O (pouco) que Mr. Miles não faz
Preparando-se para a muito adiada viagem ao Brasil (fontes
dizem que ele irá à Itacaré, na Bahia, aonde adora praticar longboarding e tem
muitos amigos —, nosso correspondente britânico anuncia que, em breve,
anunciará seu destino de revéillon neste duomilésimo, centésimo quinto ano da
Era Cristã "que, of course, é apenas uma referência, porque não preciso
praticar religiões para compreender o Universo."
A seguir, a pergunta da semana:
Mr. Miles: leio atentamente suas crônicas e vejo que que o
senhor está sempre disposto a tudo e faz as coisas com muito prazer. Existe
alguma coisa que o senhor não faz?
Estevão L. Margolies, por email
Of course, my friend. Há inúmeras coisas que não faço e nem
pretendo fazer porque são parte de minhas convicções, que, por sua vez, derivam
da educação que me foi oferecida. Não roubo nem furto, for instance, até porque
não sinto falta de nada que não me pertence. Therefore, confesso que sou até um
pouco exagerado nesse aspecto. Jamais coloco a mão em objeto que não me
pertença sem a devida autorização. Esse hábito, by the way, levou-me a uma
situação constrangedora anos atrás, quando voltava de uma cansativa jornada no
Saara. Louco para tomar um banho e descansar os ossos, encontrei um hotel nas
imediações de Agadir.
Assim que entrei, observei que não havia ninguém na pequena
recepção coalhada de moscas. Havia, sim, sobre o balcão, uma dessas sinetas
geralmente utilizadas para chamar serviçais. Como, however, não havia nenhum
cartaz autorizando o uso da engenhoca, decidi esperar. Quarenta minutos mais
tarde, já com as moscas relaxando sobre meus bigodes, tomei coragem e resolvi
premer o aparelho. Oh, my God! Em segundos surgiu o atendente que me apanhou
ruborizado de vergonha.
Há outras coisas que, unfortunately, não gosto de fazer — e
só as faço quando pressionado pelas circunstâncias. Odeio filas. Não compreendo
porque existem e como as pessoas se submetem a tal humilhação. Filas em
restaurantes, for instance. Elas ocorrem até mesmo em cidades com milhares de
opções como São Paulo e Nova York. It’s amazing, isn’t it? Filas para entrar em
aviões, com assentos numerados e lugar para todos? Será que os passageiros
pensam que, caso embarcarem depois dos outros, vão ter de viajar de pé, no
corredor? It’s unbelievable!
Outra de minhas idiossincrasias é não marcar consultas
médicas. Explico-me: com o desenvolvimento da medicina e, sobretudo, o das
máquinas que vasculham o corpo dos pacientes em busca de suas mazelas interiores,
é virtualmente impossível escapar ileso de um check-up. Minha querida tia
Glenda, que pensa exatamente o contrário, vai mais ao médico do que à feira.
Hoje ela é a maior cliente da farmácia de Groveland e, como sequer se lembra de
todas as doenças que tem, decidiu, também, tomar remédios para amnésia.
Aunt Glenda, by the way, foi a responsável pelo meu último
check-up, realizado nos anos 60. Convenceu-me, por persistência. Meus exames
mostraram-se excelentes, mas o médico fez questão de me advertir que a ausência
absoluta de sintomas pode ser um mal sinal. Hã, hã...
Outras coisas que não faço porque simplesmente não me
atraem. Assistir campeonatos de golfe pela televisão (só é menos chato do que
acompanhá-los ao vivo). Conversar, cara-a-cara, com pessoas que atendem várias
vezes ao telefone celular ou ficam dedilhando mensagens para pessoas ausentes.
Simplesmente peço licença e me retiro. Esse hábito, unfortunately, tem crescido
de tal forma que temo, em um futuro próximo, não pode conversar com mais
ninguém — pelo simples fato de que as pessoas só saberão comunicar-se via
What's App e seus previsíveis sucedâneos.
Ou seja, my dear Estevão: há muitas coisas que mr. Miles não
faz. Essas e várias outras que, oportunamente, voltarei a contar. Só não me estendo
no tema, porque a função dessa coluna é falar sobre o que faço. E não o
contrário.
Fonte: Facebook
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