Texto delicioso da repórter Anna
Virginia Balloussier, "A morte lhe cai bem", na
"Ilustríssima" (26/2), conta como os jornais preparam de antemão os
obituários de pessoas de certa idade, de saúde instável ou cujas profissões os
ponham em perigo, para não serem surpreendidos quando uma delas apanha o
chapéu. O "New York Times", por exemplo, cuja seção de obituários vem
desde 1851, é um cemitério de vivos. Mas até ele pode se apressar. Vide o caso
do bilionário David Rockefeller, hoje com 101 anos. Seu obituário já foi
escrito cinco vezes — e ele enterrou seus cinco obituaristas.
Certa vez, num artigo para uma
revista de avião, precisei citar o imperador Hirohito, do Japão. Ele estava com
87 anos, muito doente, e esperava-se sua morte a qualquer momento. Como as
revistas são feitas com meses de antecedência, convenci o editor de que
podíamos dá-lo como morto. Isso foi em setembro de 1988. Os dias, semanas e
meses se passaram, e Hirohito, nada. Só morreu em janeiro de 1989 — na exata
semana em que a revista chegou às aeronaves.
Pouco antes, em 1987, a Folha me
pedira o obituário de Dercy Gonçalves, talvez imaginando que, aos 82 anos, ela
estivesse pela bola sete. Eu sabia que, dali a dias, Dercy iria estrear uma
temporada no Canecão, sinal de que devia estar em forma. Mas, sabe-se lá?
Escrevi o texto. Pois Dercy só iria morrer em 2008 — 21 anos depois.
Outro dia, caiu-me aos olhos um
artigo meu, de 2000, para uma revista mensal, em que declarei que o ex-craque
Maradona vivia a crônica de uma morte anunciada. De fato, tudo indicava que,
arrogante, prepotente e entupido de cocaína, ele não duraria muito. Mas
Maradona parou com tudo, recuperou-se e está até hoje por aí.
Eu, sim, é que, por outros
motivos e sem avisar, quase fui embora várias vezes nesses 17 anos.
Fonte: Folha de S. Paulo - 04/03/2017
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