Fabrício Carpinejar
A velhice vem aos goles. Nunca se bebe o tempo num único
sorvo.
A visão é a primeira a não corresponder inteiramente aos
seus comandos. Você enxerga com dificuldade, mas não aceita e adivinha mais do
que reconhece com rapidez. Assim tem os seus primeiros constrangimentos
sociais. O neto exibe as fotos da visita ao zoológico e você comenta: “Que araras azuis bonitas!”.
E o neto retruca que não são araras, mas macacos. Você
acabou de demonstrar que é um analfabeto ecológico para a nova geração da
família.
Sua teimosia em deduzir no lugar de enxergar vai lhe
colocando em situações incômodas, como a de embarcar no ônibus errado,
estacionar em vagas de portadores de necessidades especiais ou de realizar
perguntas óbvias.
Depois é a memória que fraqueja e rasteja com esforço.
Começa a brincar do jogo da forca com as lembranças.
O bonequinho recebe contornos a cada lapso e sempre termina
com a cabeça a prêmio.
As palavras são apenas figuras. Ou seja, aparece a figura
sem a palavra, o raciocínio é próprio de livro colorido para bebês.
O que lembrava instantaneamente custa a vir à tona. Sem
wi-fi das ideias, retrocede à internet discada do pensamento. Esquece primeiro
o nome das pessoas, os filhos são as cobaias prediletas. Troca os nomes dos
guris, Pedro chama de Felipe, Felipe de Pedro e não acerta mais quem se
aproxima. No início, dedica horas se explicando, argumenta que o filho
confundido deve estar pensando em você, mas a recorrência faz com que perca a credibilidade.
Em seguida, erra o nome trocando o sexo dos filhos, Felipe
chama de Gabriela, Gabriela chama de Pedro, a confusão está instalada. Resta
rir e levar os acidentes de gênero na brincadeira.
A caduquice cobra os juros. O pior se avizinha. Após falhar
o nome das pessoas e não conciliar rosto com legenda, passa a tropeçar na
identificação dos objetos. Liquidificador chama de secador, micro-ondas de
máquina de lavar, televisão de aspirador de pó, até se contentar com o genérico
Coisa: – “Liga a coisa!”, “Alcança a coisa!”, “Onde está a coisa?”.
Por fim, apaga o nome das ruas, das praças, das cidades, do
país, até se tornar um cidadão do mundo.
Do outro lado do mundo.
Fonte: Facebook
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