O cinema não aprende. Segundo li na "New Yorker", ele acaba de nos brindar com mais uma refilmagem tímida, "correta" e inútil de um grande filme: a cometida por Sofia Coppola em cima de "O Estranho Que Nós Amamos", já filmado de forma a não restar a menor dúvida, em 1971, por Don Siegel, com Clint Eastwood. Por sorte, há clássicos que jamais serão refilmados. Exemplos?
"Cantando na Chuva" (1952) é um, e não porque nunca haverá outro Gene Kelly. Mas porque a história da atriz que precisa ser dublada não faz mais sentido —hoje, o microfone afinaria automaticamente a sua voz, como faz com a dos não-cantores atuais. O mesmo quanto a "A Princesa e o Plebeu" (1953) —Gregory Peck e Audrey Hepburn seriam obrigados a usar capacete ao disparar de Vespa pelas ruas de Roma, o que arruinaria toda a espontaneidade da sequência.
"Disque M para matar" (1954), de Hitchcock, seria incompreensível em nosso tempo. No filme, o telefone toca e Grace Kelly tem de ir à sala atendê-lo, de costas para uma cortina onde se esconde o homem que seu marido contratou para matá-la. Hoje, o celular estaria onde ela estivesse, não precisaria ir à sala. E "A Marca da Maldade" (1958), de Orson Welles, também não seria mais possível. O filme se passa numa cidade tipo Tijuana, na fronteira entre EUA e México, com americanos e mexicanos zanzando para lá e para cá —o que, na era Trump, ficou impensável.
E "A Doce Vida" (1960), de Fellini? Como filmar a cena do beijo na Fontana di Trevi com a multidão de turistas na fonte? E "West Side Story" (1961)? O que fazer com aquelas falas horríveis sobre os porto-riquenhos? E "007 Contra Goldfinger" (1964)? Como "corrigir" o japonês assassino cujo chapéu-coco tem uma lâmina na aba?
Por fim, para que fracassar com refilmagens se os filmes podem fracassar por si?
Fonte: Folha de S. Paulo - 05/08/2017
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