Martha Medeiros
“A pior coisa do mundo é a pessoa
não ter coragem na vida.” Pincei essa frase do relato de uma moça chamada
Florescelia, nascida no Ceará e que passou (e vem passando) poucas e boas: a
morte da mãe quando tinha dois anos, uma madrasta cruel, uma gravidez
prematura, a perda do único homem que amou, uma vida sem porto fixo, sem
emprego fixo, mas sonhos diversos, que lhe servem de sustentação. Ela segue em
frente porque tem o combustível que necessitamos para trilhar o longo caminho
desde o nascimento até a morte. Coragem.
Quando eu era pequena, achava que
coragem era o sentimento que designava o ímpeto de fazer coisas perigosas, e
por perigoso eu entendia, por exemplo, andar de tobogã, aquela rampa alta e
ondulada em que a gente descia sentada sobre um saco de algodão ou coisa
parecida. Por volta dos nove anos, decidi descer o tobogã, mas na hora H,
amarelei. Faltou coragem. Assim como faltou também no dia em que meus pais
resolveram ir até a Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de pescador. No
momento de subir no barco, desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu irmão, e eu
retornei sozinha, caminhando pela praia, até a casa da vó.
Muita coragem me faltou na
infância: até para colar durante as provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e
mãe, nem pensar. Ir de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me
atrevia. Travada desse jeito, desconfiava que meu futuro seria bem diferente do
das minhas amigas audaciosas.
Até que cresci e segui medrosa
para andar de helicóptero, escalar vulcões, descer corredeiras d’água. No
entanto, aos poucos fui descobrindo que mais importante do que ter coragem para
aventuras de fim de semana, era ter coragem para aventuras mais definitivas,
como a de mudar o rumo da minha vida se preciso fosse.
Enfrentar helicópteros, vulcões,
corredeiras e tobogãs exige apenas que tenhamos um bom relacionamento com a
adrenalina. Coragem, mesmo, é preciso mesmo para viajar sozinha, terminar um
casamento, trocar de profissão, abandonar um país que não atende nossos
anseios, dizer não para propostas vampirescas, optar por um caminho diferente,
confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para
conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente,
coragem para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o
ser humano.
Não subi no barco quando criança
– e não gosto de barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e
voltei sozinha pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo,
acreditando que era medrosa. Mas o que parecia medo era a coragem me dando as
boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário, quando aprendi que toda escolha
requer ousadia.
Fonte: Facebook
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