Se eu morrer
amanhã, não levarei saudade de Donald Trump. Também não levarei saudade da
operação Lava Jato nem do mensalão. Não levarei saudade dos programas do
Ratinho, do Chaves, do Big Brother em geral. Não levarei nenhuma saudade do
governador Pezão e do porteiro do meu prédio.
Se eu morresse amanhã, não
levaria saudade do rock, dos sambas-enredo do Carnaval, daquela águia da
Portela nem dos discursos do Senado e da Câmara, incluindo principalmente as
assembleias estaduais e a Câmara dos Vereadores.
Se eu morrer amanhã, não levarei
saudades dos buracos da rua Voluntários da Pátria, das enchentes do Catumbi,
dos técnicos do Fluminense, dos juízes de futebol, da Xuxa e das piadas
póstumas do Chico Anysio. Não levarei saudade do Imposto de Renda e demais
impostos, e muito menos levarei saudade das multas do Detran.
Não levarei saudade da vizinha
que canta durante o dia uma ária de Puccini ("oh mio bambino caro")
que ela ouviu num filme do Woody Allen. Aliás, também não levarei saudade do
rapaz que mora ao meu lado e está aprendendo a tocar bateria.
Não levarei saudade das cotações
da Bolsa, das taxas de inflação e das dívidas externas do Brasil. Não levarei
saudade dos pasteis das feiras livres nem das próprias feiras livres, também
não levarei saudade dos blocos de índio que geralmente fedem mais do que os
verdadeiros índios.
Não levarei saudade dos lugares
em que não posso fumar, das lanchas de Paquetá e dos remédios feitos com óleo
de fígado de bacalhau. Não terei saudades das mulheres que usam silicone e
blusas compradas no Saara.
Enfim, não levarei saudade de mim
mesmo, dos meus fracassos e dívidas. Finalmente, não terei saudades dos
milagres dos pastores evangélicos nem de um mundo que cada vez fica mais
imundo.
Fonte: Folha de S. Paulo - 05/03/2017
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