
Fabrício Carpinejar
A dor sentimental vem da falta de poder dar amor, contrariando a carência.
O hábito é imaginar o sofredor com fissura daquilo que tinha ou do que recebia, mas o que produz angústia é a doação agora estéril, a transfusão agora inútil, como se o sangue solicitado fosse de um tipo que o não o dele, apesar dos litros cedidos ao longo do tempo.
Isso explica o pasmo de amigos e familiares perante pessoas que atravessam prolongado luto mesmo não tendo sido valorizadas na relação. Não entendem o motivo da sofrência - elas não ganharam ternura alguma, vítimas da indiferença e do destrato na convivência. Não entendem como se penitenciam por uma realidade claramente injusta e desagradável.
O que dói na lembrança é não ter sido suficiente. É tudo o que foi entregue naturalmente, e que não foi reconhecido para manter, melhorar ou vingar o romance.
Quem ama bonito sofre mais, mesmo que tenha se contentado somente com migalhas do outro. Quem ama bonito se culpa (questionando o que poderia ter feito para prevenir o fim) e jamais culpa o próximo.
O sofrimento parte do amor que você presenteou, não do amor presenteado. O sofrimento é proporcional à dedicação.
Bate o desespero pelo mar percorrido. Houve um esforço incomum que a ideia de nadar de volta já cansa. E qualquer suspiro é motivo para se afogar na memória.
O amor não tem conexão com a felicidade, esta é a sua complexidade, mas com a honestidade em amar. Você não sente falta porque foi feliz ou correspondido, porém porque nunca amou daquele jeito, sem censura e amarras. É órfão de um amor único, singular, exclusivo, raro inclusive para seu temperamento difícil, o que agrava a solidão e traz perguntas inquietantes relacionadas a uma possível burrice (por que me entreguei tanto?).
Existe a tristeza imperiosa de jogar fora a sua capacidade de amar. A saudade não é por alguém, e sim por si mesmo.
Só sofre quem amou muito. Aquele que foi amado de repente não sofre nada.
Fonte: O Globo
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