Eles que falem enquanto me farto
De Budapeste, onde encontrou um
clima quase estival em pleno mês de abril, nosso correspondente envia a
correspondência desta semana. Mr. Miles foi visitar alguns velhos amigos de que
gosta muito. Mas não ficou com eles mais do que cinco dias consecutivos, porque
todos eles foram passados ao redor de uma mesa onde a comida não parou de ser
servida por um momento sequer. Os húngaros adoram conversar e polemizar. Se
estão com o tempo livre comem e conversam sem qualquer intenção de descansar ou
dormir em algum inexistente entretempo. Mesmo para o homem mais viajado do
mundo, esse tipo de conversa torna-se, às vezes, cansativa. "Confesso que
não domino o estranho idioma que meus amigos magiares falam. Portanto, além de
comer, o que me resta é propor alguma conversa paralela seja em que outro
idioma for. "Unfortunately, my friends, todas as conversas levam ao
húngaro".
Para falar mais sobre o tema, Mr.
Miles tirou uma pergunta não-respondida de sua imensa caixa-postal.
Querido senhor Miles: conheci um
rapaz muito simpático quando estive estudando em Barcelona. Ele é húngaro e
fala muito mal o espanhol. O senhor acha que nossa relação poderá prosperar se
eu não aprender o húngaro?
Ana Carolina Mastrucci, por email
Well, my dear: se depender do
idioma, é melhor você procurar outro "rapaz muito simpático." Os
húngaros, como eu posso testemunhar mais uma vez em minha vida de peregrino
pelas margens do Danúbio, formam um povo hospitaleiro, gentil, ligeiramente
bagunçado and, of course, charming. Deus lhes deu — se isso é preocupação
divina — , however, um idioma tão privativo e peculiar que não há quem os
entenda, exceto eles próprios.
Let me explain: ao contrário das
línguas indo-europeias que deram origem aos idiomas latinos, aos eslavos, aos
teuto-saxões e suas variações, na Hungria fala-se um idioma pertencente a um
inexplicável grupo chamado fino-úgrico — que não se perca pelo nome. Sua
origem, desde já desculpando-me pela presumível erudição é urálica. Ou seja,
teria nascido nos Montes Urais, local, by the way, onde nasceu um certo Árpad,
o homem que trouxe esse povo remoto até a beira do Danúbio e do lago Balaton,
na Europa Central.
Não se sabe se foi Árpad que
inventou a páprica, mas se isso fosse verdade, seu legado teria sido mais
importante do que o idioma que trouxe das lonjuras russas.
Anyway, o húngaro não serve para
nada — a não ser para os próprios húngaros. Diz-se que ele é aparentado do
finlandês, mas jamais conheci um húngaro que tivesse trocado uma única palavra
compreensível com esses nórdicos. Tampouco os finlandeses entendem qualquer som
em húngaro, apesar da chamada raiz fino-úgrica.
Nesses dias agradáveis na casa de
meus queridos amigos Rácz, fiquei prestando enorme atenção ao que se conversava
entre salames, pepinos, e pães untados com gordura de fígado de ganso. Embora,
as you know, eu seja capaz de me virar em 56 idiomas e outros 23 dialetos (um
patrimônio que a vida de viajante me fez adquirir) não compreendi nada. Nem
mesmo o tema. Seria futebol? Ou estariam eles discutindo descobertas filatélicas?
Seria política ou, perhaps, histórias sobre alguma viagem de balão em Bagan, na
antiga Birmânia? No idea, no clues. Nenhuma pista sequer!
Cheguei mesmo a pensar em
participar de algum curso intensivo de húngaro, de modo a não ter de repetir a
vergonhosa experiência. Há, however, tantos outros idiomas mais importantes e
utilizados que ainda não conheço. O húngaro é praticado por cerca de dez
milhões de pessoas no planeta. For your information: isso é menos do que um
terço da torcida do Corinthians!
Decidi, therefore, dedicar-me à
deliciosa arte de ingerir comida húngara, o que inclui a divina patisserie que
você encontrará na Confeitaria Gerbeaud, uma das mais deliciosas e antigas do
mundo, em Budapest. Eles que falem enquanto eu me farto. Don't you agree?
Fonte: Facebook
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