Norte coreanos não viajam
Nosso incansável viajante está de volta à Namíbia, seu
destino preferido para a observação de pássaros. Apesar de proibida por lei de
estar em área de safáris fotográficos, sua mascote Trashie recebeu uma
autorização especial do governo em razão "de seus primorosos
antecendentes".
A seguir, a pergunta da semana:
Caro Mr. Miles: como leitor assíduo de sua coluna, imagino
que a medida de taxar em 25% qualquer viagem ao exterior tenha caído como uma
bomba em meio a suas propostas positivas. Acertei?
Mauro Schwartz, por email
Well, my friend: li a noticia e, sim, estou absolutamente
devastated. A crise é conhecida e, well, o governo precisa encontrar saídas
para seus desequilíbrios financeiros. Mas jamais pude esperar que um governo
cujo slogan é "Brasil, pátria educadora", fosse tomar uma atitude tão
inadequada. Não é preciso ser meu leitor, nem mesmo compreender o idioma tão
complicado que vossa presidente utiliza (estou em busca de um professor, by the
way), para saber que não há nada mais educativo do que viajar.
Quanto mais as pessoas se aproximam umas das outras
fisicamente (not virtually, please!), mais educadas ficam.
Além dos conhecimentos que qualquer viagem proporciona, as
pessoas ganham horizontes. Através do ato de ver como são os outros povos, como
eles vivem, no que creem e o que planejam, as pessoas educam-se mais do que,
unfortunately, em precárias escolas públicas com professores miseravelmente
remunerados.
Não costumo palpitar, por educação, nas crises de países que
não são o meu — embora, as you know, o Brasil viva dentro de todas as minhas
melhores malas.
However, tributar o conhecimento — que é, in fact, o âmago
dessa medida, parece-me um pouco demais. Don't you agree?
Os mais jovens talvez não se lembrem, mas houve um tempo
—durante a ditadura militar a que todos se opuseram de forma legítima e que
levou o atual partido ao poder — em que, para inibir viagens, o governo impôs o
pagamento de um acintoso empréstimo compulsório. Lembro-me que um velho amigo,
o grande tributarista João Francisco Bianco, então um discente na muito
reputada Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo São Francisco, pertencia,
as well, a um divertido conjunto musical chamado Esculepsi Salaçinha (ou algo
do gênero). O grupo foi responsável por uma divertida homenagem à medida
emburrecedora que ora se repete. Dizia o estribilho da canção: "Só como 12
mil, só com 12 mil é que você vai pra fora do Brasil. Sem os 12 mil, sem os 12
mil, você só vai para ... well, procurem a rima".
Eis que o vício se repete. E nem significa muito
financeiramente. É mais uma bobagem ideológica do tipo é-preciso-taxar-as
viagens-porque-só-os-mais-ricos-viajam."
Oh, my God! Rende muito mais divisas taxar a estupidez.
Estimo que, em um breve futuro, o Brasil possa retomar seu caminho. Não sei quanto
tempo: meses, anos, as soon as posible, I hope!
Milhares de pessoas deixarão de ter tido a
"educadora" experiência de trocar ideias, conhecimentos, impressões;
de fazer cursos, aprender idiomas, interessar-se por pesquisas and so on. Pior:
pode ser que elas percam o hábito. Para os que não se lembram, vinte anos atrás
a maioria dos brasileiros que conseguia juntar um pouco de dinheiro preferia
trocar de carro a aventurar-se pelo mundo. Isso melhorou muito. Ajudou-nos
(oops, sorry por colocar-me entre vós, mas é o que sinto) a ser mais abertos,
tolerantes e democráticos.
Receio que dê tudo errado — e lembro, a quem possa
interessar, que há um outro país em que as pessoas são proibidas de viajar: a
vicejante, próspera e cosmopolita Coreia do Norte. Que o deus dos que
transitam, observam e aprendem ilumine o caminho dos que pontificam, apregoam e
legislam.
Fonte: Facebook_Fev/2016
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