terça-feira, 4 de outubro de 2022

DERRUBANDO MITOS

Hélio Schwartsman

Gosto da ideia de derrubar estátuas de personagens do passado que o presente se encarregou de tornar polêmicos; reluto mais em mudar nomes de ruas. A diferença é que, enquanto esculturas servem apenas para enaltecer o homenageado, topônimos exercem uma função referencial importante para as pessoas, como localizar um endereço, e isso exige estabilidade.

O ponto que eu gostaria de discutir, porém, é outro. Movimentos iconoclastas, embora tenham o mérito de nos fazer questionar a história oficial, encerram o risco de simplificar demais as coisas e nos lançar num maniqueísmo tacanho. Em história, anacronismos e interpretações muito fáceis raramente param em pé.

O caso das estátuas do general Robert Lee, que estão sendo removidas, é exemplar. Lee, como comandante militar das forças confederadas, defendia a manutenção da escravidão, enquanto seus oponentes, liderados pelo presidente Abraham Lincoln, lutavam pela abolição. Até aqui, tudo bem. Recairá em erro, porém, quem tentar reduzir a Guerra Civil americana (1861-65) a um combate entre racistas obscurantistas e progressistas iluminados que buscavam assegurar direitos plenos para todos.

"Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade." Essa frase, insuportável para nossas sensibilidades modernas, não foi proferida por Lee, mas por Lincoln. Em meados do século 19, quase todo mundo era racista, e "honest Abe", infelizmente, não figurava entre as exceções.

O problema de leituras maniqueístas é que, ao equiparar o combate ao racismo à eterna luta do bem contra o mal, elas evanescem os incríveis avanços obtidos nos últimos 50 anos.

Fonte: Folha de S. Paulo - 22/08/2017

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