OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ
Pouco se sabe da vida pregressa – ou “os antes” como ele mesmo diria – do analista de Bagé. Embora hoje tenha consultório na cidade grande e só atenda neuróticos importantes, cobrando muito e por minuto – segundo ele, “que é pra ninguém se aboletá e inventar de passar o dia – o analista de Bagé teve um começo difícil. Contam, inclusive, que ele percorria o interior do Rio Grande do Sul numa charrete, com um divã portátil, oferecendo tratamento de porta de estância em porta de estância.
- Buenas!
- Como le vai?
- Por aí, gauderiando más que cigano e candidato.
- Pôs se apeie e tome um mate.
- Pôs aceito. Sou como china passada, não arreganho convite. E tou com a goela mais seca que penico de cego.
- Oigatê. O amigo vende o que?
- Pôs sou psicanalista, tchê.
- Oigatê. Por aqui já apareceu até maranhense. Psicanalista é o primeiro.
- Sou freudiano e não renego.
- Freudiano, então, nem se fala.
- Será que não tem na casa alguém precisando de uma sessão? Cinquenta minutos e aceito pagamento em charque.
- Pôs a Orestina.
- Que tem?
- Anda com riso frouxo.
- Sei.
- Ri sozinha.
- Que cosa.
- Qualquer cosa, se arreganha.
- Não é cócega?
- Pôs não é.
- Que idade tem a bicha?
- Dezessete.
- Essa não tem nada.
- Mas ri até de topada.
- É da idade.
- E ela não corre perigo?
- Só de engravidá.
Ao contrário do que se pensa, o analista de Bagé mantém-se a par de todos os desenvolvimentos na área da psiquiatria, embora se declare “freudiano de oito costados” e “más ortodoxo que pomada Minâncora”. Ele tem uma boa e atualizada biblioteca que consulta com freqüência. Sempre que pega um caso mais difícil, no entanto, o analista de Bagé recorre a um grosso volume em alemão na estante do seu consultório. É entre suas páginas que guarda, escritas a toco de lápis em folhas soltas de um caderno de armazém, as máximas do seu pai, o velho Adão. Quando, diante de um caso “dos encroado”, o analista de Bagé se vê “mais apertado que jeans de fresco” as máximas do velho Adão muitas vezes sugerem uma saída. Eis algumas delas:
“Mate e china, quanto mais novo mais quente”.
“Hai mil regras pra comê mas nenhuma pra cagá”.
“Prá segurá mulher em casa e cavalo em campo aberto, só carece de um pau firme”.
Dando a idéia de que o cúmplice é igual ao criminoso, ou então que muitas vezes o que parece sem importância é essencial: “A gengiva não morde mas segura o dente”.
Sobre sutis diferenças: “Milonga e tango? Quibebe e mogango”. “Puro sangue ou bagual, a bosta é igual”.
Uma variação: “Meleca de Rainha é igual à minha”.
Um sábio comentário sobre as interpretações subjetivas: “Roda de carreta chega cantando e se vai gemendo”.
Algumas comparações: “Bravateiro como castelhando em chineiro”; “Sujo como pé de guri”; “Branco como Catarina assustado”; “Duro como trança de beata”.
“Mais vale ser touro brocha que boi tesudo”.
“Prá guaipeca, pontapé é mimo”.
“Mas sagrado que Deus e a mãe, só dívida de jogo”.
Das deduções simples: “Se a toca é ancha, o tatu é gordo”.
Do perigo das deduções apressadas: “Pela cabeleira, o julgamento é canhestro: pode ser china ou maestro”.
“Más seco que penico de cego”.
“Más triste que tia em baile”.
“Cavalo de borracho sabe onde o bolicho dá sombra”.
“Marido de parteira dorme do outro lado da parede” (Significado obscuro).
“Viúva moça é como louça; já foi usada mas não se joga fora”.
“Se Deus fez o mundo em sés dias, só no Rio Grande gastou cinco”. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 249)
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