A embriaguez de que não me canso
De Rochester, no Maine, Estados Unidos, para onde anunciou
que iria, nosso correspondente responde à pergunta da semana:
Mr. Miles:
Estive, certa vez, visitando o Museu Hermitage (foto) em São
Petersburgo na Rússia e passei por uma experiência que, acredito ser única.
Após circular por vários corredores e galerias do museu e me
deparar com obras de arte de beleza indescritível, saí de lá em um estado de
total embevecimento e entorpecimento interno. Quero lembrar, também, que não
cheguei a visitar o museu em todos os seus ambientes, pois sabia que não teria
tempo. Pergunto: em suas viagens pelo mundo, você chegou a passar por este
estado de torpor? E isso em que lugar? Forte abraço e parabéns por sua coluna,
que nos traz de forma clara, objetiva e com muito humor as suas experiências de
viagem.
Edmur Miranda de Godoy, por email
Well, my friend: confesso que tive mais sorte do que você.
Certa feita, passei um mês inteiro em São Petersburgo e visitei toda a coleção
de 3 milhões de obras, 700 mil livros, dezenas de milhares de armas — e tudo o
mais que compõe o acervo do maior museu do mundo. Os únicos que se comparam a
eles, em tamanho, são, of course, o Louvre e o Memorial das Conquistas do
Santos Football Club, com sua quantidade interminável de troféus, em Santos, no
seu país.
Conheço São Petersburgo — e adoro a cidade —, em muitos
momentos. Quando deixou de ser a capital da Rússia, em 1918, após a vitória da
revolução Comunista na fase em que chamou-se Petrogado, depois que virou
Leningrado (quando da morte de meu velho amigo Vladimir (N.da R.: Vladimir
Ilitch Lenin, estadista soviético) e quando, novamente, passou a ser chamada
São Petersburgo, Peter para os íntimos, desde 1991. O Hermitage já tem a beleza
de suas construções, sobretudo os palácios outrora ocupado pelo czares. E é tão
interessante que merece ser visitado mesmo no inverno, quando a temperatura
pode chegar aos 30 graus negativos, congelando o rio Neva, que margeia os
museus.
Mas não é sobre ele que falamos, isn't it?
Estamos discutindo "embevecimento" e "embriaguez",
palavras que você usa, com acuidade, em sua missiva. Embevecido significa
deslumbrado ou extasiado. Embriagado, as you know, quer dizer ébrio ou, well,
bêbado. São dois estados da alma muito parecidos— , antes do embriagado passar
da conta.
Você me pergunta se, em minhas viagens já passei por
sensações semelhantes. Fiquei pensando como responder: se eu diria que é desse
embevecimento que se fazem as viagens ou dessa embriaguez é que jamais me
canso.
Sinto o mesmo, of course. E se isso já não ocorresse, talvez
fosse o caso de aposentar minhas malas, esquecer de minhas milhas e, perhaps,
conviver com a sensação de que vivi em vão.
É sobre esse tema que estou sempre falando em minhas
crônicas, dirigindo-me sobretudo aqueles que nunca partem, por medo, preguiça
ou falta de iniciativa (eu ia dizer dinheiro, mas os que realmente desejam
acham sempre uma forma de viajar). Não sei como é possível viver sem
experimentar essas confusas alegrias. Parece-me alguém que abdica de suas
ideias e de seu livre arbítrio para seguir doutrinas e dogmas que lhe foram
impingidos. Ou aqueles seres que jamais provam um prato diferente, uma bebida
que não conhecem ou uma mulher (um homem para as mulheres, as well) com a que
sonharam.
Yes, my friend: fico muito feliz em saber que você conseguiu
alcançar essa "graça" em um museu, como muitos a alcançam em frente a
um monumento ou uma paisagem deslumbrante. Aproveito para lhe pedir: siga em
frente, porque vai voltar a acontecer.
Fonte: Facebook
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