Ruy Castro
Querem proibir
que "O Teu Cabelo Não Nega", grande marchinha de 1932, seja tocada no
Carnaval deste ano. Acham ofensiva a estrofe "O teu cabelo não nega,
mulata/ Porque és mulata na cor/ Mas como a cor não pega, mulata/ Mulata, eu
quero o teu amor". Mas o que dizer da genial estrofe seguinte? "Quem
te inventou, meu pancadão/ Teve uma consagração/ A Lua, te invejando, fez
careta/ Porque, mulata, tu não és deste planeta". Não é uma apaixonada
declaração?
Os velhos Carnavais viviam dessa
glorificação dos tipos nacionais: "Linda morena, morena/ Morena que me faz
penar/ A Lua cheia que tanto brilha/ Não brilha tanto quanto o teu olhar"
(1932); "Lourinha, lourinha/ Dos olhos claros de cristal/ Desta vez, em
vez da moreninha/ Serás rainha do meu Carnaval" (1933); "Salve a
mulata / Cor do café, a nossa grande produção" (1939). Há décadas o país
canta com amor essas marchinhas e nunca se viu uma morena, loura ou mulata se
ofender.
Assim como nunca se ofenderam os
árabes ("Alá-la-ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô/ Mas que calor, ô, ô, ô, ô, ô,
ô", 1941), carecas ("Nós, nós os carecas/ Com as mulheres somos
maiorais/ Pois na hora do aperto/ É dos carecas que elas gostam mais",
1942), gagos ("Ta-tá-tá, tá na hora/ Vá-vá-vá-vale tudo agora/ Sou mó-mole
pra fá-falar/ Mas sou um Pintacuda pra beijar", 1950), gays ("Olha a
cabeleira do Zezé/ Será que ele é?/ Será que ele é?", 1964) ou lésbicas
("Maria Sapatão/ De dia é Maria/ De noite é João", 1980).
E nem podiam se ofender, porque
—repare bem—, nas letras, essas minorias sempre levam a melhor. Não por acaso,
entre seus autores, letristas e intérpretes originais, havia mulatos, árabes,
carecas, gagos, gays e lésbicas.
Enxergar ofensa nas marchinhas é
caso para terapia de grupo —com o ofendido no divã e um grupo de psiquiatras em
volta.
Fonte: Folha de S. Paulo
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