sexta-feira, 11 de novembro de 2022

MR. MILES


A comediante de Bratislava

Nosso correspondente britânico encerrou seu périplo de eventos no leste europeu e retornou ao Condado de Essex, para renovar a adubação em seu pequeno jardim de flores, que criou com a ajuda de uma amiga brasileira, a entusiasmada cultivadora Carol Costa — a quem manda suas saudações. Atento ao que acontece no Brasil, Mr. Miles diz estar cogitando em voltar ao país, para conferir se o mau astral reinante durante sua última visita, no final do ano passado, terá melhorado. Como se sabe, o viajante inglês ficou constrangido com o clima de hostilidade reinante naquele momento. "My God! — disse ele — Não no Brasil!".

A seguir, a correspondência da semana:

Mr. Miles: vejo que o senhor produz frases de efeito em abundância. Minha pergunta é uma frase de efeito: são os lugares que nos fazem ou nós que fazemos os lugares?
Leandro Pillé, por email

Well, my friend, a sua frase de efeito é muito simpática. However, carece de clareza, a menos no meu entender. É claro que os lugares nos fazem. Fazem bem, fazem mal ou, no pior dos casos, não fazem nada. A energia da ilha de Páscoa, for instance, me faz um bem incrível. Quando estou lá, na mais remota ilha do mundo, tenho a sensação de que todas as forças do Universo me impelem a recomeçar a jornada de conhecimento que faço mundo afora. Quando estou em Salzburg, ouço a música inebriante de Mozart, um dos raros compositores que têm o mesmo efeito de um single malt. Também me lembro de Julie (N.da.R: Julie Andrews, atriz que fez o papel principal de A Noviça Rebelde), sua família cantante e, sobretudo — desculpem a indiscrição — o rápido caso que vivemos no início dos anos 60 do século passado. Nevertheless, a encantadora cidade à beira do rio Salzbach lembra a facilidade quase cúmplice com que a Áustria deixou-se anexar à Alemanha em seus propósitos homicidas. E aí me faz mal.

Já quando passo por cidades sem lembranças, sem charme, sem boa comida e sem atrações (você, of course, conhece milhares delas), não acontece nada.

Não entendo, porém, como podemos fazer as cidades, a não ser que você sugira que possamos erguê-las dentro da cabeça, como urbes de nosso território mental. É claro que podemos fazer o melhor por elas se as visitarmos com indulgência, afeto e informação. Qualquer pessoa pode transformar Assunção em Praga, conforme sua boa-vontade. Unfortunately, parece-me improvável que elas se pareçam de algum jeito em algum dia.

O que, yes, I believe, é que as pessoas de qualquer lugar podem fazer com que ele se torne mais ou menos atraente, de acordo com suas atitudes. Alguém de vocês sabem qual é a origem dos pais de Andrej Varhola Jr? (N.da.R: nome real do pintor e cineasta Andy Warhol, um dos monstros da pop-art). Pois trata-se da pequena e impávida Bratislava, capital da Eslováquia, às margens do rio Danúbio. Uma cidade com escassas atrações e farta carne de porco.

Fui até lá, certa vez, com a companhia de uma cicerone chamada Nadia. Era uma senhora atarracada, de olhar rancoroso. Pior: desprovida de sorrisos.

Pois, believe me, dear Leandro. A surpreendente senhora levou-me a passear por uma hora. Sobre qualquer lugar desinteressante em que parávamos, ela contava uma história tão cheia de humor e graça que tive certeza de estar na companhia de uma rainha da stand-up comedy. Em outras palavras, a hilariante senhora (que sequer esboçou um sorriso enquanto divertia os demais), transformou a esforçada Bratislava em uma cidade de primeira linha. Mas foi ela que o fez — não nós, os circunstantes. Eu diria, therefore, que podemos fazer os lugares, mas há quem possa fazê-los melhor do que nós.

Fonte: Facebook

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