Dois problemas atrapalham os cronistas: muito assunto e nenhum assunto. Este dá mais liberdade, mas nem sempre agrada o leitor. Muito assunto provoca um tipo de concorrência, porque todos falam mais ou menos a mesma coisa. Cabe ao leitor escolher o texto que mais lhe agrada.
A política está fervendo. Cada um escolhe o seu vilão preferencial e quase todos preferem e brigam por seus varões de Plutarco. As escolhas são livres e mais ou menos previsíveis. Na Venezuela, o ditador Chávez juntava uma multidão para ouvir seus ataques ao imperialismo americano.
Mas não ficava nisso. No início de seus discursos, fazia um "pelo sinal da santa cruz, livrai-nos Deus dos nossos inimigos, assim na terra como no céu, e dai-nos o pão de cada dia". O povo benzia-se e votava nele apesar da truculência de seu governo. Durante a ditadura dos militares brasileiros, tive de me autoexilar em Cuba, onde eu ouvi centenas de discursos de Fidel Castro.
Na ocasião, escrevi uma crônica no "Correio da Manhã" dizendo que o mal da América Latina não era o subdesenvolvimento nem o imperialismo norte-americano, mas a retórica.
Felizmente, a crise brasileira que estamos atravessando não é ideológica nem pode ser definida como uma crise moral. Ninguém está brigando por causa da Síria, de Israel ou da Palestina. A crise de hoje é para saber quem roubou mais, quem mandou mais dinheiro para o exterior. Bem verdade que a mídia tem a sua retórica, que se torna redundante, com os mesmos nomes e mais ou menos com o mesmo dinheiro que nos foi roubado.
Em 1964, o grande assunto era o Vietnã e as chacretes do Chacrinha. Correndo por fora, os gols de Pelé, o repertório de Roberto Carlos e o cinema novo. Hoje, com Temer, Lula e Sergio Moro, consideramos aquele período como o mais feliz de nossa história.
Fonte: Folha de S. Paulo - 06/08/2017
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