terça-feira, 22 de agosto de 2023

ROMANCE FORENSE

Charge de Gerson Kauer
O juiz que não gostava de processos

O magistrado de sobrenome Filho (*) era um ´pai´ para advogados, estagiários, servidores etc. quando se tratasse de deixar correr um papo-furado no seu gabinete. Quanto menos audiências de instrução, melhor para ele.

Marcava uma tentativa de conciliação – e, se o acordo não fosse celebrado, determinava que os autos voltassem "conclusos". E assim o processo ia para uma pilha lenta onde repousava meses.

Quase todos sabiam que o magistrado não gostava de sentenciar, a tal ponto que o então presidente da própria associação estadual de classe reconhecia que “se trata de um juiz que não gosta de processos".

Nesse contexto, sempre que no topo da pilha surgisse um processo complicado – e se uma ou ambas as partes fossem pessoas jurídicas - o ´doutor Filho´ lançava um despacho padrão-evasivo: “apresentem, em 15 dias, documentos comprobatórios da regularidade na MM. Junta Comercial do Estado. Após, abra o cartório, via nota de expediente, prazos sucessivos de dez dias para a vista dos documentos vindos”.

Em outros momentos, o magistrado prolatava tradicionais despachos que o escrivão - atento e espirituoso - já conhecia como corriqueiros e copiava para seu implacável arquivo:

• "Diga o autor sobre o pedido do réu";

• "Intimem-se as partes para, em 15 dias, em prazos sucessivos, autenticarem as cópias simples que existem nos autos";

• “Fale o demandado sobre a pretensão do demandante";

• “Especifiquem autor e réu as provas que pretendem ver produzidas";

• “Justifiquem as partes a pertinência das provas requeridas”.

Certo dia, um conceituado advogado, já cansado de tantos "diga o autor", "diga o réu" - caprichou numa petição em papel amarelo, com letras garrafais, impressas em vermelho e lascou: "As partes já cansaram de dizer; por isso, diga agora o juiz quando vai prolatar a sentença".

O juiz levou um choque com a petição que era, ao mesmo tempo, singela, objetiva, irônica e ferina. E verdadeira!

Para livrar-se do problema, o juiz encaminhou à Corregedoria, então, imediato pedido de férias atrasadas. Foi designado um substituto, recém promovido à capital, que recebeu como tarefa, sentenciar 60 ou 70 processos. O primeiro da pilha empoeirada era aquele em que o advogado provocara o juiz a que, afinal, desse a sentença. O magistrado substituto desincumbiu-se com sucesso total.

Como a maioria das novelas tem um final feliz, na volta das suas férias, o ´Dr. Filho´ foi promovido ao tribunal, por merecimento. E na Corte, com o vigor de estagiários e assessores, nunca atrasou acórdãos.

(*) O nome é fictício.

Fonte: www.espacovital.com.br

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