domingo, 7 de maio de 2023

PELO TELEFONE

Ruy Castro
Outro dia, o cantor Pedro Miranda subiu ao palco da Casa do Choro, na rua da Carioca, com o celular ao ouvido. Ao lado de Pedro Paulo Malta e Nina Wirtti, ele era um dos cantores convidados do Rancho Flor do Sereno - uma orquestra de 14 figuras dedicada à música dos anos de 1910, 20 e 30 - para uma série de shows com os arranjos de Pixinguinha para o Carnaval. O repertório, de polcas, maxixes e marchinhas, é baseado nas partituras originais ou, no caso das que se perderam, reconstruídas a partir de gravações da época.

Artistas não deveriam falar a um celular num show. Pedro Paulo e Nina faziam gestos de desaprovação, e o próprio Pedro Miranda apontava para o aparelho como que dizendo, "Não tenho culpa, o cara não para de falar!".

E assim ficou durante quase um minuto, enquanto a orquestra esperava que os cantores começassem. Finalmente, ele "desligou" o telefone e cantou: "O Chefe da Polícia/ Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca [e apontou para o Largo da Carioca, ali pertinho] tem uma roleta para se jogar...". A plateia entendeu e veio abaixo.

Eram, claro, os versos iniciais de "Pelo Telefone", o samba amaxixado que o violonista Donga lançou no Carnaval de 1917, com letra assinada pelo jornalista Mauro de Almeida. Donga não sabia música, e quem cuidou do arranjo e da orquestração de "Pelo Telefone" para a gravação pioneira do cantor Baiano na Odeon foi Pixinguinha. O disco era precário e nunca fez jus à música. Mas escutá-la hoje, ao vivo, com a força com que era tocada nos clubes e coretos do Rio em 1917, é impressionante.

Talvez "Pelo Telefone" mereça, afinal, ser o marco inicial dos 100 anos do samba, que decidiram comemorar neste ano.

E que moderno que, em 1917, uma autoridade já usasse o telefone - ainda uma novidade - para propor uma mutreta.

Fonte: Folha de S. Paulo - 13/02/2017

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