Martha Medeiros
Exatamente uma semana atrás, assisti à estreia do programa
de entrevistas A arte do encontro, do Canal Brasil (quartas, 21h30min),
apresentado por um Tony Ramos também estreante na função. O primeiro convidado
foi Antonio Fagundes, seu colega de dramaturgia. Antes mesmo que eles
começassem a conversa, um de frente para o outro, apenas com uma estreita mesa
separando-os, eu já estava cativada: eram dois homens que ali estavam. Não dois
rapazotes, não dois deslumbrados. Eram dois homens vividos, seguros,
confortáveis dentro do próprio corpo, dois amantes da poesia, da literatura, da
arte, da vida. Dois homens calmos, dois homens sem afetação, dois homens sem
necessidade de fazer marketing pessoal, sem disputarem nada entre si.
O povo anda com o parafuso solto, como se sabe. Ou se
debocha de tudo, presunçosamente, ou parte-se para a agressão. Muita gente
disposta a ferir, ofender, humilhar. Os papos, quase sempre, são rasos. A
polarização política continua: se você não grita “Fora, Temer”, seus amigos de
esquerda te chamam de golpista, e, se não grita “Fora, Dilma”, seus amigos de
direita te chamam de comunista. E estamos resumidos. Então surgem dois homens
tranquilos na tevê, numa noite no meio da semana, na hora do jantar, declamando
poemas de Fernando Pessoa e fazendo uma leitura de Hamlet, assim, por nada, só
pelo prazer de invocar palavras que emocionam.
Os dias correm ligeiros. Dezenas de mensagens entram pelo
WhatsApp e nos sentimos isolados quando o aplicativo é bloqueado pela Justiça,
sem lembrar que podemos telefonar como fazíamos dois anos atrás. Tudo passa
rápido, há quem já me pergunte para onde irei no réveillon e ainda nem digeri o
almoço. Quase nada permanece, o tempo voa, e então, finalmente, relaxo diante
de dois homens sem pressa, que me ajudam a perceber como são sólidas as
palavras ditas sem afobação.
Dois homens provocaram esse efeito em mim. Não foram duas
mulheres empoderadas, foram dois homens. Num tempo em que os homens parecem ter
se transformado em inimigos da sociedade, admito que me senti acolhida por
aquelas vozes maduras, por uma virilidade nem um pouco ameaçadora, por um
entrevistador que escuta e permite que o entrevistado fale, como deveria
acontecer em nossas conversas privadas, duas pessoas que se olham sem
aguardarem ansiosas a hora de dar o bote. Eram dois homens adultos que, sei lá
por que – talvez porque estejamos na véspera de assistir a uma perseguição por
vitórias – me fizeram lembrar que respeitar e admirar o outro não nos diminui
em nada.
Não competir também é muito bom.
Fonte: Zero Hora
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