Você já assistiu
à sequência 400 vezes, mas talvez nunca a tenha visto completa, nos seus
gloriosos 1m e 45s. Uma câmera, do outro lado da calçada, focaliza por 28
segundos a porta de um estacionamento —por ela, passam pessoas e carros.
Finalmente, um homem sai carregando uma mala. Aos 30, para e olha para os
lados, como se certificando de que não é observado. Aos 35, põe a mala no
porta-malas de um táxi. Aos 40, entra no táxi. Aos 45, o táxi arranca. Pelo
minuto seguinte, a câmera, também dentro de um carro, vai perdê-lo no trânsito.
Fim.
Trata-se, claro, da sequência
gravada pela Polícia Federal, em que Rodrigo Rocha Loures deixa o
estacionamento de uma pizzaria em São Paulo, com a mala que lhe foi passada por
um executivo da JBS contendo R$ 500 mil. Pela frequência com que vai ao ar nos
canais de notícias —dezenas de vezes por dia—, logo não haverá um brasileiro
que não a tenha visto.
E, por enquanto, resta a
pergunta: quem gravou? Se fosse um trabalho particular, sujeito a autorização,
seu autor teria o nome no crédito, uma nota a receber e uma carreira pela
frente no cinema nacional. Mas, sendo uma gravação da Polícia Federal, que a
liberou para exibição, ninguém fará jus a royalties. E, no entanto, a sequência
completa sugere uma vocação autoral na mão que segura o celular.
Tem uma tensão típica da Nouvelle
Vague. A cinegrafia lembra os filmes do francês Jean-Pierre Melville ou o
"Taxi Driver", de Martin Scorsese, todos dos anos 70. Rocha Loures
parar e olhar para os lados é um lance de gênio –mostra que o diretor estava
atento. Às vezes, a câmera na mão perde o foco, realçando o realismo, tipo
"cinéma-vérité". Eu, se fosse crítico de cinema, daria bonequinho
aplaudindo.
Para que ir ao cinema se os
melhores filmes de bandido nos entram pelos olhos?
Fonte: Folha de S. Paulo - 01/07/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário