Vizinhos de poltrona
Nosso incansável viajante está de partida para Gudvangen, na
Noruega, onde será padrinho de casamento de Peer e Kaila, ele filho de sua
velha amiga Nia, ex-companheira de caminhadas no gelo do Ártico. É, ao que tudo
indica, promessa de novas histórias.
A seguir, a correspondência da semana:
Prezado Mr. Miles: viajo muito sozinho e gosto de minha
privacidade. Muitas vezes, porém, nos voos intercontinentais, sou “brindado”
com a companhia de vizinhos que puxam conversa e contam histórias o tempo
inteiro. O que devo fazer para livrar-me dos inconvenientes?
Otávio Arguello, por email
Well, my friend: uma longa viagem de avião é um periodo de
estranhas convivências. Exceto nas raras vezes em que a aeronave tem muitos
lugares vazios, somos sempre colocados na companhia de alguém com quem, de uma
maneira ou de outra, desenvolveremos enorme proximidade física — sobretudo nos
assentos cada vez mais estreitos das empresas aéreas. É desejavel e very polite
que, ao menos, se cumprimente o vizinho de infortúnio (ergométrico e não outro,
porque, afinal, ele também está viajando). Essa simples medida evitará, for
instance, que, como dois seres primitivos, ambos fiquem disputando a
cotoveladas o exíguo apoio de braços que os separa (ou une?).
O restante do relacionamento é uma questão de convenção. Há
os que, como você, preferem uma quase utópica privacidade. Há, as well, os que
buscam um contato verbal civilizado — e você ficaria surpreso, fellow, se
soubesse quantas boas amizades podem nascer em tais ocasiões. Existem, também,
of course, os fanfarrões. Essa espécie, I agree, pode ser mais inconveniente do
que uma noite de turbulências. Nesses casos, I’m afraid, só nos resta lamentar
a má sorte ou, em caso de apuro comprovado, recorrer à infalível solução do
sonífero na bebida alheia, providência que, shame on me!, já tive de tomar
certa feita.
Entre passageiros educados, a senha utilizada para abortar
uma conversação é aproveitar uma brecha e abrir um livro. Raras vezes não
funciona. Utilizo-a com parcimônia e apenas quando estou very tired. Em regra
geral, agrada-me trocar idéias com alguém que está compartilhando de meu
destino. A prática, however, já me ensinou a distinguir até onde pode ir um
relacionamento tão fortuito e improvável como são os que ocorrem em aviões de
longo alcance. Os latinos, de forma geral, serão mais loquazes e emocionais.
Houve uma ocasião em que minha vizinha venezuelana lamentou-se a tal ponto que,
ainda no meio do Atlântico, fui forçado a dissuadi-la de sua idéia de
suicidar-se. Fiz com que ela visse que Juanito, afinal, era um cafajeste,
matar-se por ele era dar valor demasiado a um pústula, and so on.
As cartas que recebi mais tarde comprovaram que fui
convincente.
Europeus serão, often, mais reservados. Mas não lhes deem
muita bebida, my God! Já quando viajo ao lado de orientais — sobretudo
japoneses —, procuro ser apenas cortês e reverente. Embora os costumes venham
mudando, nunca foi de bom tom enchê-los de perguntas. Minha saudosa amiga Pearl
(N.da R.: Pearl S. Buck, escritora norte-americana, Prêmio Nobel de
Literatura), contou-me que, certa vez, na casa de uma sua amiga perto de
Tóquio, observou a presença de uma mulher silenciosa dividindo a sala com
ambas. Movida por sua curiosidade de autora, inquiriu sua amiga sobre a mulher.
“ É minha irmã. Casou-se há vinte anos e quatro dias depois voltou para casa”
“O que aconteceu?” insistiu Pearl. “ Não sei. Jamais julgamos de bom tom
perguntar”.
Uma dessas seria a sua vizinha ideal em um avião, não seria
dear Otávio?
Fonte: Facebook
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