A comediante de Bratislava
Nosso correspondente britânico
encerrou seu périplo de eventos no leste europeu e retornou ao Condado de
Essex, para renovar a adubação em seu pequeno jardim de flores, que criou com a
ajuda de uma amiga brasileira, a entusiasmada cultivadora Carol Costa — a quem
manda suas saudações. Atento ao que acontece no Brasil, Mr. Miles diz estar
cogitando em voltar ao país, para conferir se o mau astral reinante durante sua
última visita, no final do ano passado, terá melhorado. Como se sabe, o
viajante inglês ficou constrangido com o clima de hostilidade reinante naquele
momento. "My God! — disse ele — Não no Brasil!".
A seguir, a correspondência da
semana:
Mr. Miles: vejo que o senhor
produz frases de efeito em abundância. Minha pergunta é uma frase de efeito:
são os lugares que nos fazem ou nós que fazemos os lugares?
Leandro Pillé, por email
Well, my friend, a sua frase de
efeito é muito simpática. However, carece de clareza, a menos no meu entender.
É claro que os lugares nos fazem. Fazem bem, fazem mal ou, no pior dos casos,
não fazem nada. A energia da ilha de Páscoa, for instance, me faz um bem
incrível. Quando estou lá, na mais remota ilha do mundo, tenho a sensação de
que todas as forças do Universo me impelem a recomeçar a jornada de
conhecimento que faço mundo afora. Quando estou em Salzburg, ouço a música
inebriante de Mozart, um dos raros compositores que têm o mesmo efeito de um
single malt. Também me lembro de Julie (N.da.R: Julie Andrews, atriz que fez o
papel principal de A Noviça Rebelde), sua família cantante e, sobretudo —
desculpem a indiscrição — o rápido caso que vivemos no início dos anos 60 do
século passado. Nevertheless, a encantadora cidade à beira do rio Salzbach
lembra a facilidade quase cúmplice com que a Áustria deixou-se anexar à
Alemanha em seus propósitos homicidas. E aí me faz mal.
Já quando passo por cidades sem
lembranças, sem charme, sem boa comida e sem atrações (você, of course, conhece
milhares delas), não acontece nada.
Não entendo, porém, como podemos
fazer as cidades, a não ser que você sugira que possamos erguê-las dentro da
cabeça, como urbes de nosso território mental. É claro que podemos fazer o
melhor por elas se as visitarmos com indulgência, afeto e informação. Qualquer
pessoa pode transformar Assunção em Praga, conforme sua boa-vontade.
Unfortunately, parece-me improvável que elas se pareçam de algum jeito em algum
dia.
O que, yes, I believe, é que as
pessoas de qualquer lugar podem fazer com que ele se torne mais ou menos
atraente, de acordo com suas atitudes. Alguém de vocês sabem qual é a origem
dos pais de Andrej Varhola Jr? (N.da.R: nome real do pintor e cineasta Andy
Warhol, um dos monstros da pop-art). Pois trata-se da pequena e impávida
Bratislava, capital da Eslováquia, às margens do rio Danúbio. Uma cidade com
escassas atrações e farta carne de porco.
Fui até lá, certa vez, com a
companhia de uma cicerone chamada Nadia. Era uma senhora atarracada, de olhar
rancoroso. Pior: desprovida de sorrisos.
Pois, believe me, dear Leandro. A
surpreendente senhora levou-me a passear por uma hora. Sobre qualquer lugar
desinteressante em que parávamos, ela contava uma história tão cheia de humor e
graça que tive certeza de estar na companhia de uma rainha da stand-up comedy.
Em outras palavras, a hilariante senhora (que sequer esboçou um sorriso
enquanto divertia os demais), transformou a esforçada Bratislava em uma cidade
de primeira linha. Mas foi ela que o fez — não nós, os circunstantes. Eu diria,
therefore, que podemos fazer os lugares, mas há quem possa fazê-los melhor do
que nós.
Fonte: Facebook
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