O RELATÓRIO DO CONSELHEIRO ZACARIAS (2)
É incontestável a predominância da ênclise:
11) Um pardinho, seu escravo, matou-o a facadas.
12) O ex-administrador de uma das barreiras da província, ao receber a demissão, que aliás pedira, dirigiu-se, acompanhado de escravos, [...], à casa da administração.
Nem mesmo o pronome relativo QUE atrai o pronome átono em todas as ocasiões:
13) E na verdade assim foi, pois descobriu-se o cadáver do infeliz sepultado defronte de sua casa, e soube-seque, recolhido uma noite ao seu quarto, foi, quando profundamente dormia, acometido pela mulher, que descarregou-lhe um golpe de machado, de que instantaneamente perecera, ajudada nesse horrível crime, e no ato de sepultar o cadáver, pela filha, que acompanhou-a na fuga.
14) O vasto poncho, de que serve-se a maioria dos habitantes [...].
Pela norma canônica, não se deve usar a ênclise quando se tem a sequência QUE + VERBO PRINCIPAL. No entanto, por maior que seja a censura nesse ponto, é cada vez mais comum no séc. 21 esse uso tão criticado no séc. 20 e habitual no séc. 19. Mas eis que aparece o emprego considerado “puro”:
15) Recebiam do abastado e humano fazendeiro provas de amizade nos presentes que lhes dava.
Também casos de próclise tornam-se visíveis no relatório do Conselheiro Zacarias:
16) [...] recursos com que, provavelmente, por algum tempo ainda se há de contar na província. [A preferência brasileira hoje seria “ainda há de se contar”.]
17) Tendo assaltado a fazenda do alferes D. F. Machado, matou-o e a oito de sua família. No mesmo dia [...] pessoas da casa resistiram-lhes com energia, até que, socorridas oportunamente, os puderam repelir. [O pronome átono mesmo depois da vírgula!]
18) Foram [...] remetidas para Castro, onde se lhes fez o competente processo.
19) Banhada, de um lado pelo Oceano, onde lhe não faltam bons portos, de outro pelo majestoso Paraná, [...] com terrenos fertilíssimos, que prestam-se aos mais abundantes e variados produtos.
20) Expediu ordem para que a força pública, em vez de concentrar-se na vila, como era de costume, se postasse e percorresse aqueles lugares.
21) Este magistrado [...] autorizou que uma força composta de 40 a 60 homens se pusesse no encalço deles, e os afugentasse daqueles lugares.
Não é “proibido” usar a ênclise com verbos no pretérito imperfeito do subjuntivo, tempo em que estão conjugados os três últimos verbos grifados, mas de fato não soaria bem escrever “postasse-se, pusesse-se”. Vale lembrar: o que preside a colocação pronominal é antes de tudo a eufonia.
Por fim, mais duas locuções verbais: a de número 22 confirma a ênclise usual quando o verbo principal está no infinitivo. Encontrando um particípio (com o qual jamais se usa a ênclise), o Conselheiro juntou o pronome átono ao verbo auxiliar (frase 23), a despeito da negativa em frente:
22) [...] onde a ação da polícia pôde tornar-se mais efetiva.
23) A catástrofe de fevereiro felizmente não tem-se reproduzido [...].
Nós brasileiros, de acordo com nossa pronúncia, hoje escreveríamos assim: felizmente não tem se reproduzido.
Fonte: www.linguabrasil.com.br
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