OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ
Contam que o analista de Bagé,
embora se declare “mais antigo que emplastro” é freudiano de usar carteirinha,
não renega as novas técnicas de análise. Inclusive, inventou algumas. Segundo
ele, só o que vai longe sem sair do lugar é trilho. É preciso dinamizar a
análise. Não se concebe mais que o paciente fale enquanto o analista cochila.
Por isto, depois de inventar a análise em grupo com gaiteiro, “pra indiada se
soltá”, ele está experimentando com sessões externas ou “à la fresca” durante
as quais paciente e analista saem à rua, e a análise é feita em qualquer lugar,
num banco de praça, até num balcão de cafezinho.
- Ainda estou na fase
anal-retentiva, doutor. Tenho esta obsessão infantil em não dar nada, nunca, a
ninguém.
- Mas que cosa. Me passa o
açúcar.
- Não passo.
As sessões de rua são boas para o
paciente, pois ele foge da passividade um pouco humilhante do divã. (Se bem que
o analista de Bagé adaptou um mecanismo de cadeira de dentista ao seu divã que,
nos casos de complexo de inferioridade, vai ficando mais alto ao longo da
sessão. “Controlo a altura na alpargata, e o coitadinho pensa que melhorou”.)
Para o analista também é bom, porque ele pode, por exemplo, ir ao banco e dar
consulta ao mesmo tempo. Mas o que tem dado resultado mesmo são as análises no
campo. Dependendo do caso, o analista de Bagé leva o paciente a caminhar no
parque ou subir em morro. Ele nasceu na campanha e costuma dizer que é “homem
de quatro horizontes”. E quando o paciente dá sinais de estar muito angustiado
pela vida urbana, analista de Bagé grita para Lindaura, sua recepcionista:
“Prepara os isopor, que este é caso de piquenique”. Aliás, ele diz que é
tradicionalista de botar o Paixão num bolso e o Barbosa Lessa no outro, mas que
hoje em dia não se admite gaúcho autêntico sem garrafa térmica. E vão pro mato.
Foi sentado debaixo de uma
figueira, mastigando um talo, que o analista de Bagé ouviu a sua paciente –
“mais linda que manta de charque gordo”, como diria depois – declarar que não
conseguia sentir prazer com homem algum, a não ser que houvesse a ameaça de
punição. O analista de Bagé tentou manter o distanciamento clínico, mas estava
batendo sol na bombacha e não deu. Olhou rapidamente em volta e avistou um
relvado na forma de uma cama redonda. Deus existe, pensou, e Freud está à sua
direita, anotando tudo. Sutilmente, o analista de Bagé sugeriu:
- Tira a roupa.
- Serei punida, depois?
- Mas bá.
- Como? Pelo sentimento de culpa?
- Não.
- Desenvolverei uma neurose? Meu
ego, que exige a punição, combaterá meu id, que quer ser satisfeito a qualquer
custo, mesmo sabendo que ter relações com meu analista, personifica o meu
superego, não me causará culpa, pois posso racionalizá-las como terapia de
apoio? Será esse o meu castigo?
- Não.
- Então qual?
- Urticária.
- Oba. (VERÍSSIMO,
Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 252)
Nenhum comentário:
Postar um comentário