Silêncios japoneses e lembranças
venezianas
Nosso incansável viajante manda
noticias de Tóquio, para onde não ia há algum tempo. É ele quem conta:
"Well, my friends: adoro essa cidade e esse país. Um lugar onde as pessoas
fazem mesuras para as outras, adoram jazz e bossa nova, produzem e consomem ótimos
whiskys e, last but not least, respeitam seus idosos, só pode ser amazing.
Felizmente eu falo japonês — embora com imperfeições, — condição que, of
course, resolve-me um monte de problemas. Mas o que eu gostaria mesmo era de
entender os longos silêncios dos japoneses: eles, é facil notar, são mais
eloquentes que as palavras. In other words: quase sempre o que não falam é
muito mais relevante do que o que dizem. Velhos e sábios amigos como Renato
Modernell e Walterson Sardenberg Sobrinho já diziam: um povo com talheres
simples e língua complicada; que serve toalhas quentes e peixes frios: well,
nunca será fácil compreendê-los. Mas temos todas razões para admirá-los."
A seguir, a pergunta da semana:
Querido Mr. Miles: ao contrário
daquilo que o senhor sugere, nunca volto aos mesmos lugares. E é fácil
explicar. Não suporto a hipótese de rever destinos em que fui feliz e, numa
segunda viagem, ter uma experiência pior. O que o senhor acha disso?
Anita O. Purjinski, por email
Well, my dear: entendo profundamente
os seus motivos. E exemplifico. Voltar para um lugar depois de muito tempo
equivale a fazer uma festa de reencontro da turma de 1976... Oh, my God: aonde
teriam ido parar aquelas pessoas joviais? Como ficou encarquilhada aquela
menina por quem eu nutria um sentimento! E fulano: era atleta! Hoje, um obeso
mórbido. Que foi feito daqueles ideais de outrora?
O tempo, dear Anita, produz
mudanças, unfortunately. Mas as cidades que são preservadas (ou apenas
bem-cuidadas) e as paisagens que só se modificam em milhões de anos, costumam
continuar os mesmos.
Não quero dizer que uma lembrança
tatuada em sua memória precisa ser substituida por outra. However, quase
sempre, o retorno é um aumento da recordação. Posso apostar que ao rever, por
exemplo, uma cidade como Londres, a tatuagem vai arder de alegria — e o que
houver de novo servirá para ampliar suas sensações.
O contrário também acontece:
retornar em um momento inadequado — muita chuva ou muitas greves, muita sujeira
ou muito medo — pode trazer decepção. Mas não vai atingir, I presume, suas boas
lembranças. Uma das melhores virtudes que temos, como humanos, é apagar o que
nos decepcionou, magoou ou feriu — e lembrar-se, quase sempre, do que foi
melhor.
Veja, for instance, o caso de
Wendy Smith, que conheci em um cruzeiro pelo Adriático. Uma senhora simpática
e, well... um pouquinho pegajosa, proveniente de Cincinatti, Ohio, que — ao
contrário de você, darling — ansiava rever Veneza, aonde havia estado com
amigos de high-school décadas antes.
Quando o navio ancorou em
Dorsoduro, um dos bairros venezianos, perdi Wendy de vista (sou um homem de
sorte, as you know). No fim da tarde, however, eu estava no Café Florian
degustando um correto (N.da R.- cafézinho com grappa) e ouvindo a orquestra do
estabelecimento. Nos primeiros acordes de Turandot, Wendy me achou, sentou-se à
minha mesa e, com um ar de felicidade comentou: "Adorei voltar para cá.
Mudou tanto, não é, Miles?"
Veneza? Mudar? Enquanto San Marco
debatia-se em seu túmulo, entendi que mesmo uma cidade em que nada mudou nos
últimos 500 anos pode sempre surpreender. Porque, afinal, mudamos mais
rapidamente do que os próprios destinos.
Fonte: Facebook
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