O prazer de uma experiência
Nosso preclaro viajante acordou
aparentemente mal-humorado com tantas bobagens que lê. E aproveitou a
correspondência da semana para deixar bem claro o que pensa a respeito:
Querido Mr. Miles: já não sei
mais o que fazer. Vou procurar viagens para fazer e só encontro experiências. O
mundo está virado de cabeça para baixo? Um beijo,
Juliana Curd, por email
Yes, my dear: o uso inadequado da
palavra experiência é um fenômeno mundial. E, in fact, toda viagem é um
experimento, mas nem toda a experiência é uma viagem. Um teste químico, por
exemplo. Pode transformar água em vinho ou derrubar uma torre. Mas não se pode
chamá-lo de uma viagem, don't you agree?
In fact, darling, os
publicitários andam pouco inspirados ou a falta de noção tem tomado conta da
maioria deles. Experiência não quer dizer, as you know, uma coisa
necessariamente boa. Você viaja para um lugar qualquer e pode viver a
experiência de ser devorado por borrachudos ou abelhas africanas. Am I right?
Então porque as pessoas insistem em vender qualquer viagem com o título de
experiência?
No passado, as pessoas iam tomar
banho em uma estação termal. Hoje, vão fazer experiências sensoriais em um spa.
A palavra "sensorial", by the way, é outra das expressões vazias que
deveriam ser suprimidas de qualquer texto que se refira a viagem. E, aliás,
experiência sensorial é um pleonasmo disgusting.
As coisas, I dare to say, andam
muito chatas nos textos de viagem. Por exemplo: dizer que o hotel X tem um Nobu
é tão velho quanto dizer que a cidade X tinha um Hard Rock Cafe. My God: esse
japonês reproduz-se mais que coelho. Não duvide: em breve haverá um Nobu na
casa ao seu lado. Se é que alguém não vai querer montar um na sua própria!
E vamos adiante com os
inomináveis clichês que assolam o turismo de viagem em geral. Paradise é o pior
de tudo. Qualquer endereço que tenha uma praia, uma cascata, uma fonte ou ou
simples bica já é chamado de paraíso. Aliás, há também o Paraíso das Pamonhas,
dos Pneus, das Cortinas and so on. Não é a hora de eliminar esse termo vazio do
nosso vocabulário?
Ou você prefere uma praia
icônica? Shame on us: icônica é, quiçá, pior do que paraíso. Pode ser
substituida pela também desgastada palavra "emblemática". Mas se você
acha mesmo que tem de usar esse termo sem conteúdo, sugiro que experimente
"efígica".
Outra praga que nos assola, em
minha lingua natal ou em português é o substantivo hype, cujo único significado
é esse mesmo: hype. E daí: tomei uma mordida hype de um cachorro cool. Isso me
deixa na moda? O pior é que o substantivo hype deu origem ao adjetivo hypado.
Assim: a discoteca tal é muito hypada. Teria hippies entre os frequentadores?
Ou será que um hypado de capa-e-espadas estará lá dentro prestes a decapitá-lo?
Acho que estou sendo horrível, my
dear. Mas não suporto mais lugares-comuns (aliás se os lugares forem comuns,
não há motivos para visitá-los, isn't it?). Imperdível é imperdoável. E se for
imperdoável, porque não perdê-lo?
E outras abominações como
hotel-butique. O que é isso: uma loja onde você pode hospedar-se? Um hotel onde
você pode fazer compras? Ou, mais literalmente, um hotel do tamanho de uma
caixinha?
Vou fazer uma coisa, dear
Juliana: servir-me (e à Trashie) de um ótimo single-malt da ilha de Islay.
Deixar minha cabeça viajar por tantas paisagens lindas que conheci. E, my God,
se eu disse que alguma delas é paradisíaca, fechem a garrafa. Será sinal de que
perdi o senso.
Fonte: facebook
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