ESTRIPULIA DO FRANCIS
Ruy Castro
Em 1968, Paulo
Francis saía de seu apartamento em Ipanema e, todos os dias, ia almoçar na
cidade com os editores Enio Silveira, da Civilização Brasileira, e Jorge Zahar.
Por volta de duas, Francis ia a pé para um de seus empregos, a revista
"Diners", na rua do Ouvidor, onde passava a tarde recebendo os amigos
—Fernando Gasparian, Millôr Fernandes, Glauber Rocha, muitos mais— e
despachando com seus colaboradores fixos: Telmo Martino, Flavio Macedo Soares,
Alfredo Grieco e este colunista.
No fim do dia, Francis tomava um
táxi e ia para seu segundo emprego, o "Correio da Manhã", na Lapa,
onde editava o 2º caderno, diário, e um admirado caderno semanal de cultura.
Como eu próprio colaborava no "Correio" e ia lá todo dia, nem que
fosse para namorar, fiz várias vezes com Francis esse trajeto. Nunca o ouvi se
queixar —era normal para um jornalista ter dois empregos.
Com toda a sua diversidade de
interesses —política, história, imprensa, literatura, ópera, absorvidos de forma
caótica, sem método—, Francis gostava da rotina. Quem quisesse falar com ele,
era só ir à revista à tarde ou ao jornal à noite. De repente, em certa semana,
Francis deu para chegar à revista quase na hora de sair para o jornal. Era
inédito.
Ninguém lhe perguntou por onde
andara, nem ele se propunha a dizer. Mas, por trás dos óculos com 200 graus de
miopia, um certo ar moleque o traía. Até que ele próprio nos contou sua
estripulia. Do almoço com Enio e Jorge, estava indo direto a um poeira da Cinelândia,
o Rivoli, para pegar a sessão das duas de um festival de seu herói de infância:
Errol Flynn. Em quatro dias, assistira a "Capitão Blood" (1935),
"A Carga da Brigada Ligeira" (1936), "As Aventuras de Robin
Hood" (1938) e "O Gavião do Mar" (1940).
"Muito melhores do que
'2001'!", exclamava.
Fonte: Folha de S. Paulo
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