Nas últimas semanas, vem sendo articulada a ideia de que o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército tenha um papel de destaque no combate às notícias falsas na internet ("fake news"). Ainda há poucos detalhes sobre qual é exatamente o plano, e mais informações ajudariam no debate público.
No entanto, com base no pouco que se sabe, atribuir uma preponderância militar a esse tema parece ser decisão equivocada e ineficaz.
A internet é um fenômeno complexo, que desafia a capacidade do Estado de agir sozinho. A evidência disso é que as principais ameaças que se materializam na rede hoje são engendradas tanto por atores estatais como não estatais. Para combatê-las, é necessário um arranjo similar.
Basta ler os estudos do professor Jonathan Albright, meu colega na Universidade Columbia, para ver como o debate sobre fake news é mais complexo do que o modo como vem sendo tratado.
Albright mostra que cada notícia falsa é apenas a ponta do iceberg de uma indústria global bilionária que se formou para disseminar propaganda de natureza inflamatória.
Ele batizou essa indústria de "a máquina de micropropaganda". Seu elemento fundamental –pouco visível– é uma constelação de empresas desconhecidas, grandes e pequenas, que monitoram e vigiam os hábitos e preferências políticas dos usuários, sem nenhuma consideração à privacidade ou a limites éticos. As notícias falsas e a máquina de micropropaganda são dois lados de uma mesma moeda. Tratar de apenas um deles não gera resultados.
Para lidar com esse desafio, é necessária uma resposta institucional mais sofisticada. O primeiro passo é destravar a discussão sobre a lei de proteção de dados pessoais, que está pendente no Congresso. Essa lei deve permitir a inovação, ao mesmo tempo em que impõe obrigações de transparência e coíbe abusos éticos.
Outro passo é a criação de um fórum multissetorial para tratar do tema, subordinado exclusivamente ao Tribunal Superior Eleitoral.
Nesse fórum deve haver a presença de vários setores: comunidade acadêmica e científica, governo, Comitê Gestor da Internet, setor privado, sociedade civil e aí sim o Comando de Guerra Eletrônica do Exército. Assim torna-se possível construir uma resposta mais efetiva às fake news. O requisito para isso é coordenar esforços entre os vários setores de forma permanente e estruturante.
As fake news são uma espécie de spam. Qualquer tipo de spam destrói o valor da mídia em que circula. Basta lembrar o fim dos anos 1990, quando os serviços de e-mail foram inundados por propaganda e quase afundaram.
Estamos em um momento em que o desafio é maior. As fake news atuais degradam a esfera pública como um todo. São um problema não só para as redes sociais como para a mídia "tradicional", com quem competem por atenção e minam a credibilidade. É necessário o envolvimento de todos os setores da sociedade para tratar dessa questão. O TSE pode liderar esse processo.
Fonte: Folha de S. Paulo