quarta-feira, 7 de outubro de 2020

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ 

Pouco se sabe da vida pregressa – ou “os antes” como ele mesmo diria – do analista de Bagé. Embora hoje tenha consultório na cidade grande e só atenda neuróticos importantes, cobrando muito e por minuto – segundo ele, “que é pra ninguém se aboletá e inventar de passar o dia – o analista de Bagé teve um começo difícil. Contam, inclusive, que ele percorria o interior do Rio Grande do Sul numa charrete, com um divã portátil, oferecendo tratamento de porta de estância em porta de estância. 
- Buenas! 
- Como le vai? 
- Por aí, gauderiando más que cigano e candidato. 
- Pôs se apeie e tome um mate. 
- Pôs aceito. Sou como china passada, não arreganho convite. E tou com a goela mais seca que penico de cego. 
- Oigatê. O amigo vende o que? 
- Pôs sou psicanalista, tchê. 
- Oigatê. Por aqui já apareceu até maranhense. Psicanalista é o primeiro. 
- Sou freudiano e não renego. 
- Freudiano, então, nem se fala. 
- Será que não tem na casa alguém precisando de uma sessão? Cinquenta minutos e aceito pagamento em charque. 
- Pôs a Orestina. 
- Que tem? 
- Anda com riso frouxo. 
- Sei. 
- Ri sozinha. 
- Que cosa. 
- Qualquer cosa, se arreganha. 
- Não é cócega? 
- Pôs não é. 
- Que idade tem a bicha? 
- Dezessete. 
- Essa não tem nada. 
- Mas ri até de topada. 
- É da idade. 
- E ela não corre perigo? 
- Só de engravidá. 

Ao contrário do que se pensa, o analista de Bagé mantém-se a par de todos os desenvolvimentos na área da psiquiatria, embora se declare “freudiano de oito costados” e “más ortodoxo que pomada Minâncora”. Ele tem uma boa e atualizada biblioteca que consulta com freqüência. Sempre que pega um caso mais difícil, no entanto, o analista de Bagé recorre a um grosso volume em alemão na estante do seu consultório. É entre suas páginas que guarda, escritas a toco de lápis em folhas soltas de um caderno de armazém, as máximas do seu pai, o velho Adão. Quando, diante de um caso “dos encroado”, o analista de Bagé se vê “mais apertado que jeans de fresco” as máximas do velho Adão muitas vezes sugerem uma saída. Eis algumas delas: 
“Mate e china, quanto mais novo mais quente”. 
“Hai mil regras pra comê mas nenhuma pra cagá”. 
“Prá segurá mulher em casa e cavalo em campo aberto, só carece de um pau firme”. 

Dando a idéia de que o cúmplice é igual ao criminoso, ou então que muitas vezes o que parece sem importância é essencial: “A gengiva não morde mas segura o dente”. 
Sobre sutis diferenças: “Milonga e tango? Quibebe e mogango”. “Puro sangue ou bagual, a bosta é igual”. 
Uma variação: “Meleca de Rainha é igual à minha”. 
Um sábio comentário sobre as interpretações subjetivas: “Roda de carreta chega cantando e se vai gemendo”. 
Algumas comparações: “Bravateiro como castelhando em chineiro”; “Sujo como pé de guri”; “Branco como Catarina assustado”; “Duro como trança de beata”. 
“Mais vale ser touro brocha que boi tesudo”. 
“Prá guaipeca, pontapé é mimo”. 
“Mas sagrado que Deus e a mãe, só dívida de jogo”. 
Das deduções simples: “Se a toca é ancha, o tatu é gordo”. 
Do perigo das deduções apressadas: “Pela cabeleira, o julgamento é canhestro: pode ser china ou maestro”. 
“Más seco que penico de cego”. 
“Más triste que tia em baile”. 
“Cavalo de borracho sabe onde o bolicho dá sombra”. 
“Marido de parteira dorme do outro lado da parede” (Significado obscuro). 
“Viúva moça é como louça; já foi usada mas não se joga fora”. 
“Se Deus fez o mundo em sés dias, só no Rio Grande gastou cinco”. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 249) 

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