Carlos Heitor Cony
Já chamaram o dinheiro de "excremento do demônio". O filho de um imperador romano reclamou do pai o imposto criado para o uso dos mictórios e latrinas. O pai respondeu: "pecunia non olet", ou seja, o dinheiro não cheira. Agora em tempos de Lava Jato, surgiu a expressão "dinheiro sujo". No fundo, todos têm razão.
Não é exatamente uma definição nova. Na década de 1980, me pediram um roteiro para um filme sobre um inglês que assaltou um trem e fugiu para o Brasil. A Fundação Konrad Adenauer pediu a extradição do criminoso, que se casou com uma brasileira e teve um filho com ela. O pedido foi negado e o ladrão prosperou como guia turístico das verdes matas e das fontes murmurantes.
Fiz o roteiro, estive na Alemanha diversas vezes e afinal me pagaram em marcos. Quando fui descontar o cheque, o funcionário que me atendeu examinou bem a nota e nada me pagou, dizendo que aquele era "Das ist schmutziges Geld". Ou seja, dinheiro sujo.
Como se pode ver, o dinheiro é desprezado em todo o mundo, mas todo mundo luta ou rouba pela "coisa suja", que fede e faz parte da fisiologia do demônio. No Brasil, em forma de propina ou outros macetes, o dinheiro serve para tudo, obras, estradas, cargos, túneis e compra de consciências. Só o diabo conhece o preço em reais ou dólares que movimenta a estrutura e o funcionamento das propinas. Tudo em forma de dinheiro sujo.
"Brazil über alles." Se o interessado somar todas as propinas e roubos do dinheiro nacional, obterá uma fortuna maior do que o produto interno bruto.
Pode-se contestar as quantias que a mídia e os peritos da Justiça divulgam quase diariamente. Mas aí surgem o habeas corpus, as prisões domiciliares e as tornozeleiras eletrônicas. Realmente, o Brasil está acima de tudo.
Fonte: Folha de S. Paulo - 30/07/2017
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