Ruy Castro
Outro dia, o cantor Pedro Miranda
subiu ao palco da Casa do Choro, na rua da Carioca, com o celular ao ouvido. Ao
lado de Pedro Paulo Malta e Nina Wirtti, ele era um dos cantores convidados do
Rancho Flor do Sereno - uma orquestra de 14 figuras dedicada à música dos anos
de 1910, 20 e 30 - para uma série de shows com os arranjos de Pixinguinha para
o Carnaval. O repertório, de polcas, maxixes e marchinhas, é baseado nas
partituras originais ou, no caso das que se perderam, reconstruídas a partir de
gravações da época.
Artistas não deveriam falar a um
celular num show. Pedro Paulo e Nina faziam gestos de desaprovação, e o próprio
Pedro Miranda apontava para o aparelho como que dizendo, "Não tenho culpa,
o cara não para de falar!".
E assim ficou durante quase um
minuto, enquanto a orquestra esperava que os cantores começassem. Finalmente,
ele "desligou" o telefone e cantou: "O Chefe da Polícia/ Pelo
telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca [e apontou para o Largo da Carioca,
ali pertinho] tem uma roleta para se jogar...". A plateia entendeu e veio
abaixo.
Eram, claro, os versos iniciais
de "Pelo Telefone", o samba amaxixado que o violonista Donga lançou
no Carnaval de 1917, com letra assinada pelo jornalista Mauro de Almeida. Donga
não sabia música, e quem cuidou do arranjo e da orquestração de "Pelo
Telefone" para a gravação pioneira do cantor Baiano na Odeon foi
Pixinguinha. O disco era precário e nunca fez jus à música. Mas escutá-la hoje,
ao vivo, com a força com que era tocada nos clubes e coretos do Rio em 1917, é
impressionante.
Talvez "Pelo Telefone"
mereça, afinal, ser o marco inicial dos 100 anos do samba, que decidiram
comemorar neste ano.
E que moderno que, em 1917, uma
autoridade já usasse o telefone - ainda uma novidade - para propor uma mutreta.
Fonte: Folha de S. Paulo - 13/02/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário