Às vezes é amor desde o início,
mas recebe o nome errado do medo, é chamado de amizade por engano e demora para
ser anunciado. Até virar hipótese improvável.
Você não segurou a mão no cinema
quando deveria, você não beijou a boca na primeira vez que saíram, você não
usou a licença poética da embriaguez para subir ao apartamento na hora da
despedida, você não arriscou e não se entregou, como nos blecautes anteriores.
Foi possuído de pudor, a proteger uma afeição pura e inédita. Foi tomado de
respeito, não queria avançar o sinal.
Veio um estranho medo de ferir e
de ser ferido. As pernas fraquejaram, o aceno pendeu no ar pela metade, os
olhos se contentaram em voar com um tchau desajeitado.
Os dias se passaram e não
retornaram mais ao início onde a amizade era para ter sido amor.
Trocaram confidências para
domesticar o encontro, esconderam a atração forjando lealdade, espantaram a
possibilidade de sexo para não sobrecarregar de dúvidas a cumplicidade que
corria dentro do toque.
Sufocaram, com as forças da
juventude e da dissimulação, a inquietação que reinava no silêncio e na
saudade.
Vocês se encaixavam
perfeitamente. Concordavam antes mesmo da conclusão da história, decoravam
datas e gostos, adoravam caminhar lado a lado e discutir o que vinha à mente
com liberdade, sem censuras e filtros.
Usaram todas as palavras um com o
outro, menos aquelas que mudariam tudo. Empregaram todas as verdades um com o
outro, mas mentiram justamente na confissão que transformaria o relacionamento.
Não arriscaram declarar o que
sentiam. Ou porque era cedo demais e estavam se conhecendo. Ou porque era tarde
demais e já se conheciam excessivamente.
Não perceberam o quanto se
envaideciam no momento que alguém na rua se confundia e elogiava a intimidade:
- Formam um casal muito bonito!
- Ah não, não somos um casal...
Não? Tinham um dialeto, um riso
sempre fácil, conversavam por músicas e canções, atravessavam a clareza das
madrugadas e a claridade dos dias, mas não apostaram na intuição, o único
conselheiro que desfaz dilemas.
Esperaram reunir provas do
sentimento mútuo quando nunca existiu tribunal no amor, quando nunca existiu
justiça no amor, quando nunca existiu reparação de perdas e danos no amor, é
sempre esse agora e sempre, essa execução sumária.
Não há como culpar ninguém por
aquilo que não aconteceu, a não ser lamentar a timidez. Permitiram que
namorados e namoradas aparecessem no vácuo que não ocuparam, e complicaram o
que podia ser fácil. Agora estão condenados a ouvir descrições apaixonadas e
lamúrias, fins e abandonos, recomeços e novos romances. Agora estão forçados a
mergulhar num ménage espiritual, a suportar indiscrições, a fingir desinteresse
e chorar em segredo. Agora serão empurrados pela vida a serem melhores amigos
eternamente, a serem convidados para os papéis de padrinho e madrinha de um
casamento errado, de um altar que no fundo era destinado aos dois.
Fonte: Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário