Martha Medeiros
Eu achava que detinha algum conhecimento, ao menos o
suficiente para conseguir atravessar os dias identificando o terreno onde
pisava. Lembro inclusive de ter sido uma criança com ares de veterana,
topetuda, mas o tempo passou, a roda girou, e hoje, à medida que os dias se
sucedem, mais amadora me sinto. Em algum momento dei uma cochilada e esse breve
instante de distração foi suficiente para o mundo fazer um looping e me
desalojar. Acordei agorinha e estou me desconhecendo. Não me transformei numa
barata, e sim numa moscona — cada um com sua metamorfose. O fato é que não sei
de mais nada. Estou nauseada, boiando nesse mar de opiniões contundentes. Quero
voltar a pisar em terra firme, mas para isso preciso que alguém me resgate.
Tem alguém aí?
Tem alguém aí que ainda duvide de alguma coisa? Dúvida é a
ausência de certeza. Não costumava ser pecado mortal ter dúvida, tínhamos
várias e de certa forma era um estado de alerta positivo, nos conduzia à
investigação, ao aprofundamento dos fatos e de nós mesmos. Só que para
esclarecer as dúvidas era preciso paciência.
Tem alguém aí com paciência? Paciência é a virtude de saber
esperar e de ser perseverante. Esperar. Lembra esperar? É, faz tempo. Coisa que
não há mais. Não há mais tempo para pensar antes de responder, pensar antes de
agir, pensar antes de acusar, pensar antes de ofender. Ninguém dedica nem dois
minutos a fim de se portar com civilidade, nem meio minuto para escolher entre
o sim e o não. Hesitou, perdeu. Azar o seu.
Tem alguém aí com compaixão?
Compaixão é o sentimento de identificação com quem sofre ou
passa por dificuldades. Muito nobre, mas para que serviria compaixão, alguém
saberia dizer? Temperar saladas, evitar rugas, ganhar dinheiro? Antigamente
servia para temperar amizades, evitar conflitos, ganhar paz de espírito. Pouco
lucrativo, entendo.
Tem alguém aí não querendo ganhar nada com isso?
Agride-se. Persegue-se. Humilha-se. Debocha-se. Patrulha-se.
Quanto mais se pega no pé, mais se ganha em estatura. Se eu flagro o outro no
erro, ponto pra mim. Deixo claro que o bom sou eu. Que o certo sou eu. É a
forma mais rápida de se autoelogiar sem dar muito na vista.
O que tenho visto? Muita gente eloquente, inteligente,
posicionada, articulada, bem-resolvida, politizada e não aceitando vacilações:
julgamento sumário para quem não estiver do meu lado. Em outra encarnação, devo
ter tido carteirinha desse clube, mas como eu dizia no início do texto, dormi
no ponto, não paguei todas as mensalidades, mosqueei.
Tem alguém aí que não é tão bom? Que não sabe tudo? Que está
meio perdido?
Então segura aí, me espera, vou com você. Também não estou
me achando.
Fonte: Zero Hora - Out/2016
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