Há dias, o papa
Francisco declarou ao "Corriere della Sera" que dorme muito bem —
"seis horas por noite, sem tomar ansiolíticos" —, apenas por seguir
um velho conselho italiano: o de que, "para viver em paz, precisamos de
uma boa dose de 'não estou nem aí". Taí. Não sou religioso, mantenho
distância das coisas do Além e sempre fui indiferente a seus funcionários. Mas
é impossível ficar alheio a este delicioso papa, que diz coisas como esta, tão
fora do script.
Até então, para mim, tudo que
acontecia no mundo cristão — ponha aí dois bilhões de almas, em sua maioria
concorrentes à vida eterna — estava sob a jurisdição do papa. Se, em
Xique-Xique (BA), João e Maria desfaziam a caminho do altar o casamento, se um
seminarista em Exu (PB) aceitava o convite de seu superior para ir ao quarto
deste a fim de conhecer sua coleção de sobrepelizes ou se o Brasil estava a
ponto de se tornar o maior país ex-católico do mundo, tudo isto dizia respeito
ao papa — eu pensava. Pelo visto, enganei-me.
Segundo entendi, o papa se
reserva o direito de não ser obrigado a pontificar — mesmo sendo ele o
Pontífice e, como se não bastasse, o Sumo — sobre tudo que acontece. Se há
católicos se matando uns aos outros nos arredores dos estádios de futebol, o
que ele pode fazer? Se senhoras em dia com seus terços e novenas impedem que os
maridos saiam dos quartéis para patrulhar as cidades e isso provoca quase 150
mortes no Espírito Santo, o que você quer que ele faça?
E há temas explosivos sobre os
quais não adianta perguntar-lhe. Por exemplo, o que ele acha da
descriminalização da maconha, do apagamento dos grafites em São Paulo ou do
boicote às marchinhas de Carnaval que falam de mulatas.
"O papa pode ser
infalível", dirá Francisco, "mas não é otário de se meter nesses
assuntos".
Fonte: Folha de S. Paulo - 15/02/2017
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