A beleza dos outros
Nosso correspondente britânico
escreveu uma longa crônica para responder à pergunta de uma de suas leitoras.
Querido Mr.Miles: o senhor vive
dizendo que, nas viagens, temos de aprender com os outros. Mas o que a gente
aprende se não entender o idioma?
Penelope Fernandes, por email
Well, my dear, em primeiro lugar
eu gostaria de lembrá-la que a vida inteira é um processo de aprendizado. No
caso dos viajantes, o conhecimento começa até antes do sonho de partir. A
escolha do destino, of course, está ligada a algum tipo de informação: um
livro, um filme, uma reportagem... algo, enfim, que você aprendeu e transformou
em desejo.
Durante o percurso, darling, a
gente aprende o tempo inteiro sem esforço — e isso só não acontece se nos
fecharmos como a casca de uma ostra. Nesse caso, nem seria preciso sair de
casa. A gente aprende como as pessoas se portam; se são quietas ou ruidosas, se
têm programas e preferências que não temos; o que usam para alimentar o corpo e
o que fazem para aliviar a alma; como se vestem, como comem, quais são suas
preferências políticas e quem são seus idolos — escritores, músicos, esportistas,
seja quem for que as represente.
On the other hand, a gente
aprende muito em situações prosaicas ou na descoberta do sequer supunhamos que
existisse. Vou tentar, modestly, ilustrar o que digo com dois pequenos casos. O
primeiro, prosaico e até divertido, diz respeito a um velho amigo brasileiro —
recurso que uso para aproximá-los da cena. Trata-se de um cidadão que foi
visitar Lisboa, uma cidade agradável e cheia de vida nesse novo século. Durante
os diversos passeios que fez, descobriu que havia perdido, em algum lugar, um
volume de Pessoa (N.da R.: Fernando Pessoa, poeta lusitano) que vinha de
adquirir na Livraria Bertrand.
Metódico, esse preclaro amigo,
decidiu refazer o trajeto do dia com o intuito de recuperar a brochura. Foi ao
Parque das Nações, na região leste da capital portuguesa e, procurando sempre,
descobriu que lá havia uma sessão de Perdidos e Achados. "Que engraçado —
comentou o rapaz. No Brasil, chamamos esse serviço de Achados e Perdidos".
Foi brindado com uma resposta
repleta de aprendizado: "Ora — disse-lhe a funcionária de plantão — pois
muito me espanta. O senhor há de convir que primeiro perde-se e depois se acha.
Daí perdidos e achados."
Meu amigo jamais encontrou o
livro. Mas repete, com frequência, a historieta.
Outro episódio repleto de
aprendizado ocorreu em Narai, no Japão, com minha querida amiga Caroline e seu
Gustaf. Narai, para quem não sabe, é uma vila turística que consiste em uma
única rua linda, com um casario coberto de palhas de arroz e pequenas lojinhas.
Caroline constatou, em determinado momento, que a máquina fotográfica, com os
registros de sua tourné em terras nipônicas, havia sumido.
Para reencontrá-la, tentou
contato com os moradores locais e, na base da mímica, conseguiu fazer-se
entender — embora sem resultado. Naturalmente entristecido, o casal seguiu até
o fim da rua, onde encontrou um serviço de informações turísticas. Os
atendentes já sabiam do caso, que vicejou como soja na pequena urbe. Mas,
também eles, não tinham boas noticias. Um pouco depois, encostou na porta do
estabelecimento uma luminosa viatura da polícia. Caroline entreviu, em uma
caixa no interior do carro a máquina perdida. Imediatamente, com um sorriso no
rosto, tentou recuperá-la. O policial, eficiente, disse a ela que não podia
entregar-lhe o equipamento. O que foi motivo de surpresa para o casal, que não
entendia porque não podia simplesmente recuperar a máquina fotográfica. Ato
contínuo, entou em cena um simpático senhor a quem Caroline já havia conhecido
no começo da rua (ele falava inglês) e as coisas foram esclarecidas. Depois de
falar com o agente da lei, o senhor informou à Caroline que ela não podia
retirar a máquina sem uma recompensa. O casal, conhecedor da reputação de
honestidade dos japoneses recorreu ao dinheiro que carregava.
O policial, ofendido, disse ao
senhor o que, de fato, esperava do casal. "Esta máquina foi encontrada por
uma cidadã de Narai, que sentou-se ao lado dela por uma hora à espera de seu
proprietário. Como ela precisasse viajar a uma cidade vizinha, entregou, por
fim, o equipamento à policia. Portanto, informou o policial, a máquina só seria
devolvida depois que o casal agradecesse à senhora em questão. Infelizmente não
haveria tempo, porque o casal tinha um trem a pegar antes do horário de retorno
da senhora. Para resolver a questão, o senhor japonês que intermediava as
negociações, assumiu o compromisso de agradecer a senhora em nome do casal.
Naquele dia, portanto, Caroline não fotografou. Mas teve uma das mais delicadas
lições de sua vida.
Fonte: Facebook
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