Fabrício Carpinejar
Felicidade é estar inteiro num
único momento, não pela metade, não por frações de presença. O que tem
acontecido é que residimos no celular, e a casa fica vazia de nossa algazarra.
Espiamos a nossa vida real de canto de olho, fingindo que escutamos e
participamos da conversa. Não ouvimos e daí repetimos as últimas palavras
pronunciadas pelos familiares para ganhar fôlego e se envolver superficialmente
com o que estava sendo dito.
Não trocamos os envelopes dos
ganhadores do Oscar, mas nos confundimos com os nossos desejos, provocamos
acidentes a partir de funda omissão e entregamos os nomes errados de nossas
escolhas.
A insatisfação é a regra,
acompanhamos postagens em praias paradisíacas, e nos ressentimos de trabalhar e
estudar. Engatamos um papo aleatório com colegas e não nos mexemos em nossos
intervalos de lazer. O corpo baixa a âncora e não navega mais pelos aposentos.
Uma cena comum é a família no
sofá, cada um digitando no seu aparelho. Os pontos de convergência são raros.
Sempre estamos em outro local,
teclando com outros, longe dali, e esquecendo quem se encontra próximo, rente,
visível. Vamos investindo em distâncias e ausências e nos desacostumando com os
abraços, com os beijos, com os risos a um palmo de nosso nariz.
No trânsito, na aula, no emprego,
mantemos postagens infinitas nas redes sociais. Alimentamos uma doentia
ubiquidade. Quem está em todos os lugares não está em nenhum.
É um coma digital, um permanente
exílio das vontades. Verificamos o e-mail, o Instagram, o Facebook, o Twitter e
nem temos noção do que iríamos fazer, e já nos dispersamos com aquilo que
aparece na frente. Não há uma tarefa, porém a absoluta evasão dos dedos. O que
era para levar alguns minutos demanda horas de imersão.
Não existe mais o tempo vertical
e único, é tudo acumulado e sobreposto, mastigado de modo precário e
inconstante.
As pessoas costumam se assustar
com frequência quando interpeladas. A cabeça é obrigada a descer de paragens
abstratas dos bytes e responder de repente. Percebe-se o grande esforço do
distraído virtual para participar do cotidiano concreto e dos apelos por
atenção. Ele é pego em flagrante não fazendo nada e arruma desculpas de fotos e
vídeos interessantes. Partilha links engraçados, memes e não se reparte com
quem mais precisa. Demonstra conhecimento dos tópicos do momento, mas não se
atualiza na intimidade.
A imobilidade nos levará para a
indiferença. Exercitaremos a inveja, a indiscrição e a cobiça, e não o amor, a
saudade e a amizade familiar.
Época esquisita, esdrúxula,
inexplicável, onde somos íntimos de estranhos e estranhos dos nossos íntimos.
Fonte: Facebook
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