Well, my friends: na edição de
ontem do Estadão comemorei a seiscentésima crônica semanal. É claro que, agora,
estou ligeiramente bêbado pela comemoração. Reproduzo o texto, abaixo:
A mais bela carona de suas vidas
Nosso glorioso viajante e
correspondente, o sempre solerte Mr. Miles informa que, na companhia de sua
mascote Trashie, a raposa das estepes siberianas, acaba de abrir um valioso
single malt da ilha de Islay para comemorar o fato de que, segundo suas contas,
esta é a crônica de número 600 na ainda curta história de sua relação com os
leitores do bravo matutino. "Números, as you know, são apenas
marcos"— disse Mr. Miles — "O surpreendente, my friends é que, depois
de tudo isso, ainda julgo que tenho um número interminável de histórias para
lhes contar."
A seguir, a correspondência da
semana:
Prezado Mr. Miles: o que faz um
lugar ser considerado um achado ou, como dizem outros, um segredo?
Paulo Severo Ramos, por email
Well, my friend, sua pergunta é
pertinente e vou tentar respondê-la com um exemplo que considero esclarecedor.
Não sei se você já esteve em
Roma, mas existe um caminho, muito estreito e recortado que quase todo mundo
faz quando visita a cidade dos césares. Trata-se da reunião de múltiplas vias e
piazzi (ruas e praças) que, sem pedir permissão aos tempos, une múltiplas
atrações romanas de eras distintas. Digamos que você comece na Fontana di
Trevi, a grande obra de Nicola Salvi inaugurada em 1762. Depois de, of course,
jogar sua moeda, você pega o rumo sul em direção ao Pantheon, o impressionante
templo inaugurado em 126 pelo Imperador Adriano, que se situa na Piazza della
Rotonda. É o caminho que todos fazem.
Atordoado pelo gigantesco vão
livre bimilenar que, my God, ainda tem um óculo extraordinário no centro de sua
cúpula, seu trajeto seguirá, naturalmente, para as fontes da Piazza Navona,
obras incomparáveis de Bernini no antigo Estádio de Domiciano, outrora usada
para corrida de bigas.
Yes, dear Paul: isto feito, você
terá completado um roteiro extraordinário que passou por séculos, estilos,
ideias e crenças.
Nevertheless, assim como o de
quase todos os circunstantes, seu caminho terá passado ao largo de um dos
grandes tesouros romanos. No momento em que você estiver cruzando a pequena
Piazza di San Luigi dei Francesi (Praça de São Luiz dos Franceses), uma igreja
pouco charmosa e quase nada imponente terá ficado à sua esquerda. Ok: há tantas
igrejas em Roma, que, for sure, ninguém há de visitar todas elas...
Ocorre que na parede à esquerda
do altar da igreja, erguida em 1589 estão ocultas três das mais importantes
obras do mestre do claro-escuro Michelangelo Merise, mais conhecido como
Caravaggio.
Tenho grandes amigos que ficam
arrepiados à simples menção do nome do artista, que parecia possuir refletores
internos a jogar luzes mágicas em seus quadros. Eis, portanto, o que é um
achado, ou um segredo (menos secreto agora, I hope). As telas têm o nome de O
chamado de Mateus, a Inspiração de São Mateus e o Martírio de São Mateus.
Confesso que eu mesmo chorei copiosamente pelo simples ato de observá-las com a
mente aberta.
Mais curioso ainda: as telas
ficam sempre no escuro. Apenas os que sabem de sua existência e têm um euro no
bolso podem vê-las. A moeda permite que a luz da igreja se acenda e ilumine o
que já é por si iluminado.
Certa vez, ao revisitar o templo,
notei a presença de dezenas de jovens sentados
aparentemente em contrição. How wrong I was! Os rapazes e moças, com os poucos
recursos que quase todos têm nessa idade, rezavam mesmo é para que alguém
depositasse um euro na caixa com o disjuntor de luz. E, of course, pegavam
assim a mais bela das caronas de sua vidas. Do it yourself, dear Paul.
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