente dizendo que o incidente prenuncia o fim do sonho das DAOs. Outros afirmam que esse é só o batismo de fogo. Na minha visão, as DAOs terão um futuro promissor se aprenderem a dialogar com uma outra tecnologia milenar: o direito, instituição humana que muitos entusiastas das DAOs adoram desprezar. Essas duas forças, se juntas, poderão almejar transformar as organizações planetárias.

Fonte: Folha de S. Paulo

sábado, 9 de setembro de 2017

SE NÃO É FÁCIL, É CORRIQUEIRO

SE NÃO É FÁCIL, É CORRIQUEIRO
José Roberto de Toledo - Estadão

Como é possível arrumar tanto dinheiro vivo? Se não é fácil, é corriqueiro

Como diriam na Bahia, é dinheiro pra Geddel. R$ 51 milhões equivalem a 102 Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – agora rebaixado a “deputado da nécessaire”, pela comparação de sua humilde valise de R$ 500 mil com as malas e caixas milionárias apreendidas pela Polícia Federal num apartamento em Salvador. A grana que, de tão volumosa, levou um dia para ser contada pertence ao primeiro ministro a ocupar a Secretaria de Governo de Temer, o ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), diz a PF.

Geddel e Loures foram contemporâneos no Palácio do Planalto, mas com status distintos. O ex-ministro cultiva laços com Temer há mais de 20 anos, desde quando lideravam a bancada do PMDB na Câmara. Já Loures começou a secretariar Temer quando este era vice decorativo. Ressalvado que correlação não implica causalidade, a diferença na ordem de grandeza das apreensões é proporcional à longevidade das relações de cada um com o chefe.

MUITO DINHEIRO – E que grandeza: R$ 42.643.500,00 + US$ 2.688.000,00. Para se ter ideia do que é preciso para amealhar tantas notas quantas a polícia achou no “bunker do Geddel”, o PCC precisa explodir 116 caixas eletrônicos para chegar nesse montante – e apenas se todas as máquinas retiverem o máximo de R$ 440 mil que podem armazenar. Como se vê, roubar banco parece ser mais trabalhoso.

Como é possível arrumar tanto dinheiro vivo? Se não é fácil, é corriqueiro. Só nos primeiros sete meses deste ano, o Coaf foi comunicado pelos bancos sobre 638 mil movimentações em espécie superiores a R$ 100 mil. Dá mais de 3 mil transações dessa monta por dia – somando mais de R$ 100 bilhões por ano. Quem fiscaliza tudo isso? Exato.

NÃO É “BUNKER” – Foi exagero dos policiais chamar o apartamento de “bunker”. É o oposto, tão desguarnecidos estavam os R$ 51 milhões. Precursor de Maluf no governo paulista, Adhemar de Barros também guardava dinheiro em casa de terceiros, mas usava um cofre. As milhares de cédulas de R$ 100 e R$ 50 atribuídas a Geddel estavam metidas em sete caixas de papelão e oito malas sem rodinha. Evocam uma esteira de aeroporto do interior, não uma fortaleza.

Tanto descaso com dinheiro, mesmo que seja alheio, não combina com a descrição feita por Temer do seu então braço direito no governo. Em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador, em 2016, o presidente sintetizou assim sua relação com o subordinado no Planalto: “Me ajuda muito. Geddel – você o conhece aí da Bahia, não é? – faz um trabalho excepcional, é de uma velocidade de raciocínio, é de uma velocidade de ação que ajuda muitíssimo”. Dá para imaginar.

Menos de dois meses após a entrevista, o “trabalho excepcional” chegava ao fim. Acusado de pressionar o ministro da Cultura para aprovar um prédio – no qual tinha apartamento em “andar alto” – em área tombada de Salvador, Geddel caiu. Endereçou o e-mail de demissão ao “meu fraterno amigo presidente Michel Temer”. A fraternidade continuou.

OBSTRUÇÃO À JUSTIÇA – Geddel foi preso há dois meses, acusado de pagar para que nem o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, nem seu operador financeiro, Lúcio Funaro, fizessem delação premiada. A delação de Funaro serve de base para um novo pedido de investigação de Temer.

O vídeo de um apressado Rocha Loures arrastando a mala com R$ 500 mil de propina não sensibilizou 342 deputados a abrirem investigação contra o presidente. E 15 caixas e malas abarrotadas de reais? Sensíveis que são a imagens de numerário, nem assim é provável que suficientes deputados mudem de opinião. Só lhes importa agora ir à revanche contra o acusador de Temer.

O jogo virou. Acusadores viraram acusados. Sorte de Geddel. Sorte de Temer. Se é que sorte tem a ver com isso.

Fonte: Tribuna da Internet

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

DOS MEUS LIVROS

Moby Dick - Herman Melville

Comentário:
Moby Dick é um clássico da literatura mundial. Escrito e publicado em meados desse grande século que foi, para a literatura, o XIX, não obteve desde logo grande sucesso e a sua genialidade só viria a ser reconhecida no século XX.

Não é, reconheçamos, um livro capaz de agradar a todos os leitores; quem aprecia narrativas cheias de ação e de incerteza (vulgo suspense) não será certamente o livro ideal. Pelo contrário o livro deixará maravilhado aquele leitor que gosta de aprender algo e que aprecia uma leitura com um toque filosófico. Penso ser o meu caso e por isso “devorei” o livro; foram 830 páginas que sorvi com interesse e deleite. 

Moby Dick não é uma baleia branca; é um cachalote branco com o tamanho magnífico de 90 pés (mais de 27 metros) e o livro, a propósito da caça movida a esse animal, leva ao autor a “ensinar-nos” tudo quanto no seu tempo se sabia sobre baleias e cachalotes. Assim, o livro é antes de mais extremamente pedagógico sobre estes animais mas também sobre a vida marinha, sobre a navegação à vela, sobre os hábitos e sobre a vida dos caçadores. Tudo isto é contado no discurso direto do personagem Ismael, um marinheiro de segunda ao serviço dessa personagem magnífica que é o capitão Ahab.

Para lá desse lado pedagógico há, evidentemente, a narrativa da viagem. E aí perpassa um profundo humanismo como ideia básica da filosofia de Melville – da tripulação fazem parte brancos, asiáticos, índios e negros, o que é curioso tratando-se de um conjunto de apenas vinte e poucos homens; e a relação entre estes diferentes personagens é perfeita na solidariedade, na amizade mesmo.

Mas a ideia fundamental do livro é esta: quão pequenos somos nós, humanos, perante a natureza; é a mesma ideia que o Antigo Testamento nos apresenta quando nos descreve o episódio de Jonas no ventre da baleia - a pequenez, a humildade que o ser humano deve ter sempre perante o natural e o sobrenatural. Aqui, Ahab, o capitão que persegue Moby Dick, não cai nos extremos de odiar nem de venerar o enorme animal; o seu sentimento é de respeito. E esse respeito leva a que a luta entre homem e animal tenha de ser igual. No final dá-se o confronto do qual, evidentemente não vou revelar o resultado; posso apenas dizer que é um final magnífico.

SINOPSE
Mas Ahab, quando se dirige à tripulação apelando para que o ajudem na sua demanda vingativa de caçar e matar a invencível Moby Dick, a branca baleia-leviatã, consegue reunir todos à sua volta, incluindo Starbuck, o relutante primeiro-oficial. Independentemente do grau da sua culpa (a escolha da tripulação era livre, ainda que apenas a recusa geral pudesse detê-lo), é melhor pensar no capitao do Pequod como num protagonista trágico, muito próximo de Macbeth e do Satanás de Milton. Na sua obsessão visionária, Ahab tem em si algo de quixotesco, apesar da sua dureza não ter nada em comum com o espírito de jogo do Quixote.

Fonte: aminhaestante.blogspot.com.br

PERSONAGEM DE RENÉ CLAIR

PERSONAGEM DE RENÉ CLAIR
Pedro do Coutto

Charge do Renan Lima
Geddel, como personagem de René Clair, num mar de dinheiro e corrupção

Reportagens dos quatro maiores jornais do país, O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e o Valor, publicaram com grande destaque, aliás merecido, que a Polícia Federal – apreendeu 51 milhões de reais, propriedade de Geddel Vieira Lima, espalhados pelo chão, em malas num apartamento cedido ao ex-ministro para guarda de objetos de família. A justificativa (falsa) explodiu na televisão e na imprensa como uma prova direta da corrupção desencadeada no país e que a cada dia parece ser maior do que se pensava na véspera.

Geddel Vieira Lima realizou na vida real a história de um personagem do diretor francês René Clair, um homem que adorava estender-se sobre colchões de dinheiro. O nome do filme é Monsieur Bancô (pronúncia francesa). O episódio de Salvador fica depositado na memória ao lado daquela obra. Gedel foi ministro do governo Michel Temer e antes vice-presidente da Caixa Econômica Federal do governo Dilma Rousseff e ministro de Lula.

PAPEL DE DESTAQUE – Geddel não é o único protagonista do assalto aos cofres públicos, mas inegavelmente integra o elenco, com papel de destaqie. Como é possível explicar a propriedade dos R$ 51 milhões que repousavam no apartamento de Salvador.

Mas se esta é uma comprovação, ao lado existem enigmas a serem decifrados. Um deles a gravação de Joesley Batista e Ricardo Saud que foi parar nas mãos do Procurador Geral Rodrigo Janot. O Procurador Geral, na minha opinião, à primeira vista parece ter se precipitado, quando disse que existiam fatos gravíssimos nas gravações de quatro horas envolvendo até o Supremo Tribunal Federal.

Pelo que se leu nos jornais, relativamente ao Supremo existem apenas generalidades e nenhum comprometimento dos ministros citados, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandovsky e Gilmar Mendes.

EX-PROCURADOR – O fato importante refere-se ao ex-procurador Marcelo Miller, apontado como uma espécie de ponte entre a JBS e a delação de seu controlador majoritário.

A verdade é que essas últimas gravações, a rigor, não desqualificam a conversa gravada no Palácio Jaburu e tampouco o filme que destaca a corrida de Rodrigo Rocha Loures na noite paulista. Mas abre pelo menos uma perspectiva de redução da carga política contra o presidente Michel Temer. A menos que a delação do doleiro Lúcio Funaro, homologada pelo ministro Edson Fachin, possa reacender a temperatura em torno do Palácio do Planalto e do PMDB. Temos que esperar os próximos desdobramentos. Michel Temer está de retorno da China. Porém veio informado plenamente dos últimos acontecimentos. Não trazem alívio para aqueles que direta, ou indiretamente participaram da avalanche de dinheiro que foi retirado dos cofres públicos.

BOLSO DO POVO – Esta conta foi transferida para a população brasileira. As empreiteiras e fornecedores de notas frias não perderam nada. Descontaram as diferenças roubando o bolso do povo.

Uma coisa entretanto é certa: com Janot ou Rachel Dodge na Procuradoria Geral da República, o roubo vai diminuir consideravelmente. E em velocidade a jato, a exemplo da operação do mesmo nome.

Fonte: Tribuna da Internet

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

UMA DIZ. A OUTRA DESDIZ

Ruy Castro

Os sites de curiosidades que abundam online celebraram outro dia os 20 anos de Janus, uma tartaruga residente na Suíça. Até aí, nada demais, e nem os 20 anos de uma tartaruga são notícia –sabe-se de algumas que chegaram a quase 200, como a famosa Harriet, que já era adulta quando foi estudada pessoalmente por Charles Darwin para seu livro "A Origem das Espécies", de 1859, e só morreu em 2006. Mas Janus tem uma característica: é uma tartaruga de duas cabeças.

Tartarugas de duas cabeças também não são incomuns. Às vezes nasce uma delas, dizem que por má separação dos embriões. Só que, em seu habitat natural, têm vida curta porque, como costumam ter também seis patas, movem-se com dificuldade e são presa fácil de predadores. Mas Janus está a salvo: seu lar é o Museu de História Natural de Genebra, onde lhe fazem todas as vontades e passam o dia alimentando-a com folhas verdes e deliciosas. O nome Janus é o do deus romano de duas faces —uma virada para a frente, outra, para trás—, que lhe permitem ver o presente e o passado e cuidar das mudanças e transições.

Ao ler isto, não pude deixar de pensar em Michel Temer. Ele também parece ter duas cabeças. Uma diz uma coisa e a outra, em seguida, volta atrás e desdiz. Nas tartarugas, isso não altera a ordem das coisas, mas não fica bem em presidentes. E tem sido assim desde o começo de seu governo —promessas que não se cumprem, decisões que se revelam desastrosas e são abandonadas e uma formidável capacidade de fazer de conta que esse vai-não-vai levará o país a algum lugar.

A exemplo de Janus —o deus, não a tartaruga—, Temer devia estar cuidando das mudanças e transições. Pois esqueça. E, assim como Janus —a tartaruga, não o deus—, dizem que ele também gosta de folhas verdes.

Nesse caso, não esqueça.

Fonte: Folha de S. Paulo