Pode escapar ileso de um acidente
ou sobreviver a uma moléstia séria: em vez de se abrir à fragilidade do
cotidiano, você se fecha totalmente e jura que é imortal e nada irá atingi-lo.
Assume uma onipotência na família e nos relacionamentos, achando que é mais forte
do que a morte e não muda a insensibilidade do trabalho e das tarefas.
Não se deu conta que recebeu o
aviso prévio da vida. Desprezou a notificação dos limites. Desdenhou da censura
das fronteiras.
É um reflexo natural de quem se
aproxima do fim e não tenta recuperar a qualidade dos laços, desfazendo
inimizades e realizando os desejos mais genuínos. Acredita que o acidente foi
impessoal, uma casualidade externa, jamais uma necessidade interna, que não é
uma formalização do término de sua história por aqui. O envolvido favorece,
portanto, o desfecho impiedoso, quando deveria aceitar a ampulheta virada,
acolher as dúvidas e questionar o sucesso de sua existência no espaço que lhe
sobra.
Mas a invencibilidade desafia a
prevenção. E o comum é empreender a viagem de volta com a reserva do tanque e
parar abruptamente no caminho.
Assim, quem transa sem camisinha
e contrai uma doença venérea, suspira de alívio que não é HIV, HPV e sífilis, e
continua tendo relações sem proteção. Não assumiu a gravidade da advertência,
pelo contrário, reforçou a ideia de que jamais vai lhe acontecer algo de ruim.
Troca a felicidade de posteriores cuidados para comemorar o provisório alívio.
O mesmo ocorre com quem dirige
bêbado em alta velocidade. Mesmo ao colidir, não remodela a sua conduta depois,
pois permaneceu vivo longe de desfechos dramáticos e apenas enfrentou danos
materiais.
A trégua não corresponde ao
encerramento da guerra, refere-se a um período para se recompor e acertar as
contas. Por isso todo doente terminal tem uma alta antes de cair
definitivamente. Joga-se de volta ao mundo em que estava, carregado de
obrigações, e não vê que não desfruta de condições para seguir de modo igual.
Ele pensa que pode tudo, porém só ganhou um tempo para se despedir.
O destino sempre é educado e
oferece um sinal antes de levá-lo embora. A noção de que a tragédia é
exclusividade dos outros embota o entendimento da mensagem.
O aviso prévio deveria ser
aproveitado como uma sobrevida para colocar a alma em ordem. Ou para legar
saudade, e não culpa, a aqueles que ficam.
Fonte: Facebook
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